domingo, 1 de maio de 2016

Rosalinda - Mia Couto

(Conto abreviado)

     ... Rosalinda comprava flores quando viu chegar uma moça bela que se abeirou da campa de Jacinto e ali se prostrou, em mostrada tristeza. Rosalinda estranhou. Aquela era uma jovem muito concreta, suprametida.
     - Essa dever ser Dorinha, a outra última dele.
     A viúva chegou-se mais perto mas sem se fazer ver.. Parou em campa vizinha, ficou espreitando. A outra exibia um punhado de lágrimas. Rosalinda se decidiu. Dirigiu-se ao Serviço Funerário e solicitou que mudassem o lugar do caixão, trocassem o "Aqui jaz".
      - A senhora pretende transladar os restos mortais?
     E, logo o funcionário lhe mostrou os longos papeis que a superavam. A viúva insistiu. Era só uma mudançazita, uns metritos. O empregado explicou, havia as competências, os deferimentos. A viúva desistiu. Mas apenas se fingiu vencida. Voltou à noitinha, trazendo Salomão, o sobrinho. Às vistas da intenção, o miúdo se assustou.
     - Mas, tia, é para fazer o quê? Desenterrar o tio Jacinto?
     Não, sossegou ela. Era só para trocarmos as inscrições dos vizinhos túmulos.
Salomão tremia e a viúva tomou a dianteira;
      - Eu sempre disse: Lume pedido nunca acende.
     Jacinto, translapidado, devia se admirar daquelas andanças. Agora, só eu sei qual é a sua verdadeira tabuleta, malandro. Rosalinda sacudiu as mortais poeiras, se administrou o devido perdão. A paraviúva que dedicasse seus ranhos ao vizinho, o de morte anexa.
     Aconteceu como ela previra. No dia seguinte, a intrusa compareceu e entregou seu sentimento à campa errada. Rosalinda nutria-se de risos, enquanto espiava o equívoco.
     - Em vida me enganaram. Agora é o meu troco...