quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Viagem às Nascentes por Carlos Jorge Mota




Curiosidade e ânsia para os novos Visitantes, mas já quase rotina para mim, face às três antecedentes viagens similares. De início, apenas uma diferença desta vez: o circuito seria o inverso do habitual – entrada por Lisboa e o regresso pelo Porto, via capital. Portanto, acertada a combinação com a empresa transportadora (já também habituada a estas andanças, pois foi ela a utilizada desde a primeira jornada, mercê de contactos por mim efetuados, por conhecer os seus bons serviços, e preços competitivos, no âmbito de excursões do meu clube rotário, e que a Sônia da Interline entendeu dar continuidade), eis-me sentado na camioneta às duas horas da madrugada, depois de um pequeno desvio feito pelo motorista para me apanhar no caminho, rumo a Lisboa, buscando os novéis visitantes, fazendo um esforço enorme para não adormecer a fim de evitar um eventual contágio ao condutor, por osmose. Estacionada a viatura no Aeroporto num ponto mais próximo possível da porta de saída para amortecer o prolongamento do cansaço da viagem do Brasil, aí estou eu esperando o pessoal, juntamente com o prestimoso motorista, Sr. Nelson.
Feitos os primeiros contactos, deu para perceber, de imediato, que, apesar do Sr. Comendador ter informado convenientemente os visitantes do meu papel e função nesta andança, segundo julgo saber, nem toda a gente terá apreendido bem isso e fui, então, confundido como sendo um ajudante de motorista ou representante da empresa transportadora. Bom, procurando desfazer equívocos, lá fui eu dando início àquilo que julgava ser a minha tarefa em Lisboa, razão pela qual tinha acedido à insistência do Victor Alegria em ir à capital: assessorá-lo (a ele) no que fosse necessário, face às suas condicionantes físicas, sem prejuízo de eventual apoio aos circunstantes, embora limitado, uma vez que em Lisboa também sou forasteiro, conhecendo todavia bastante bem a cidade e zonas limítrofes. Mas era incompatível articular as duas satisfações: orientar e ajudar uns e, simultaneamente, apoiar o Victor. Fiz marcação em Hotel para o período da minha estada na capital, mas limitei-me a, no último dia, já com contas previamente acertadas, ir entregar a chave nunca utilizada. O Sr. Comendador “obrigou-me a dormir com ele!” Quem lhe iria botar as gotas nos olhos???...
Mas o motorista já tinha sido instruído em conformidade e não deixou, portanto, de proporcionar um passeiozinho pelas zonas da cidade mais turisticamente procuradas, bem como o tradicional salto à linda vila de Sintra, com seu Palácio da Pena majestoso. Dia seguinte, com marcação protocolar estabelecida na Biblioteca Nacional de Portugal, a delegação foi recebida pelo seu então Diretor, Prof. Dr. Jorge Couto, cerimónia durante a qual tive então a oportunidade dum contacto mais íntimo com os integrantes da comitiva. Deu para entender aí, então, durante a descrição dum excerto dum livro, pela autora, da grande qualidade e sensibilidade dos presentes, pois outras intervenções se sucederam de similar amplitude.
Iniciada a viagem com destino ao Porto, eis-nos a visitar o Mosteiro de Alcobaça, monumento português incontornável para quem se desloca àquela zona do país, não só pela sua componente religiosa e histórica mas também por conter os túmulos da galega Inês de Castro e do seu D. Pedro, figuras que se tornaram míticas na nossa História e Literatura e cujo amor foi contado e cantado em lindas trovas, pois nem o trágico desenlace o apagou. Inês foi coroada rainha mesmo depois de morta.
De seguida, aí vamos nós para Aljubarrota, pois tínhamos à nossa espera, em sua casa, um amigo de Brasília, e sua esposa, cidade onde viveram uns anos, ele em funções de âmbito diplomático, no Instituto Camões, após o que, antes de se aposentar, foi nomeado responsável pelo Mosteiro que tínhamos acabado de visitar.
Rui Rasquilho e sua amável esposa receberam a Comitiva à boa maneira portuguesa – É Uma Casa Portuguesa, Com Certeza, não diz assim a canção? -, não só pelas suas ligações a Brasília como também pela simpatia intrínseca que irradiam.
Findo o fasto repasto e as despedidas comovidas, partimos para visita ao Mosteiro da Batalha, monumento gótico português erigido em memória duma Batalha ocorrida em 1385 na localidade onde Rui reside (Aljubarrota), pela qual os portugueses derrotaram os castelhanos, não obstante o número de tropas destes ser o quádruplo das comandadas por D. Nuno Álvares Pereira.
     Chegados à cidade do Porto, formalidades no Hotel cumpridas e descanso merecido, pensando já, todavia, no programa do dia seguinte, também ele promissor de alguma azáfama.
Visita a Caves do Vinho do Porto, em Vila Nova de Gaia.
Atendendo a que esta viagem tinha  como desígnio a visita às nascentes da língua e da cultura portuguesa e considerando que a Galiza detém na sua história uma raiz comum inapagável, foi dado cumprimento a algo que já vinha germinando nas mentes organizativas destas Viagens: estabelecer-se um programa de visita a Santiago de Compostela e a outras terras vizinhas de relevo cujos detalhes programativos seriam da responsabilidade galega, articulada connosco. Assim se pensou, assim se fez. E eis-nos, portando, de abalada para a mítica cidade de Santiago de Compostela.
