domingo, 22 de fevereiro de 2015

Um trechinho de "Dicionário do brasileiro de bolso" - Teixeira Coelho


Alguns verbetes deste excelente dicionário:

LEVANTAR UM DADO

Os dados provavelmente estão sempre no chão ou, em todo caso, em algum nível inferior ao daquele que por eles procura, caso contrário seria impossível levantá-los. Os dados não são mais simplesmente obtidos ou conseguidos. Agora tudo é mais difícil. O conhecimento é um poço profundo e o pesquisador um halterofilista.

LEVANTAR UMA DÚVIDA

A ninguém ocorre "abaixar uma certeza". Dúvidas devem ser levantadas sem que se saiba se será possível, em seguida, abatê-las. O despencar de uma dúvida não equivale ao soerguimento de uma certeza. É raro aquele que tem uma dúvida. Parece menos auto-incriminador levantá-la.
De onde e para onde essa dúvida é levantada?


ONDE

(De dirigente "classista" na TV)
"Falei com o ministro ontem, onde ninguém me disse que essa medida seria tomada."

Não é mero erro ocasional; é clara a tendência de recurso ao "onde" para substituir outros advérbios - o "quando" em particular. É um processo de destemporização dos acontecimentos e dos sujeitos e sua consequente espacialização ou territorialização. Curiosamente, teóricos da pós-modernidade já apontaram para a decadência de categoria moderna do tempo e a ascensão da categoria pós-moderna do espaço. Até o início da modernidade o tempo era apenas um dado, componente inevitável do cenário da existência. Quando, na era moderna, o tempo passa a ser, além de medido, também fracionado, equacionado, construído, dilatado, comprimido e finalmente equiparado ao ou traduzido em dinheiro (tempo é dinheiro), tornou-se referente central da vida. Agora, na idade pós-moderna, é como se o tempo estivesse, na hipótese mais nobre, sendo abolido ou diminuído, encurralado, desbastado, pulverizado (pelo desenvolvimento de técnicas de locomoção, como no avião; pelo aprimoramento daquelas outras que permitem a superação imaginária das distâncias, como na TV) ou, na alternativa menos nobre, confundido, mascarado, apagado, eliminado da memória e da consciência das pessoas (o desejo de uma juventude o mais duradoura possível, a vontade de recuar ou ignorar a velhice parecem indícios desse fenômeno). Tenta-se agarrar o espaço por não ser mais possível viver o tempo, tenta-se apreender o espaço para através dele fruir imaginariamente um tempo ilusório...


PERFIL

"Vamos encontrar a pessoa com o perfil adequado para o cargo." (De um governador na TV.)

Muito atual. Antes, procurava-se a pessoa com a experiência adequada, com o currículo apropriado, com a competência exigida.
Hoje, basta reparar em sua silhueta.

PLATAFORMA

Os candidatos a cargos públicos comstumavam subir em plataformas para dali anunciar seus programas de governo. Por um claro processo metonímico, a palavra passou a significar, ela sozinha, programa de governo.

POSTURA

O que era uma característica típica dos galináceos, hoje tomou de assalto as páginas dos jornais, dos livros e as falas de todo mundo. Tudo é postura, não há mais decisões, atitudes, manifestações, inclinações. Seu uso é considerado sinal de erudição.

E por aí vai... Recomendo a leitura.