sábado, 22 de outubro de 2011

Para cantarem ao abrir o blog

Nous nous reverrons un jour ou l'autre
Voltaremos a nos ver um dia desses

si vous y tenez autant que moi  
se você fizer tanta questão quanto eu

Prenons rendez-vous  
Marquemos um encontro

un jour n'importe où
qualquer dia em qualquer lugar

Je promets qui j'y serais sans faute
Prometo que lá estarei sem falta  

à Noël comme à la Pentecôte
no Natal ou depois da Páscoa

à Rio de Janeiro ou à Moscou
no Rio ou em Moscou

Plus on est de fous  
Quanto mais loucos

plus on rit de tout
mais rimos de tudo

Nous nous reverrons un jour ou l'autre  
Voltaremos a nos ver qualquer dia

j'y tiens beaucoup              
faço questão

Nous nous reverrons un jour ou l'autre     
Voltaremos a nos ver um dia desses

Le monde est petit profitons-en
O mundo é pequeno, aproveitemos

Si votre chemin    
Se seu caminho

passe par le mien    
passar pelo meu

ma roulotte croisera la vôtre    
meu carro cruzará com o seu

Comme il ne faut pas tenter le diable
Como não se deve tentar o diabo                        

en disant à la prochaine fois
dizendo até à próxima

faites comme moi
faça como eu

en croisant les doigts
cruze os dedos

ou si vous trouvez ça préférable
ou se preferir        

touchons du bois
batamos na madeira

Je dois vous avouer
Devo confessar

que j'ai été une fois de plus ravi
que fiquei uma vez mais encantado

d'être parmi vous ce soir encore
de estar com vocês novamente esta noite

Je voudrais encore vous dire
Gostaria ainda de lhes dizer

merci pour votre présence ici ce soir
obrigada pela presença aqui esta noite

merci pour la fidélité
obrigada pela fidelidade

À un de ces jours peut-être qui sait
Até um dia desses talvez quem sabe

En attendant bon soir
Até lá, boa noite.

Le hasard souvent fait bien des choses      
O acaso muitas vezes é generoso

surtout quand on peut l'aider un peu    
principalmente quando o ajudamos

Une étoile passe, et je fais un vœu  
Uma estrela passa, e faço um pedido                                                                                                                  

Nous nous reverrons un jour ou l'autre
Voltaremos a nos ver qualquer dia

Si Dieu le veut.  
Se Deus quiser.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

O Rio Nilo secou

(Presente para o aniversariante de hoje...)

Alexandra Rodrigues

         O rio Nilo secou! Amanhã de manhã você lerá essa manchete no jornal da sua cidade. Se você morar em outros Egitos, poderá ensaiar a tradução livremente na língua do seu faraó: o rio Amazonas secou, ou o rio São  Francisco, o Guaíba ou o Parnaíba. Não importa em que leito o seu rio corra: secou o rio da sua aldeia, o rio dos desejos da sua adolescência e juventude, o rio pelo qual navegou livremente a sua imaginação; secou o rio que banhou as margens dos seus sonhos e que encharcou de esperança a navegabilidade da sua vida; um rio situado em algum território impreciso entre o passado e o  futuro, pelo qual você desceria um dia em viagem marcada no mapa do seu corpo e combinada com a sua melhor amiga.

         Imagine a amiga de uma vida inteira, aquela que você conheceu aos 13 anos no colégio, a quem confiou seus medos e segredos, aquela que se tornou mais que sua irmã, de quem você se separou com inaudível dor quando foi morar em outras terras e o destino as arremessou contra paisagens, línguas e costumes diferentes, bifurcando irremediavelmente suas vidas.

         Sabe que o reencontro marcado, na luz do amanhã, era uma fantástica viagem pelo rio Nilo para visitar as gigantescas estátuas dos faraós, os templos colossais dos deuses e as misteriosas pirâmides de Gisé? Que mais de quatro mil anos de História esperaram por vocês durante quase quarenta anos de uma única existência? Sabe que as pirâmides de Quéops, Quéfren e Miquerinos resistiram à erosão, à espera de duas mulheres que um dia prometeram visitá-las juntas? Que Osíris zelou, lá da eternidade, pela navegabilidade dos seus sonhos e Tutankamon, em seu imponente trono de ouro maciço, ordenou que o rio que deu vida ao Egito permanecesse encharcado de leito por mais de quatro mil anos, aguardando você e sua melhor amiga? Sabe quando a materialidade da infância, da adolescência, da juventude vai ficando cada vez mais imperceptível no fio do tempo e um sonho sonhado junto é o elo que une o seu passado ao seu futuro? Sabe quando o tempo vai fluindo como uma correnteza que banha mil vidas e se passam dez, vinte, trinta anos, quase quarenta e você continua brincando de sonhar com um Nilo de águas límpidas que nunca envelhecerão, um rio que estará eternamente à sua espera, aguardando essa viagem que você e a sua amiga farão em breve, dali  a algum tempo, um dia, quem sabe?