Mas, no caminho, almoço especial nos esperava. Dia de aniversário dum visitante com sangue galego – José Jerónymo Rivera – assim como da simpática Cecília Velho, e cantou-se os “Parabéns a Você” saboreando um belo bolo que o motorista, amigo Nelson, teve a ideia e a notável amabilidade de oferecer. Gesto bonito, destacável e inesquecível.
Mas o destino era Santiago, com gente amiga nos aguardando. Arrumada à pressa, portanto, a bagagem no Hotel, e com a Concha Rousia à espera, grande amiga galega destas lides, lá nos dirigimos para o riquíssimo evento cultural que a AGLP – Academia Galega de Língua Portuguesa, com sede naquela mítica cidade, teve a amabilidade de nos contemplar. Assistimos a um lindo concerto em que a emoção floresceu, não só pela qualidade da poesia declamada e pela música erudita executada pela Professora do Conservatório de Santiago de Compostela Isabel Rei Sanmartim, mas, e principalmente, pelo ambiente humano e empolgante.Troca de lembranças e retorno ao Hotel, pois o cansaço já aflorava e o dia seguinte prometia ser efervescente. Assim aconteceu, e, pela manhazinha, tendo uma brasilega à espera para nos ciceronear Santiago, fomos conduzidos por Jeanne Pereira, uma bahiana residente há já uns anos em Santiago (regressou definitivamente, entretanto, ao Brasil, mas continua a sentir e a viver a alma galega), aos pontos otel
mais emblemáticos de Compostela. Após um curto almoço-convívio, para evitar perdas de tempo necessário, fomos visitar a Catedral de Santiago.
De seguida, Concha e o marido, assumindo o papel de guias turísticos, no nosso Autocarro, conduziram-nos à localidade de Rianxo, em pleno coração galego. Em Rianxo – vila marinheira típica onde se vai abrir um centro da Universidade Aberta de Lisboa,  tínhamos a aguardar-nos,  o respetivo Presidente da Câmara Municipal (Prefeito).
Despedidos da Galiza, rápidos na estrada para a Invicta, porque tínhamos um jantar especial à nossa espera, seguido de evento cultural na UNICEPE – Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, durante o qual seriam apresentados livros de alguns escritores integrantes da caravana. Canções lindas tocadas e cantadas, intervenções de conteúdo importante se fizeram, com público assistente em quantidade e qualidade.
Dia seguinte, cedo abalámos rumo à terra natalícia de Victor Alegria, onde pernoitaríamos, pois visitar Arouca obriga a permanência prolongada, tal a riqueza do seu acervo. Mas Victor trazia na bagagem, da Thesaurus, um livro dum poeta de raiz arouquense, Nuno Brito, detentor já de prémios literários, para apresentação naquela vila, tarefa entregue ao Prof. Doutor Arnaldo Saraiva, professor jubilado da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, uma das pessoas mais credenciadas em Portugal sobre literatura brasileira, e, cumulativamente, velho amigo do Sr. Comendador.
À noite, fomos pomposamente brindados com um majestoso concerto de Órgão de Tubos do Mosteiro de Arouca, privilégio especial, seguido duma Ceia, tipo Medieval, na Cozinha do monumento, evento também reservado a um número reduzidíssimo de entidades.
Mas … Arouca detém geosítios tombados pela UNESCO razão por que, manhã cedo, o vasto espólio a isso obrigava, fomos ver e desfrutar um fenómeno só existente aqui e noutro local do planeta, na Rússia: as denominadas “pedras parideiras”, ou seja, um afloramento de granito com abundantes nódulos discoides e biconvexos de biotite, que se libertam da rocha-mãe, por termoclastia.
Como o estômago já apertava, e porque o almoço estava aprazado, lá nos embrenhámos por caminhos e ladeiras, carreiros e veredas, camioneta roçando árvores e arbustos, que só a destreza do amigo Nelson conseguia vencer, chegámos finalmente ao Espinheiro, em cuja folhagem se descobriu, embora ninguém visse, o Restaurante desejado. Foi pelo cheiro que o alcançámos.
Acabado o repasto, dirigimo-nos, com guia competente, ao Museu das Trilobites, fósseis de maior importância,  para estudo da origem e evolução da vida na Terra, pois estes animais viviam em águas profundas ou em águas superficiais e se extinguiram rapidamente há cerca de 230 milhões de anos. Muito mais haveria a visitar, mas o tempo, sendo escasso, não permitia mais incursões.
Finda a inesquecível Viagem, para uns, porventura, empolgante, seria deselegante da minha parte destacar qualquer elemento integrante da Caravana, todavia, pedindo desculpa aos demais, considero incontornável, para mim, não poder deixar de citar aqui dois nomes: Manuel Mendes, decano do grupo e proeminente jornalista e escritor, pelo seu denodo e coragem face às milhas a vencer, não obstante as suas limitações físicas; e Santiago Naud (figura cujo nome e parte de cuja obra literária já conhecia), pela sua assumida portugalidade (cito o Livro 47 Poemas Lusitanos), e pelo seu expresso amor ao Porto, minha cidade.
Todos vocês chegaram a terras lusas como Embaixadores do Brasil, e todos, estou seguro, regressaram agora acumulando o cargo de Embaixadores de Portugal.
Bem hajam!

