E-book com futuras contribuições alheias e sempre com uma música de fundo.
quarta-feira, 21 de setembro de 2016
terça-feira, 20 de setembro de 2016
CALA-TE, BOCA ! - por Luiz E. Ottoni de Menezes
23/01/2010
Fui visitar minha mãe bem cedo e, aproveitando a ocasião, fazer uma ou outra daquelas pequenas coisas que ficam sempre esperando a visita de algum filho, como consertar uma tomada ou trocar uma lâmpada.
Desta vez estava no alto de uma escada, na área de serviço, fazendo um furo no teto, quando percebi uma senhora no andar de cima me acenando. Desliguei a máquina barulhenta e ouvi:
– Moço, depois que o senhor acabar aí, pode dar um pulinho aqui, no 401?
Perplexo, minha única reação foi acenar de volta, sem saber o que dizer. Fiquei mergulhado num turbilhão de pensamentos. “E agora? Acho que ela entendeu meu gesto como um sinal de concordância e deve estar esperando que eu vá lá em cima daqui a pouco. Há quanto tempo eu era observado? Em que encrenca fui me meter?” Cogitei até em ligar pelo interfone e pedir desculpas por não poder ir. Liguei novamente a máquina e tentei esquecer do assunto. Meia hora depois, beijei minha mãe e fui embora.
No hall, entretanto, parei por um segundo.
Perplexo, minha única reação foi acenar de volta, sem saber o que dizer. Fiquei mergulhado num turbilhão de pensamentos. “E agora? Acho que ela entendeu meu gesto como um sinal de concordância e deve estar esperando que eu vá lá em cima daqui a pouco. Há quanto tempo eu era observado? Em que encrenca fui me meter?” Cogitei até em ligar pelo interfone e pedir desculpas por não poder ir. Liguei novamente a máquina e tentei esquecer do assunto. Meia hora depois, beijei minha mãe e fui embora.
No hall, entretanto, parei por um segundo.
Subi. A curiosidade havia me vencido.
Toquei a campainha. Abriu-se a janelinha da porta.
Toquei a campainha. Abriu-se a janelinha da porta.
– Bom dia. A senhora me chamou?
– Ah, sim, o senhor poderia ir lá pela outra porta, por favor?
E lá vou eu para a porta dos fundos. Isso está ficando interessante…
Era também um problema no secador de roupa.
Era também um problema no secador de roupa.
– O meu marido, que é médico, colocou a rodinha lá em cima, mas acho que alguma coisa está errada, não está funcionando bem.
– Vamos dar uma olhada. A senhora teria uma escada?
E fui me desincumbindo da tarefa, sob os olhares atentos do distinto casal e de uma empregada que assistia a tudo de longe, em silêncio, passando roupa. Expliquei os motivos pelos quais eu estava corrigindo o que o marido havia feito. Tive a certeza de que meu trabalho estava agradando quando, já no final, a senhora perguntou, toda gentil:
E fui me desincumbindo da tarefa, sob os olhares atentos do distinto casal e de uma empregada que assistia a tudo de longe, em silêncio, passando roupa. Expliquei os motivos pelos quais eu estava corrigindo o que o marido havia feito. Tive a certeza de que meu trabalho estava agradando quando, já no final, a senhora perguntou, toda gentil:
– Que outros serviços o senhor faz?
– Bem, na realidade (segue-se uma longa pausa), faço projetos de loteamentos, cálculo estrutural, também escrevo, quando tenho tempo, já fiz cerâmica…
Sou interrompido com uma expressão de perplexidade total:
– Oh, meu Deus! Me desculpe! Eu vi o senhor lá embaixo …
– Ora, não se preocupe …
Ela não sabia o que dizer. O médico, paralisado, anestesiado. A empregada, lá atrás, rindo…
Ela não sabia o que dizer. O médico, paralisado, anestesiado. A empregada, lá atrás, rindo…
– Eu vi o senhor lá, em cima da escada e pensei que …
– Sim, eu estava consertando o secador de roupas …
– Que mancada! O senhor é ligado à família?