        Imagine agora que, em um efusivo telefonema de parabéns a você que atravessa um oceano e dois continentes, a velha amiga lhe revela inesperadamente que acabou de chegar do Egito. E delicadamente se desculpa por ter traído o combinado de uma vida. Não era para ter ido ao Egito, mas enfim, a Grécia estava ardendo e na última hora, bem na véspera de partir de férias, a agência de viagens conseguiu duas passagens para o Egito. Sabe quando,  represando o inesperado choro adolescente que tenta conter no meio do telefonema, quase rompendo os diques da barragem de Assuã, você pergunta, na tentativa de dar um tom de graça à desgraça que acaba de se abater sobre o seu coração, mas já sabendo a resposta, E com quem você me traiu? Claro que a viagem da amiga foi com o marido dela, com quem você mantém as melhores relações, mas aquela viagem não era para maridos, era para ser a viagem de duas amigas de uma vida!

         Quando a passagem tem já quase meio século é difícil cancelar o que sobrou de um sonho, talvez o único que você mantém desde os treze anos. Então você ainda tinha sonhos pueris, dá-se conta no meio do telefonema. Podemos ir a Machu Pichu, quem sabe ao arquipélago dos Açores, propõe a amiga, num gesto inutilmente gentil. Mas não se fazem pirâmides nos Nilos dessas terras! Você compreende a amiga no mais íntimo do seu ser, porém a redoma de vidro que protege as relíquias de Tutankamon está agora vazia, irremediavelmente vazia, no museu do Cairo da sua vida. Não se protege um tesouro faraônico com vidro, você descobre, quando a câmara do Tutankamon foi já violada e o escriba que acolhia as ordens do faraó se recusa a escrever, sobre o papiro da vida, mensagens do futuro.

         Compreende agora a manchete do jornal de amanhã? As águas do meu Nilo secaram. E as do seu rio?





        







 



        

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Extrato de "Se um viajante numa noite de inverno" (autor convidado: Italo Calvino)


…O escritor produtivo observa o escritor atormentado enquanto este se acomoda à escrivaninha, roi as unhas, tem comichões, arranca uma folha, levanta-se para ir à cozinha fazer café, depois chá preto, depois chá de camomila, lê um poema de Holderlin (embora esteja claro que Holderlin não tem nada a ver com o que ele está escrevendo), torna a copiar uma página já escrita e depois a risca linha por linha, telefona para a lavandeira (mesmo já sabendo que as calças azuis não ficariam prontas antes de quinta-feira), toma algumas notas que não serão úteis agora, talvez só mais tarde, vai consultar a enciclopédia no verbete “Tasmânia” (sendo óbvio que naquilo que escreve não há nenhuma alusão à Tasmânia), rasga duas folhas, põe na vitrola um disco de Ravel. O escritor produtivo jamais gostou das obras do escritor atormentado, quando as lê, sempre lhe parece estar prestes a chegar ao ponto decisivo, mas depois esse ponto lhe escapa, e sobra apenas uma sensação de mal-estar. Mas, no momento em que o vê escrever, sente que esse homem se debate com algo de obscuro, um emaranhado, um caminho a ser aberto que ele não sabe aonde conduz; às vezes, parece-lhe que o vê caminhar sobre uma corda suspensa no vazio, e é tomado por um sentimento de admiração. Não só admiração: de inveja também, porque sente que seu trabalho é limitado e  superficial se comparado ao que o escritor atormentado está procurando.

     No terraço de um chalé, no fundo de um vale, uma jovem lê um livro enquanto toma sol. Os dois escritores a observam através da luneta. “Como está absorta, com o fôlego suspenso! Com que gesto febril vira as páginas!”, pensa o escritor atormentado. “Certamente lê um romance de grande efeito, como aqueles do escritor produtivo!” “Como está absorta, quase transfigurada pela meditação, como se assistisse à revelação de um mistério!”, pensa o escritor produtivo. “Certamente lê um livro repleto de significados ocultos, como aqueles do escritor atormentado!”

     O maior desejo do escritor atormentado seria ser lido como lê aquela jovem mulher; põe-se a escrever um romance como o que pensa que o escritor produtivo escreveria. Entretanto, o maior desejo do escritor produtivo seria ser lido como lê aquela mulher; põe-se a escrever um romance como o que pensa que o escritor atormentado escreveria.

     Os dois escritores, primeiro um e depois o outro, abordam a jovem, e ambos lhe dizem que desejam que ela leia os romances que acabaram de escrever.

     A mulher recebe os dois manuscritos. Alguns dias depois ela convida os autores a irem a sua casa, juntos, para grande surpresa deles.

     - Mas que brincadeira é esta? – diz ela. – Os senhores me deram duas cópias do mesmo romance!

     Ou então:

     Uma rajada de vento mistura as páginas dos dois manuscritos. A leitora tenta reorganizá-los. Daí resulta um único e belíssimo romance, que os críticos não sabem a quem atribuir. É o romance que ambos os escritores sempre sonharam escrever...”