Porto, 15 de janeiro de 2012.

Carlos Jorge Mota

terça-feira, 17 de janeiro de 2012


Querida amiga Angela,
Encaminho-lhe, com muito carinho, o meu texto sobre nossa maravilhosa viagem.
Aproveito a oportunidade para lhe desejar um ótimo 2012, com saúde e paz! A você  e aos seus!
Um grande beijo saudoso,
Edilene



Foi bonita a festa, pá.
Fiquei contente
E ainda guardo renitente
Um velho cravo para mim.

Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei também quanto é preciso, pá
Navegar, navegar

Canta a primavera, pá
Cá estou carente
Manda novamente
Algum cheirinho de alecrim.

Nós sabemos que algo nos marca de verdade, na vida, quando os aromas, os gostos, as palavras e as imagens alheias sempre nos remetem, de alguma forma, de volta àquela experiência. Já se passaram praticamente sete meses de nossa “epopéia” e estamos todos ligados de um jeito ou de outro: existe força maior que a da memória?
E tudo começou com a “sinfonia silenciosa do pôr-do-sol em Brasília” (Carlos Magno, Canção da Água, p.134). Meu medo maduro foi cedendo lugar à curiosidade, à oportunidade. “Com que tu sonhas, alma aprisionada?/ Por que te apraz a nossa luz sombria,/ Se para voar à proteção sadia./ Tens em teu dorso uma asa afeiçoada?”(Du Bellay trad. por José Jeronymo Rivera, p.31).
Arrebatada pela grandiosidade da poesia de Santiago Naud, pela alegria do Sr. Victor e a presença delicada e marcante de Manuel Mendes, concordo com as palavras emprestadas de Ricardo Reis pela querida Ângela Delgado: “as palavras, quando ditas, são como portas, ficam abertas, quase à espera de que outra porta se abra, de que outra frase se diga”.  A Viagem às nascentes da Língua Portuguesa foi um duplo presente para mim. Primeiro dos céus, que me permitiram, todos sabem, que eu vencesse meu medo de voar, e voar é viver, forma de aceitar para si mesmo a felicidade. Depois, de meus amigos, que me concederam o privilégio e o prazer de sua companhia e aprendizado.
Um sopro imenso e forte essas tormentas doma.
Um raio cai do céu por entre a escuridão.
Quando aos gritos de morte os de festa o homem soma
Uma secreta voz fala no ruído vão. (Victor Hugo trad. por José Jeronymo Rivera)

