segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Surfando a onda - Genserico Júnor



Lanço uma nova bossa: uma crônica com vários títulos. Estava para escolher um entre os três que aí estão; na dúvida, eles foram ficando, ficando e enfim ficaram. Apraz-me cometer ligeira subversão dos costumes já que não tenho coragem para maiores transgressões.

Como corre o tempo! Nesta data o JORNALEGO completa seis anos de idade. O selo “ANO VII” já encabeça o presente texto, mostrando que o periódico decendial entra no sétimo ano de sua existência. No próximo número, também a dezena que se segue ao nome do redator, ao final de cada exemplar, pulará mais uma unidade. E como isso se reflete no viver, no pensar, no escrever! É por essa razão que as marcas do tempo vão sendo registradas por aqui. Esse expediente serve para o leitor considerar a passagem do tempo e aquilatar como ela afeta a cabeça do autor. Nos primórdios desta invenção jornalístico-literária, não expunha a minha idade escancaradamente. No entanto, compreendi que é importante para o leitor saber que quem escreve já rodou bastante, e que o que ele escreve está intimamente ligado ao seu DNA (data de nascimento antiga). Vejam, por exemplo, esta crônica, cujo tema já está ficando crônico.

Para começar introduzamos algumas máximas de celebridades intelectuais ao texto. Marx já dizia que a história só se repete sob a forma de farsa. Norberto Bobbio, sobre a senectude, chamou-a de tempo da memória. De minha lavra, mas sem a pretensão de me ombrear com os já citados: o passado só se recupera sob a forma de recordações, e essas, geralmente são ficcionais.

O que acontece nestes tempos pós-modernos, pós-industriais em que vivemos é que o hoje parece não ter relação alguma com o passado, não é a sua continuação. O futuro nunca foi a simples projeção do passado, ele contém o seu próprio germe. Mas o descolamento do que já foi com o que é e será, nos tempos que correm, é muito mais pronunciado do que fora antes.

O século passado, o estonteante início do atual – a que chamarei de tempo presente – e o que nos aguarda no futuro deixam-me pensativo e preocupado.

O novo século traz em seu bojo, novamente, depois que o fantasma de uma hecatombe nuclear parece superado, a possibilidade de extinção da humanidade, ou de grande parte dela, pela deterioração ambiental do planeta. Produto da estressante atividade econômica capitalística e da superpopulação mundial. Essa situação colabora para o embrutecimento dos costumes e das relações sociais, e daí, o perigo da decadência global.

As bases daquela atividade, as fontes primárias de energia, cuja maioria é ainda jurássica, vêm sendo disputadas a ferro e a fogo e seu consumo gera danos irreparáveis ao meio ambiente (inclusive a energia de geração hidráulica com a construção das grandes barragens). Se, por exemplo, a China vier a ter, com a sua enorme população, os mesmos índices per-capita de consumo energético registrados pelos americanos, o planeta possivelmente não suportará. Está sendo anunciada uma crise mundial de alimentos, devido às enormes populações da Índia, da China e, em menor grau, do Brasil, que estão se alimentando mais e melhor. Um fenômeno mais novo ainda é a possibilidade de a nova geração de energia, a partir dos biocombustíveis, vir a concorrer com a produção de alimentos, ocupando-lhe os seus espaços agricultáveis.

Há poucos dias assisti a três filmes que me deixaram inquieto, a provocar curtos circuitos nos meus neurônios ainda ativos, muito depois que a poeira das tramas cinematográficas se assentasse. O primeiro foi Onde Os Fracos Não Têm Vez (atentem para o título original em inglês: No Country For Old Men, que eu traduziria livremente como “não há lugar para os homens velhos”, muito mais contundente do que o título em português). Seguiu-lhe o Sangue Negro, uma história sobre as origens da exploração do petróleo (com o título original em inglês: There Will Be Blood, acredito que essa seja uma máxima bíblica, apocalíptica, que eu traduziria livremente por “choverá sangue”). Esses filmes são americanos e concorreram ao Oscar. Existe, portanto, vida inteligente no planeta Bush! O primeiro ganhou a estatueta do melhor filme e do melhor coadjuvante; o outro, o de melhor ator. Finalmente, assistido mais recentemente, Em Busca da Vida, um filme chinês (Hong Kong) com o título original inglês: Still Life (expressão idiomática que significa Natureza Morta).

São filmes que ultrapassaram a barreira prosaica do cinema, a de apenas contar uma boa história, com boas imagens e belas interpretações. Ao transpor os limites do entretenimento, esses filmes deixaram em mim um rastro de inquietação intelectual. Afinal, estamos falando da Sétima Arte. Portanto reverenciemo-la.

