domingo, 23 de março de 2014

Um pouquinho de Humberto Maturana


     Se cuenta la historia de una isla en Alguna Parte, donde los habitantes anhelaban intensamente ir a otro lugar y fundar un mundo más sano y digno. El problema, sin embargo, era que el arte y la ciencia de nadar y navegar nunca habían sido desarrollados (o quizás habían sido perdidos hacia mucho). Por esto había habitantes que simplemente se negaban siquiera a pensar en las alternativas a la vida de la isla, mientras otros hacían algunos intentos de buscar soluciones a sus problemas, sin preocuparse de recuperar para la isla el conocimiento de cruzar las aguas. De vez en cuando, algunos isleños reinventaban el arte de nadar y navegar. También de vez en cuando, llegaba a ellos algún estudiante, y se producía un diálogo como el que sigue:
-          Quiero aprender a nadar.
-          ¿Que arreglos quieres hacer para conseguirlo?
-          Ninguno. Sólo deseo llevar conmigo mi tonelada de repollo.
-          ¿Qué repollo?
-          La comida que necesitaré al otro lado o donde quiera que esté.
-          Pero si hay otras comidas al otro lado.
-          No sé qué quieres decir. No estoy seguro. Tengo que llevar mi repollo.
-          Pero así no podrás nadar, para empezar, con una tonelada de repollo.
-          Entonces no puedo aprender. Tú lo llamas una carga. Yo lo llamo mi nutrición esencial.
-          ¿Supongamos, como una alegoría, que no decimos repollos sino ideas adquiridas, o presuposiciones o certidumbres?
-          Mmmm… Voy a llevar mis repollos donde alguien que entienda mis necesidades.


quinta-feira, 13 de março de 2014

Velhinho em folha - João Ubaldo Ribeiro


     Vai ter reclamação. Sempre tem reclamação, quando me declaro velho. Vem de leitores com mais idade do que eu que me consideram um infante mal saído dos cueiros e veem no que digo a insinuação de que já estão mais ou menos com um pé na cova. Nunca pretendi fazer tal sugestão, mas compreendo que reajam dessa forma e até parei de me chamar de velho. Agora, contudo, é oficial, está na lei. Não a li, mas é do conhecimento público que quem tem mais de sessenta atualmente se enquadra na categoria de idoso, ou seja, velho mesmo. Isto quer dizer que sou idoso há três anos e, portanto, se não posso ter-me na conta de veterano, não há como classificar-me de calouro. Manda a honestidade, porém, que eu confesse ter sido um idoso negligente e alienado. Até a semana passada, nunca havia feito o menor esforço para assumir de verdade minha condição. Mas agora, subitamente, fui despertado para sua plenitude e devo dizer que estou encantado com os horizontes abertos. Achando-me calejado e até meio cético, pensava que não toparia com mais descobertas e desafios. Que engano, que visão estreita da existência! Como tinham razão os que diziam que a vida começa aos sessenta! Vocês, meninas e meninos de cinquenta, ainda não viram nada, em sua ingenuidade juvenil. Percebo claramente que ser idoso é um grande barato e mal posso esperar pelos dias vindouros, quando pretendo explorar todas as vias abertas, cujas potencialidades ainda apenas vislumbro, mas tenho certeza de que serão uma fonte inesgotável de experiências enriquecedoras.                                                                            Sei disso porque já estreei minha (desculpem) idosidade e é igual a um brinquedo novo, não quero largar. Da mesma forma que outros achados felizes, minha iniciação se deu por acaso. Foi numa prosaica fila de banco. Estava eu na fila comum, quando observei, bem ao lado, que havia uma para gestantes, deficientes e idosos. No raciocínio veloz que  me caracteriza, ponderei as informações durante alguns minutos. Não sou deficiente (a não ser mental, mas até hoje relativamente pouca gente reparou), não me encontro grávido, mas – aleluia! – sou idoso. Como perder aquela chance inédita? Senti falta de um fotógrafo para registrar o momento, mas a felicidade não pode se completa e, sem a menor hesitação, passei emocionado e, não nego, um pouco nervoso, para a primeira fila de idosos.                                                                                      