– Sim, meus pais moram no 301.
Seu rosto fica pálido.
– O senhor é filho da D. Maria? Oh, meu Deus! Me desculpe! Que mancada!
– Não se preocupe, eu gosto de consertar essas coisas.
– Oh, meu Deus !
E o Santo Nome continuou sendo invocado muitas vezes. Recusei água, cafezinho e suco:
E o Santo Nome continuou sendo invocado muitas vezes. Recusei água, cafezinho e suco:
– Não, obrigado, acabei de tomar um copo d’água ao sair de lá. Só preciso lavar as mãos.
Fui levado para a área social da casa.
– Aqui, por favor. Use este sabonete, que é melhor. Veja a reforma que fizemos na casa, tiramos esta parede, fechamos aquela, incorporamos a varanda ao quarto, que tal, não acha que ficou boa? Agora pretendemos fazer isto e aquilo, o senhor me desculpe!
O médico, recuperado, já se divertia com o episódio. Mas a senhora, com certeza, não iria dormir naquela noite, de tão preocupada.
O médico, recuperado, já se divertia com o episódio. Mas a senhora, com certeza, não iria dormir naquela noite, de tão preocupada.
E continuava tentando se desculpar:
– É tão perigoso, hoje em dia, chamar uma pessoa em casa para fazer algum serviço, eu vi o senhor lá, imaginei que seria uma pessoa…
– de confiança.
– Sim, é claro! Oh, meu Deus! Que vexame! Me desculpe! O senhor não quer sentar-se, não quer conversar um pouquinho?
– Não, muito obrigado, me desculpe a pressa, mas estou com um projeto meio atrasado, tenho que entregá-lo depois de amanhã, preciso ir correndo …
– Oh, meu Deus, que mancada!
Saí pela porta da frente e desci as escadas lamentando: “Mancada minha! Por que não fiquei de boca fechada? Poderia ter ganho umas vinte pratas!”
Saí pela porta da frente e desci as escadas lamentando: “Mancada minha! Por que não fiquei de boca fechada? Poderia ter ganho umas vinte pratas!”
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Luiz E.Ottoni de Menezes
segunda-feira, 19 de setembro de 2016
Precisão - Hélcio Maia
Precisa-se
de marceneiros,
que produzam almas móveis.
Precisa-se
de engenheiros,
que construam esperanças.
Precisa-se
de advogados,
que defendam a utopia.
Precisa-se
de obstetras,
que façam o parto da luz.
Precisa-se
de odontólogos,
que extraiam a maldade.
Precisa-se
de mágicos,
que distraiam o pessimismo.
Precisa-se
de chefs,
que tenham a receita do perdão.
Precisa-se
de faxineiros,
que limpem as mentes poluídas.
Precisa-se
de adultos,
que saibam brincar.
Precisa-se
de tempo,
para poder perdê-lo, sem culpa.
Precisa-se
de silêncio,
para ouvir a voz do coração.
Precisa-se
de muito pouco,
para entender que tudo o mais é supérfluo.
de marceneiros,
que produzam almas móveis.
Precisa-se
de engenheiros,
que construam esperanças.
Precisa-se
de advogados,
que defendam a utopia.
Precisa-se
de obstetras,
que façam o parto da luz.
Precisa-se
de odontólogos,
que extraiam a maldade.
Precisa-se
de mágicos,
que distraiam o pessimismo.
Precisa-se
de chefs,
que tenham a receita do perdão.
Precisa-se
de faxineiros,
que limpem as mentes poluídas.
Precisa-se
de adultos,
que saibam brincar.
Precisa-se
de tempo,
para poder perdê-lo, sem culpa.
Precisa-se
de silêncio,
para ouvir a voz do coração.
Precisa-se
de muito pouco,
para entender que tudo o mais é supérfluo.
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Helcio Maia
domingo, 18 de setembro de 2016
Mudando de tecla - Hélcio Maia
A vida é uma sina.
Ela ensina, se você deixar.
Reclamar, reclamar... libere a tecla recl.
Há mar para todo peixe, por mais que você se queixe.
