sábado, 27 de outubro de 2012

O vendedor de palavras - Fábio Reynol

Ouviu dizer que o Brasil sofria de uma grave falta de palavras. Em um programa de TV, viu uma escritora lamentando que não se liam livros nesta terra, por isso as palavras estavam em falta na praça. O mal tinha até nome de batismo, como qualquer doença grande, "indigência lexical". Comerciante de tino que era, não perdeu tempo em ter uma idéia fantástica. Pegou dicionário, mesa e cartolina e saiu ao mercado cavar espaço entre os camelôs. Entre uma banca de relógios e outra de lingerie instalou a sua: uma mesa, o dicionário e a cartolina na qual se lia: "Histriônico — apenas R$ 0,50!". Demorou quase quatro horas para que o primeiro de mais de cinqüenta curiosos parasse e perguntasse. — O que o senhor está vendendo? — Palavras, meu senhor. A promoção do dia é histriônico a cinqüenta centavos como diz a placa. — O senhor não pode vender palavras. Elas não são suas. Palavras são de todos. — O senhor sabe o significado de histriônico? — Não. — Então o senhor não a tem, não vendo algo que as pessoas já têm ou coisas de que elas não precisem. — Mas eu posso pegar essa palavra de graça no dicionário. — O senhor tem dicionário em casa? — Não. Mas eu poderia muito bem ir à biblioteca pública e consultar um. — O senhor estava indo à biblioteca? — Não. Na verdade, eu estou a caminho do supermercado. — Então veio ao lugar certo. O senhor está para comprar o feijão e a alface, pode muito bem levar para casa uma palavra por apenas cinqüenta centavos de real! — Eu não vou usar essa palavra. Vou pagar para depois esquecê-la? — Se o senhor não comer a alface ela acaba apodrecendo na geladeira e terá de jogá-la fora e o feijão caruncha. — O que pretende com isso? Vai ficar rico vendendo palavras? — O senhor conhece Nélida Piñon? — Não. — É uma escritora. Esta manhã, ela disse na televisão que o País sofre com a falta de palavras, pois os livros são muito pouco lidos por aqui. — E por que o senhor não vende livros? — Justamente por isso. As pessoas não compram as palavras no atacado, portanto eu as vendo no varejo. — E o que as pessoas vão fazer com as palavras? Palavras são palavras, não enchem barriga. — A escritora também disse que cada palavra corresponde a um pensamento. Se temos poucas palavras, pensamos pouco. Se eu vender uma palavra por dia, trabalhando duzentos dias por ano, serão duzentos novos pensamentos cem por cento brasileiros. Isso sem contar os que furtam o meu produto. São como trombadinhas que saem correndo com os relógios do meu colega aqui do lado. Olhe aquela senhora com o carrinho de feira dobrando a esquina. Com aquela carinha de dona-de-casa ela nunca me enganou. Passou por aqui sorrateira. Olhou minha placa e deu um sorrisinho maroto se mordendo de curiosidade. Mas nem parou para perguntar. Eu tenho certeza de que ela tem um dicionário em casa. Assim que chegar lá, vai abri-lo e me roubar a carga. Suponho que para cada pessoa que se dispõe a comprar uma palavra, pelo menos cinco a roubarão. Então eu provocarei mil pensamentos novos em um ano de trabalho. — O senhor não acha muita pretensão? Pegar um... — Jactância. — Pegar um livro velho... — Alfarrábio. — Está me enrolando, não é? — Tergiversando. — Quanta lenga-lenga... — Ambages. — Ambages? — Pode ser também evasivas. — Eu sou mesmo um banana para dar trela para gente como você! — Pusilânime. — O senhor é engraçadinho, não? — Finalmente chegamos: histriônico! — Adeus. — Ei! Vai embora sem pagar? — Tome seus cinqüenta centavos. — São três reais e cinqüenta. — Como é? — Pelas minhas contas, são oito palavras novas que eu acabei de entregar para o senhor. Só histriônico estava na promoção, mas como o senhor se mostrou interessado, faço todas pelo mesmo preço. — Mas oito palavras seriam quatro reais, certo? — É que quem leva ambages ganha uma evasiva, entende? — Tem troco para cinco?

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Era una vez (em portunhol, quiça espanhol, por termos ouvido tanto as guias falarem em espanhol) - Angela Delgado