Ah, nem lhes conto, foi um impacto atrás do outro. A fila, naturalmente, andava bem mais devagar do que a normal, mas aqueles moços imaturos que compunham a do lado não faziam ideia do que estavam perdendo, a começar pela extraordinária companhia em que me vi, logo rodeado de amigos feitos na hora, todos ansiosos por trocar experiências e estabelecer um sadio convívio geriátrico. Creio até mesmo, Deus me perdoe, pois não quero ser gabola nem indiscreto, que, se tivesse demorado na fila mais do que os quarenta minutos que passei nela, a conversa com a companheira de bengala e aparelho de surdez teria dado futuro. Cheguei a cogitar em pedir o número do telefone dela e só não o fiz porque ela observou que seu programa favorito era bingo e eu não sou bom de bingo. Mas foi muito estimulante para o ego notar que ainda desperto vivo interesse feminino e, se me dedicar um pouco ao bingo ou aos bailes da terceira idade, sou capaz de fazer grande estrago no mulherio, que é que vocês estão pensando?   
         Saí dali para um cenário luminoso e repleto de perspectivas inebriantes. Sim, agora eu via como a vida nos destina surpresas preciosas, descerrava-se um mundo ignoto e inexplorado, cabia esmiuçar cada possibilidade, era preciso desfrutar do esplêndido leque que se desdobrava, uma avalanche tão farta que estonteava. Por onde começar? Difícil, bem difícil, mas ao mesmo tempo fácil, é só não se afobar e ir pegando o que aparece, sem dar importância a prioridades complicadas de estabelecer, deixando a vida me levar.
          E ela leva. Mal pus os pés na rua, quis o feliz acaso que eu comprasse um jornal e visse, logo de primeira, que o Estatuto do Idoso prevê adoção para nós. O coração bateu mais acelerado. Adoção? Quer dizer que poderei inscrever-me num dos programas que certamente serão criados e esperar pelos meus pais adotivos? Não se deve querer impor condições excessivas ao processo de adoção, mas de uma coisa estou seguro. Vou querer um pai tipo paizão mesmo e, se prometo bom comportamento (inclusive tomar banho assiduamente, pois li também que nós, idosos, costumamos criar dificuldades para tomar banho, coisa que ainda não faço, mas vou treinar para fazer, enquanto não for adotado), exijo mesada digna e Papai Noel, espero ser levado regularmente ao Maracanã e, quando completar setentinha, comemorar no Disney World. Além, é claro, de passar as manhãs no Baixo Vovô, fruto natural da existência, inegavelmente discriminatória, do Baixo Bebê, aqui no Leblon.
          Fiquei tão exultante que decidi ostentar meus status e mesmo inaugurar uma linha de camisetas para nossa identificação, com dizeres apropriados. Aceito sugestões, porque até agora só bolei “Idoso – Use sem agitar”, o que pode ser até um bom começo, mas haverá melhores. O céu é o limite e, garanto a vocês, minha próxima iniciativa, acreditem se quiserem, será usar meu sagrado direito de andar de graça nos ônibus. Estou apenas aguardando que se apresentem voluntários para minha equipe de apoio, pois dizem que exercer esse direito é um esporte radical, que requer adestramento especial e uso de capacete, joelheiras, cotoveleiras e tanque de oxigênio portátil. Mas um dia destes eu tomo uma papinha de aveia reforçada, meto no juízo uma dose dupla de Maracugina, fico doidão e encaro. O idoso brasileiro é o melhor do mundo.



