quarta-feira, 23 de março de 2011

XVII

                                                   Esquecimentos
Tendo aderido à idéia do site http://www.livrolivre.art.br, comecei a libertar alguns dos meus livros. O primeiro deles foi “esquecido” em uma confeitaria. 
No dia seguinte, lá voltando e estando na fila do pão, uma das caixas saiu de seu posto e veio ao meu encontro dizendo ter me reconhecido pela foto e que adorara o livro que havia encontrado em uma das mesinhas externas da padaria. Logo, um senhor à ela se juntou,  querendo também um livro.
O que ando “esquecendo” propositadamente leva a seguinte etiqueta:
"Leia este livro, envie um comentário à angelaottoni@gmail.com e “esqueça-o” em algum lugar movimentado para que outros façam o mesmo.
Obrigada e bom divertimento!"
Acomodada no avião com destino ao Rio, vejo que ao meu lado está uma senhora folheando a revista de bordo. Achei que, pela idade avançada, não seria leitora contumaz. Suspeitei que a outra no assento junto ao corredor, também não e, para eu deixar de ser preconceituosa, ela sacou um livro da bolsa e leu o tempo inteiro da viagem. Com a esperança de que também folheasse a revista da Gol, coloquei, dissimuladamente, meu livro atrás da bendita revista, em frente ao seu assento. Infelizmente, ela não interrompeu a sua leitura. Lembrei-me dos escritores, um produtivo, outro, atormentado, de um livro do Calvino, onde o atormentado observa com binóculo uma leitora compenetrada e pensando que ela talvez estivesse lendo algo do escritor produtivo, a quem inveja um pouco, resolve escrever o próximo como este o faria, para deixá-la hipnotizada, como a vê agora. Um pouco mais tarde, o produtivo igualmente observa a leitora concentrada e, imaginando que estivesse lendo um livro do atormentado, a quem admira, e, cobiçando o mesmo interesse, resolve escrever no estilo deste...
Desculpe-me, mas o resto da história vocês a encontram em Se um viajante em uma noite de inverno.
No restaurante, “esqueço” (como tenho andado esquecida ultimamente!) outro livro e saímos apressadamente, antes que alguém nos alcançasse para devolvê-lo.
Quando íamos entrando no táxi, aparece a solícita atendente do restaurante com o livro na mão...  A Musa, a par do meu estratagema, retruca que era para ela...
Atinjo o meu objetivo e nos divertimos. 
“Eu fiz tudo pra você gostar de mim, Menina vai, com jeito vai, se não um dia a casa cai, Alalaô, oooô, ooô, Olha a cabeleira do Zezé, será que ele é, será que ele é?”
Essa é, às vésperas do carnaval, a música ambiente do Posto 6, em Copacabana, de onde saio agora.
E chega o momento de deixar a cidade.
À espera da chamada final, ouvi pelo alto falante um pedido para que a Senhora Angela Delgado se dirigisse ao portão de embarque. Logo entendi que iria reaver o “esquecimento” no balcão do check-in, recupero-o e pouco depois o deposito em frente ao assento junto ao corredor, onde se instalaria um cavalheiro e seu netbook...
Saudades da leitora da ida! Enquanto o meu vizinho ao fechar o computador folheia a revista da Gol, saco caneta e folha de papel, para registrar seus movimentos, tal qual uma detetive. Meu livro permanece invisível e com a aproximação de Brasília, percebo o erro: o título do livro não ficara à mostra.
A exemplo de Joãozinho marcando o caminho com pedrinhas, serei uma Mariazinha deixando livros em meu rastro.

domingo, 13 de março de 2011

XVI

    Quando antecipei em minha mente o momento do “Eis o livro’, sobre o qual uma de minhas amigas dissera: chega de revisões, deixe-o nascer!”, achava que não conseguiria me segurar de tanta emoção. Mas, chegada a hora “h”, foi como uma chaleira de água fria no previsto júbilo. Depois de tantas revisões, havia um erro na folha de rosto. Não na primeira página, mas na folha de rosto da parte francesa! Folha inserida, a bem da verdade, um pouco antes de o livro ser autorizado para publicação, e que só o esgotamento explica a névoa em meus olhos. Se bem que, hoje em dia, muitas coisas estão adquirindo total invisibilidade.
Não devemos sofrer antes da hora, mas é sábio se alegrar por antecipação. Em vez de lágrimas e abraços (cogitei até em uma taça de vinho), “bilangue” no lugar de “bilingue”, apesar de a pronúncia ser “bilangue” mesmo. Havia corrigido a falha, porém, só no meu computador, não no da editora!  Em francês, a + a = i, ou seja, língua em francês = langue, mas se são duas as línguas, ilogicamente, grafa-se “bilingue”, quase como em português e só me restava sentar e fazer a correção em mil páginas impressas, em vez de ficar exclamando: Não acredito!
O que foi feito.

quinta-feira, 3 de março de 2011

XV

  São duas horas da manhã, já ganhei meu presente cotidiano - mais um dia embrulhadinho - mas está muito cedo para desembrulhá-lo. Tenho que relaxar, tentar dormir um pouco e, para isso, parar de pensar. Desde menina, esse verbo constava da minha listinha de “afazeres”, Psiu, você ignora, mas quando eu nem sabia escrever direito, registrei, duas vezes, “pensar”, em um papelzinho, entre o “fazer a cama”, “rezar”, “brincar” e outras tarefas cotidianas a cumprir.
Mas, nem desembrulho o meu presente, nem lanço mão de comprimidos para dormir. Em vez disso, escrevo este e-book.
Ontem, Psiu, sentindo dores lombares, fui à minha médica, que achou graça, quando perguntei se precisava mesmo fazer aquela batelada de exames:
- Você não vem aqui há duzentos anos e ainda me pergunta se é preciso fazer estes exames?

  Fiz os que ela pediu e mais ainda. Dias depois, chegando cedo ao consultório de um dos “istas”, resolvo “fazer” uma horinha na ”Yogofresh”, em Ipanema, e comentei com a simpática atendente que nunca havia provado um daqueles “frozen yogurt”. Ela deve ter pensado que eu era uma extraterrestre ou um daqueles anjos que dizem estar entre nós…