Pois bem, esses filmes me fizeram pensar que o novo século vem derrubando tudo o que era válido no passado e que a linguagem atual é a da força, da violência, do progresso a qualquer custo, do dinheiro, e que tudo mais vá para o inferno. Se é que o inferno já não é esse que os novos tempos trouxeram.

Onde os Fracos Não Têm Vez mostra a violência insensível utilizada para se apoderar de um punhado de dinheiro, produto de atividade criminosa. Patética é a impotência do velho xerife, demonstrada pela impossibilidade de compreender o que estava se passando ou pela tentativa frustrada de fazer justiça. Sangue Negro, por sua vez, associa a violência à atividade petroleira desde as suas origens, agora magnificada com a violência institucionalizada dos impérios contra os povos produtores. Em Busca da Vida, a implacabilidade do progresso sobre as populações carentes, criando-lhes dificuldades e situações pessoais desumanas. No caso específico, tratava da construção de barragens para geração de hidreletricidade.

Vejam o que acabo de ler na imprensa local: um pronunciamento da candidata à indicação dos democratas à Presidência dos Estados Unidos, depois de sua vitória nas prévias da Pensilvânia: “Se eu for eleita presidente, aviso que nós vamos atacar o Irã e destruí-lo.” [A acreditar no que publicou A Gazeta (ES), em 24-04-2008].

Não há mais espaço para o passado ou idéias passadistas. O velho já morreu, e o novo nasceu natimorto. O espaço do passado é a memória ficcional. São tempos duros!

Por mais que queira evitar ser saudosista, corro o risco de ser considerado como tal e sê-lo, efetivamente. Vivíamos um tempo de esperança. Agora prevalece o desespero. O fim dos grandes discursos ideológicos deixou o ser humano (principalmente o jovem) egoísta, hedonista e místico.

Esta é a crônica dos tempos que correm. Vejo o ser humano se equilibrar numa prancha de surfe, na descendente de uma onda de dimensões havaianas. O que o aguarda? Uma capotagem na descida da grande vaga provocando um fatal acidente de percurso ou uma chegada triunfante, suave, nas franjas espumantes e tranqüilas que a mesma onda faz chegar à praia?

Deu para entender? Meio confuso, meio embolado, não? Samba do branquelo doido. Livre pensar, tão-somente. Pessimista, sim. Esta, por acaso, seria a melhor maneira, a mais correta, de se comemorarem datas natalícias? Parece que bebi! Mas ainda não. No próximo dia 8 vou tomar um porre com o oportuníssimo, sintomático e também velho uísque VAT 69. Estou indo. Fui.

Genserico Encarnação Júnior, 68.

Itapoã, Vila Velha (ES).

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sábado, 8 de setembro de 2012

De alma leve (O que o vento não levou)


O mantra da maioria é: eu quero é mais. O meu é: eu quero é menos. Claro que o sentido desse “mais/menos” repousa no “ter”. Quando se trata dos domínios do “ser”, aí, sim, quero mais. No mais, quero menos. Em matéria de “ter”, vale lembrar a sábia observação do Millôr Fernandes: “O importante é ter sem que o ter te tenha”. Em matéria de querer menos, caminho na direção desses versos do poeta José Paulo Paes: “Para quem pediu sempre tão pouco / o nada positivamente é um exagero”. E se eu chegar a esse nível de desapego, poderei, enfim, subscrever estas palavras do José Saramago: “Talvez por nunca ter querido nada, tenho tudo”. A prática do desapego é um caminho seguro para a felicidade, felicidade que, segundo uma máxima latina, “é desejar o que se pode, e poder o que se deseja”. Tudo o que desejo é poder viver de alma leve, sempre aferindo se na bagagem não há pesos inúteis que podem ser eliminados. O budismo fala em caminho do meio como medida de equilíbrio. Eu proponho o caminho do menos. Acredito que na vida, tal como na matemática, menos com menos dá mais. Exemplos: menos gula com menos caloria dá mais saúde; menos ambição com menos competição dá mais leveza; menos apego com menos desejo dá mais contentamento; menos trabalho com menos pressa dá mais ócio etc. Ter mais com menos é tudo que quero. E esse tudo virá de eu nada querer, o que me lembra esta frase: “Eu não tenho nada e nada me falta”. Melhor que isso, só estes versos do Fernando Pessoa/Ricardo Reis: “Quer pouco: terás tudo. Quer nada: serás livre”. Hoje não quero nada além de um excelente fim de semana para mim e para todos! Isso é querer muito?