domingo, 2 de março de 2014

QUEDA DO MINISTRO EM TRÊS TEMPOS -- Anna Maria Assis Ribeiro

Episódio 1

Orgulhosa, ela escutou o convite: o Ministro queria conhecê-la. Sua solução para a automação no tratamento das informações daquele importante projeto era uma inovação, na época. Merecia elogios. Aprontou-se, o mais executiva que conseguiu com seu guarda-roupa nada ortodoxo e mandou-se para o ministério. Ali sentada, frente ao Ministro emoldurado pela Bandeira e pelo retrato do Presidente, deitou falação. Às folhas tantas o Ministro embatucou diante de uma fórmula matemática. Ela levantou-se, rodeou a mesa e colocou-se em pé, a seu lado, curvando-se para melhor explicar. Foi neste exato momento que sentiu alguma coisa roçar no peito do pé, acondicionado numa meia Dior, como pedia a ocasião (naquele tempo os Ministros eram importantíssimos! Acreditem os mais jovens). Deus! Faça com que não tenha corrido um fio! Esta meia é caríssima! Um discreto olhar revelou o horror! Uma barata instalara-se ali! O mundo desabou. Tudo escureceu! Privação de sentidos total! Ao voltar a si, percebeu-se de quatro, em cima da mesa do Ministro, aos gritos: Mata! Mata! A Bandeira e o Presidente da República ainda ladeavam o Ministro que em pé, com uma frieza glacial, ordenou: a senhora desça! Procurando manter elegância, impossível pelo quadrúpede recuo, escorregou mesa abaixo, obedecendo à ordem severa: a senhora está dispensada.
Episódio 2
Alguns meses depois. No dia 29 de dezembro duas datilógrafas batiam furiosamente uma Instrução Especial que teria efeitos tributários e que deveria para tanto, depois de assinada pelo Ministro, ser publicada no DO, antes do dia 31. Naquele tempo não existia xerox e o raio da Instrução era em 8 vias. As máquinas não eram corretivas e as cópias eram feitas com carbono, naquelas folhas fininhas, fininhas. Um trabalho cão. Terminaram já tarde. Alguém graduado tinha que ir colher a assinatura do Ministro. Infelizmente o único alguém disponível era ela. Fazer o quê? Disfarçou-se o mais que pode. Mas não surtiu efeito. Ao entrar viu o horror do reconhecimento nos olhos do Ministro. Um exame discreto para o chão garantiu a não existência de baratas por perto e ela postou-se ao lado do Ministro virando as páginas para que ele rubricasse cada uma daquelas malditas folhas de papel fino. A cada folha um sentimento de alívio. Nada iria acontecer. Foi aí que surgiu, sabe-se lá de onde, um copeiro com uma bandeja com xícaras de café. Cheias e pelando. Ao levantar o braço, alçando mais uma folha, foi-se a bandeja pelos ares. As xícaras derramaram-se sobre o Ministro e sobre a Instrução Especial, inundando-os de café. Em sua aflição ela tentou secá-lo com as próprias folhas da Instrução enquanto ele se debatia aos tapas, tentando dela se livrar. Escorraçada, ela retornou e confessou-se ao Presidente e ao Diretor que entre risos e censuras fizeram com que duas datilógrafas passassem a noite em claro (nunca mais falaram com ela, as duas).
Episódio 3
Alguns meses mais se passaram e ela foi chamada ao Gabinete do Presidente. O Diretor também estava presente. Solenes eles informaram que a Missão Francesa viria visitar a instituição, a convite do Ministro. Ela, em hipótese alguma, deveria estar presente. Que fosse a praia, ao cinema, onde bem lhe desse na telha, mas sob pretexto algum deveria aparecer nas imediações do prédio, no dia da visita. Enfim alguma coisa de bom havia resultado dos incidentes. O acúmulo de trabalho lhe tirava até os fins de semana. Uma trégua seria mais que bem vinda. No dia da visita arrebanhou os filhos: vamos à praia! Se eu vou faltar ao trabalho, vocês vão faltar colégio! Uma heresia nunca vista! Naquele tempo ela não tinha telefone. Era difícil conseguir. Era o número 1.144 da fila para obtê-lo! A campainha da porta revelou um colega e o prenúncio de tragédia: o interprete havia quebrado a perna num acidente de carro. Que conhecesse o projeto e falasse francês só mesmo ela. Tremeu! Uma hora depois se viu numa sala, sentada como um suspeito em interrogatório, acuada pelo Diretor e pelo Presidente que de pé, ferozes, gritavam: fique o mais afastada possível! Imóvel. Aja como um robô!  O olhar do Ministro, ao vê-la, revelou pânico. Ela engoliu em seco e com uma voz trêmula começou a traduzir e verter as diversas manifestações. Aos poucos foi se acalmando. É claro que nada iria acontecer. Até o momento em que um idiota qualquer sugeriu que o Ministro mostrasse ao General Francês, o CPD. Naquele tempo computadores eram raridades dignas de serem exibidas. A escada que conduzia ao CPD não tinha o espelho dos degraus. O Ministro, ao lado do General, começou a descida. Ela veio atrás, traduzindo, furiosamente. E... eis que o salto de seu sapato pisa fora do degrau e ela tomba para frente. Falta de outro apoio agarra-se às costas... do Ministro. Alguém que estava atrás impede sua queda. Mas ninguém, ninguém mesmo, impede a do Ministro que rola os felizmente poucos degraus que faltavam. Confusão total. Todos se precipitaram para ajudar o Ministro a recompor-se da queda. Ele levanta-se rubro de raiva gritando: esta mulher é uma catástrofe! Demita-se!
Epílogo
O Diretor e o Presidente não cumpriram a ordem e ela ficou escondida, impedida de participar de qualquer evento em que o Ministro pudesse estar presente. Já se passaram anos, muitos anos. O trauma causado não a abandonou, nem com seis anos de terapia. O Ministro, agora bem velhinho, às vezes vem ao Rio. Quando ela vê seu nome nos jornais recusa-se a sair de casa. Não importa o que tenha que fazer. Tranca-se no quarto enquanto ele permanece na cidade. Tem certeza que se pisar fora de casa, vai topar com ele e sabe-se lá o que poderá ocorrer! Pensa, às vezes, em se converter a alguma religião que, afirmando a existência de reencarnação, explique o que este Ministro lhe teria feito de terrível em outras vidas. Isto explicaria tudo e ela poderia se livrar, sem culpa, deste Carma.