A voz da festa é a voz do nosso grupo: conhecedora e gentil como a de Rivera, carinhosa e compreensiva como a de Wilna, autêntica como a de Isadora, atenta e dedicada como a de Hermínio, inteligente e engraçada como a de Marcos, crente e emocionada como a de Sinício, companheira como a de Lúcia, responsável e prestativa como a de Carlos Jorge, amiga como a de Cecília, forte como a de Roseli, delicada como a de Amanda, sábia como a de André e animada como a de Armando, mas em tempo, simples e verdadeira como a de Nelson!
Como o garoto do conto de Natal de Marcos Linhares, ofereço-lhes a única manga da minha caixa: a minha amizade. Maravilhar-se é o primeiro passo para o descobrimento. Sinto-me ainda maravilhada pelas belezas do velho continente, mescladas ao descobrimento dos valores raros que reconheci fitando os olhos de cada um do grupo. Encontrei-me.
 Edilene  

domingo, 8 de janeiro de 2012

Outro dia de "Os Introcáveis II"

        

       Carlos Jorge Mota disse que gostará de analisar este “diário”. Eu, Angela, já lhe antecipo comentando que enquanto em Os Introcáveis as adolescentes de então eram verdadeiras e carinhosas umas com as outras (“A pateta da...” “Para o cúmulo da burrice...”, “A idiota da...”). Os Introcáveis II, tirando as rusguinhas superadas, é puro mel.

Com a palavra, Carlos Magno:

     Escritores, jornalistas, fotógrafos e amantes da Língua Portuguesa, todos nós, que integramos a delegação da “Viagem às Nascentes da Língua Portuguesa”, saímos de Brasília, no dia 7 de junho, para visitar Portugal. Levávamos no peito o forte sentimento de solidariedade com o País, que atravessa série crise econômica.
          Nossa delegação, composta de 22 pessoas, chegou a Lisboa e ainda havia sol. Lisboa.
Linda. Histórica. Contemporânea. Sisuda. Alegre. Conservadora. Moderna. Limpa. Limpa.
Absolutamente limpa.
Nem desfizemos as malas e já estávamos entrando no belo restaurante onde seríamos
recepcionados pelos membros da Academia do Bacalhau de Lisboa.Essa entidade existe em
Portugal e em todos os países em que haja comunidades formadas por portugueses. Foi-nos
dada a honra de assistir à premiação dos estudantes vencedores em um concurso literário.O
nosso trabalho como escritores serviu de referência para que se exaltassem os princípios da
Academia, entre eles o de “fomentar, e desenvolver relações de amizade, cooperação
e confraternização entre os associados, independentemente de sua etnia,posição social ou
grau de cultura”. Lá, fomos homenageados com salva de palmas, palavras de boas vindas e
com Certificado de Convidado de Honra. Tal honraria só é conferida depois de aprovada por
Assembléia Geral e proposta pelo Presidente da Academia.
                Na manhã seguinte, recebeu-nos na porta da Biblioteca Central de Lisboa seu próprio
Presidente. No Salão Nobre da Entidade, fomos apresentados nominalmente pelo editor Victor
Alegria, o responsável pela nossa aventura cultural e pela “Viagem às Nascentes de Língua
Portuguesa”. Oferecemos livros nossos, que se incorporarão ao acervo de três milhões de
livros da Biblioteca e que passarão a constar na relação oficial de títulos daquele importante
acervo que, por força de tratado,mantém intercâmbio com todas as bibliotecas da Europa.
Dei notícia da AVELA e ofereci à Biblioteca Central de Lisboa um exemplar do “Rio de Letras”,
dos nossos escritores valencianos. Li, com emoção, o nome de cada autor da antologia, para
que se fizesse naquela reunião , o registro da intelectualidade literária que habita e trabalha às
margens do Rio Uma, na Bahia.
                Nossa viagem estava apenas começando.