     Era una vez un templo de Zeus destruido por los romanos, cuando um terremoto lo acabó de ponerlo abajo. En el siglo vinte y dos después de Cristo, un arquitecto ve-ne-zi-ano, contratado para erguir un estadio paralimpico, descubrió en sus escavaciones, sob los escombros de una columna dórica, unas gafas (óculos) de procedencia, a lo mejor, de un taller (ateliê) brasileño. Fue la prueba que hacia falta para la confirmación de la estada, en el siglo anterior, en solo griego, de un grupo de jovenes brasileños, formado por un excepcional artista, que como Leonardo da Vinci, tenia muchas habilidades: además de hacer fotos, el era también ingeniero, productor de cerámica, escritor e lo esposo de la diosa Arligrant, mui estimada y alegre. Junto con ellos, iba la Chica de Copacabana, también mui querida, elegante y animada. Sin embargo, no le gustava la cerámica. Lo que fue ampliamente demostrado en su embestida contra los caballitos, cascos (capacetes), estatuíllas e vasitos, todos puestos abajo por la peligrosa Chica de Copacabana de ojos verdes. Last, but not least, la pareja de oftalmológos que prescribió la receta de las gafas desaparecidas. El escalava lo Kilimanjaro todos los años, e, por supuesto, en Grecia, queria subir la Acropolis todos los dias, para concretar su proyecto de edificar su infierninho cerca del cielo, donde su simpática e entusiasmada mujer Ester, pensava en bailar y se esbaldar. Mientras tanto, ésta sacó el móvil y leió la mensaje de la diosa Regina, narrando haber visto las gafas en el Museo Británico, junto a las estatuas griegas que los británicos llevaron de Grecia...

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Eu, Tu e Ela (Réplica a uma crônica em que fui mencionada como Ela) - Angela Delgado

Com cuidado para não acordar a companheira de quarto, acende a lanterna por debaixo do lençol e, em uma atividade fantasmagórica, escreve não sobre Ti, mas sobre Itu e seu ledo engano. É em Atenas que tudo é monumental: copos, guardanapos e vistas. Foi onde também teve a maior ilusão de ótica de sua vida: Tendo ouvido de um dos seguranças de que, sem que ele sentisse absolutamente nada e apesar de nossa iminente partida, não poderíamos dar uma olhada no interior do teatro, afastou-se, então. Depois de alguns instantes, virou-se e vendo o segurança acenar, achou que ele havia mudado de ideia e reconsiderado o pedido negado pouco antes. Ato contínuo, mergulhou por debaixo do cordão isolante, fazendo sinal ao grupo, querendo significar que o caminho estava liberado. Foi o que bastou para que um terceiro segurança acorresse, com receio, talvez, de um bando com bombas e a intimasse a sair dali. Havia sido um ledo engano, mas, em seu desenlace, ninguém saiu ferido. Em tempos de superlativos, porém, foi a noite mais curta de sua vida, pois tendo que acordar às seis horas, pagou por todos os seus pecados, escrevendo até às três horas da madrugada, enquanto os demais se entregavam aos braços de Morfeu. Felizmente o episódio dramático-policial ocorreu com Ela e não com sua companheira Euclídia, sua mochila e seu casacão nos braços, com os quais, numa curva em seu percurso, varreu uma das estantes de uma loja de bibelôs, fazendo com que seu proprietário bradasse por "voitiha" (socorro), gritando haver uma vândala por aquelas paragens! Moral da história: todo cuidado é pouco com viajantes maiores de vinte anos, mais vinte, mais vinte, sob o risco de serem presos por um ledo engano. E agora Ela espera que Tu voltes a chamá-la, carinhosamente, de Angelita.

sábado, 13 de outubro de 2012

... Tenham uma boa viagem! - Angela Delgado

Primeiramente, temi não acordar às quatro da manhã. De fato, o alarme do meu delicado celular soou tão baixinho que se não estivesse de pé, desde às três e quarenta e cinco, talvez ele não tivesse me despertado. Depois, o avião estava tão vazio, que, para equilibrar seu peso, os passageiros das primeiras poltronas, onde eu me encontrava, tiveram que se espalhar ao longo da aeronave e, aí, foi só eu fechar o livro para derramar lágrimas copiosas (por sorte, não havia ninguém em um raio de sete fileiras), lembrando do meu pai que aniversariava exatamente em um dia vinte e três de setembro, dia de minha viagem. Agradeci-lhe mentalmente por mais esse presente, ou seja, a viagem proporcionada pelo que ele me deixara. Para não ir chorando de Brasília ao Rio, achei melhor escrever. O périplo pela Grécia e Itália prometia, já que meus companheiros eram hilários e bem-humorados, além de possuírem outras qualidades. Uma das primeiras risadas acontecera ao saber que uma determinada cidadã costuma levar em sua bagagem roupas velhas, inclusive a camuflada sob um casacão, e vai largando-as pelos hotéis. A princípio me empolguei. Desfazer-me de calças e blusas já com seus quilômetros rodados seria uma boa ideia.Sobraria espaço nas malas. Mas, talvez eu prescindisse disso. Afinal, o que um amigo me dissera era que eu teria excesso de bagagem existencial. De qualquer modo, não teria desapego para abandonar junto às ruínas gregas e romanas uma camisola com sua história. Mas, lá deixaria meus óculos de grau, em seguida, o recém adquirido que o substituíra; o Fon (travesseirinho de viagem, que também quis ficar pelo caminho; o leque grego que se recusou a deixar seu país e, por fim, quase que eu mesma ia ficando por lá, ao pegar a última lancha que me levaria de volta, de Mykonos ao navio, quando ela estava prestes a zarpar. Aproximando-me pela primeira vez de uma terra onde já não tinha mais nem pai nem mãe (minha primeira escala nesse périplo) voltaram as lágrimas. Melhor seria negligenciar a paisagem.