     Em Lisboa, visitei a Rua das Gáveas. Era ainda o sol claro e já se iam os ponteiros
do relógio às 20h30. Um intricado de ruelas espremidas por casarões centenários lembrou-me
Ouro Preto e Salvador. Algumas das ruelas são trafegadas somente por pedestres.
Por elas sobem ou descem ladeiras e há escadas. O calçamento é de pedras. Tudo é muito limpo.
Bem conservado.
                Com a chegada da noite, aquele recanto lisboeta se transformava sutilmente. As luzes
amareladas contribuíam para que detalhes de claridades e de sombras mostrassem a beleza
dos casarões com suas janelas e portais trabalhados com arte de fina carpintaria. O aroma de
azeite e temperos escapava dos inúmeros simpáticos restaurantes que fazem do lugar um dos
preferidos por quem sabe apreciar a culinária extraordinária que deita fama sobre a cozinha
portuguesa.Gente sentada nas mesinhas das calçadas estreitas degustava, comia, conversava e
ria. Taças de vinho sob os abajures e lampiões.
                Eu estava acompanhando o escritor e jornalista Manoel Mendes e sua Lúcia, vindos
de Brasília. Os dois, gentilmente me convidaram para visitarmos uma casa de fado. Talvez por
me verem como um dos poucos do grupo (éramos um grupo de escritores da caravana Viagem
às Nascentes da Língua Portuguesa) que estava desacompanhado, tenham-se condoído e me
incluíram no passeio que haviam programado fazer aquela noite. Aceitei de bom grado e tive
um dos bons momentos da viagem. Manoel me oferecera, ainda no hotel, o seu livro “Meu
testemunho de Brasília”. Um documento sobre o nascimento da Capital.
                A placa: “Caldo Verde casa de fado”. Entramos. Porta estreita. Pequeno salão.
Acanhado. Porém, muito receptivo.Decorado com motivos portugueses. À média luz. Quase
levitamos com o cheiro delicioso do azeite, sardinha frita, cebola e tantas outras nuances
que vinham da cozinha e que nossos narizes captavam para o deleite do nosso estômago e
aconchego de nossa alma.
                Crísea leitora, fulgente leitor, que engano é o prejulgamento. Pedimos bacalhau.
Em Lisboa chega a ser quase considerado crime o turista olvidar. Também foi-nos sugerido
carneiro ao vinho madeira. Abri a carta de vinhos, já que o casal fez questão, outorgando-me a
honra de escolher o que beberíamos.
                Sou um aventureiro. Um explorador do vasto mar que é o mar do vinho. Penso que é
necessário abrir velas e cortar âncoras para se navegar nas imensidões de certezas e incertezas
que nos vêm de cada garrafa e penso também: ao tomarmos uma garrafa, libertamo-nos
de uma obrigação à qual estamos ligados pelos nós do destino. Cada garrafa sorvida com os
amigos contribui para a leveza do nosso carma.
                Para experimentar o novo, escolhi um rótulo desconhecido para mim: ”Cabeça de
Burro”. Ora, beber um vinho com um nome desses! Ah, o prejulgamento! Quanto sangue não já
se esvaiu em guerras inúteis, porque alguém julgou prematuramente.
                Bom vinho. Aroma acentuado a amoras, cerejas, com notas especiais de canela.
Taninos maduros e fortes. Sua textura acetinada demonstra o equilíbrio entre álcool e acidez.
Vinho potente e de excelente expressão. Tantas qualidades fazem dos portugueses vinhos de
referência, de seriedade, de certeza e de grata satisfação para quem os degusta. O “Cabeça de
Burro” se harmonizou com a comida de tal forma que demos um interregno nas nossas
agradáveis conversas.
                O lamento do fado se encarregou de nos levar às nossas raízes lusitanas e chegamos
a sentir tal qual Cesário Verde declamou, cantando que em Lisboa, tão bela, quase desejava
sofrer.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

O Ano Novo



Carlos Magno de Melo
Autor dos romances :Mata Serena,    Relatório Mandaras,Longe da mão do rei,O espírito do rabo do fogão,
Bar Castelo, Livramento Pentecostes, Canção da água e de mais três livros de contos.


Uma certeza, tudo ficou para trás. Ano novo, vida nova. Exceto a conta do cartão de crédito, o imposto da casa atrasado em duas parcelas, o cheque especial no vermelho, as jóias da esposa e da sogra no prego da Caixa, as contas penduradas no armazém da esquina e o aluguel da casa, que o locatário já está olhando com cara feia e mandou devolver a jaca que lhe mandamos de presente de natal. No mais, vida nova. 
Agora é começar a dieta da lua, já que a do sol, a do rabanete, a das frutas, a dos carboidratos e a da água com limão se fizeram um fiasco tremendo. Todas, todas, acabaram que aumentaram o nosso peso. Hora de tomar jeito e entrar firme na ginástica. Próxima segunda-feira. Sem falta.
Acabar com todas as crendices. Agora é hora de sermos firmes e pragmáticos. Nada de carregar patuás no pescoço. Hora de tirar as duas dezenas de fitinhas do Senhor do Bonfim do retrovisor para dar sorte e não bater o carro financiado e com o seguro vencido. Esse negócio de entrar o ano depois de saltar três ondas, jogar sal grosso atrás da porta, comer sementes de romã na passagem, isso tudo ficou para trás. Agora, vida nova, novos ares, muita confiança no presente e certeza de êxitos no futuro. Toc-toc três vezes na madeira.
Nunca mais falar mal de ninguém. Só do Sarney e do Jader Barbalho e do Maluf e do... Bem nesse caso não é falar mal, é constatar, aí, pode. Também ninguém é de ferro. Ninguém está aqui propondo que viremos anjos de uma hora para outra.
No mais, tudo correrá bem, assim seja. Teremos, com toda consciência do merecimento, por tudo de bom que fazemos, o que de melhor a vida nos reserva, sejamos crentes ou ateus. Amém.







domingo, 1 de janeiro de 2012

Os Introcáveis II

   
  
      Neste 24 de dezembro, recebi por sedex o xerox de um diário escrito por quatro adolescentes.
     "Os Introcáveis", título do nosso diário, permanecia uma semana com cada uma das mrninas, e os meninos eram nossos diletos amigos inseparáveis. Encontrávamo-nos sempre na Avenida Atlântica, onde minha maior amiga meninas e estudávamos na praia; depois do almoço, íamos ao cinema e emendávamos com um "Arrasta-pé", das 18 às 23horas. Outras vezes, Os Introcáveis iam a minha casa jogar ping-pong e ler! Acreditem!
     Relendo esse diário, que durou um ano, sorrio com o fato, que estava esquecido, de um dos Introcáveis (de quinze anos) grudar chicletes nas teclas do piano, para não errar o “Bife”! Não contarei isso aos meus netos, pois tenho piano em casa...     
     Fui para a Europa e tomamos rumos diferentes, nos reencontrando quase cinquenta anos depois!
     Quando voltei de nossa primeira excursão às nascentes portuguesas, o entusiasmo de minha narrativa ao relatá-la levou uma amiga a comentar que eu havia encontrado a minha turma!
      Dou, então, o chute inicial de "Os Introcáveis II" e, como costumam dizer os pedintes das ruas, serve qualquer "moeda": um poema, uma vivência, uma descoberta, uma foto ou o que quer que transborde de nossa alma.
     Só não vale chorar mais ou deixar esfriar o "caldo” que surgiu de nossa convivência.
     Envio com cópia a todo o nosso "time" (não precisarei xerocar nada), esperando pelo primeiro a tocar a "bola" adiante.
     Feliz ano novo!

Vejam que belo “chute em gol” o da Roseli:
Viagem às nascentes
 
 
Nós, somos os viajores das nascentes. 
Nós, dos sertões de São Paulo, filhas de Goiás, filha de Pernambuco, filhos de Brasília, da Bahia, filhos de Portugal,  ilustres desconhecidos, mas escolhidos propositalmente por forças que jamais saberemos nominar.
Fomos convidados com alegria e por Alegria para navegarmos nas nascentes rumo à Portugal.
E lá fomos nós, sem saber quem era quem, sem questionar nome ou  sobrenome.  Pessoas!  Escritores, poetas, jornalistas, professores, advogado, fotógrafo, seres alados sobrevoando um Atlântico sem fim.
Juntos num mesmo sonho, num mesmo tempo, na mesma nave.   
Chegamos a Portugal repletos de esperanças e inseguranças, é claro. 
E quanto mais o tempo passava, mais ficávamos próximos, companheiros, amigos.
Sorrimos e choramos juntos. Brigamos também. E alguns discordaram de outros, mas havia entre nós sentimentos de respeito e solidariedade tão verdadeiros que os momentos difíceis ficaram bem menores que as grandes emoções que estávamos vivendo.
Ali na foto estamos na frente do nosso hotel em Lisboa. Primeiro momento em terras portuguesas.
Linda Lisboa que nos recebeu com tanta dignidade. Lisboa da Academia do Bacalhau, da Biblioteca Nacional onde nossos livros estarão  para sempre, da Casa da América Latina, da Casa do Fado, dos  Castelos, Mosteiros, do Atlântico, dos nossos ancestrais.   
E nós que éramos ilustres desconhecidos começávamos em Lisboa a ser irmãos.
Amiguirmãos.
Chorando ou sorrindo. 
Para sempre, aconteça o que acontecer.
 
 
Feliz Ano Novo meus amiguirmãos das nascentes.
Muitas alegrias, muita saúde, criatividade e luz. 
Que o ano novo seja maravilhoso para todos. 
Grande e afetuoso abraço 
em meu nome e em nome da minha família.
Roseli Arruda  

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