Trocar de penteado ou o guarda-roupa... mudança pouca.
Trancar-se numa espécie de convento?
Experimente entregar-se ao vento.
Repetir para que?
Remoer, ressentir?.
Há tantas vilas que você nunca viu.
Tantos vales.
Um deles valerá a pena.
Resvale no inusitado.
E depois me conte o resultado.
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Hélcio Maia
sábado, 17 de setembro de 2016
Campeão olímpico - Luiz E. Ottoni de Menezes
Depois do intenso futebol de muitos anos atrás, fui
desacelerando para um joguinho de vôlei, diminuí para corridas no calçadão,
passei a apenas caminhar na praia, até que atingi a imobilidade total. Ao
perceber a mumificação se aproximando, resolvo reagir e tomo a decisão heroica:
vou aprender a nadar. É o esporte completo. E sem impactos. O que mais eu
poderia querer?
Instruções recebidas, parto para o obrigatório circuito
médico: dermatologista, cardiologista, ecodopplercardiograma e teste
ergométrico. Passo com boas notas em coisas de nomes pomposos, tais como
respostas cronotrópica e inotrópica, parâmetros hemodinâmicos e metabólicos.
Acho que dá até para colocar no currículo!
E bato, então, à porta do Botafogo:
- Sim, claro que pode. Até recomendamos que o candidato faça
um teste para se convencer, para ter a certeza de que é esta a modalidade que
ele quer praticar. Venha depois de amanhã, que é um dia mais calmo.
Bela acolhida! Reforçou a simpatia que nutro por este clube,
que sempre foi meu segundo time.
E no dia D, transbordando de otimismo e cheio de moral, saio
de casa já imaginando um possível diálogo alguns meses à frente:
- Mas como ele está bem-disposto! O que é que você anda
fazendo, não sai da praia?
- Estou nadando no Botafogo!
Chego lá a caráter: sunga preta e pele branca, não
escondendo minha ascendência de países frios. Dia de sol radiante, nenhuma
nuvem à vista, um calor infernal. Uma voz interna, sensata, sussurra
discretamente: “Isto não vai dar certo”.
Com infinita paciência, o professor alerta aos novatos:
Tudo o que vocês fizeram de esporte até hoje não vale nada
dentro d´água. Nada. Começaremos do zero. Atenção com a respiração: inspirar
pela boca, expirar pelo nariz. Com ritmo. Vamos primeiro dar uma nadada daqui
até lá, só para ver como é que vocês estão.
- Até o outro lado?
- Sim, mas de quatro em quatro braçadas. Podem ir parando
para descansar. Se precisar, apoiem na borda.
São, realmente, concessões muito bem-vindas, mas descubro
que a raia, para um calouro, parece ter uns dois quilômetros. E, naturalmente,
não dá pé. Afinal, estamos numa piscina olímpica! Com os óculos encharcados e
embaçados, nem consigo ver a outra borda. Torço para que todos continuem bem
ocupados com suas tarefas, sem prestar atenção aos náufragos. Depois de muito
esforço, obtenho minha primeira marca: cinquenta metros em quinze minutos, com
direito a paradas e a instruções. Deve ser um recorde mundial ao contrário. E
reparo que há pessoas na arquibancada. Que estão vendo esses vexames todos!
Ao final de uma hora, exausto e pagando todos os micos
possíveis, já começo a duvidar de que seja isto, realmente, o que estou
procurando.
Mas em vez de tomar uma decisão sensata, que seria il logo
direto para casa, fico rondando por ali e acabo descobrindo que uma aula de hidroginástica
começaria em poucos minutos. Talvez isso seja mais interessante ou,
confessemos, mais leve. Apresento-me à professora como um possível futuro aluno
e peço licença para assistir à aula. Mas sou convidado a participar! Por uma
fração de segundo tenho a chance de recusar o convite ou mesmo de sair correndo
de lá. Mas, irresponsavelmente, topo e no instante seguinte já estou novamente
dentro d´água. Desta vez, amarrado a um flutuador, uma espécie de salva-vidas.
Meu entusiasmo ressurge, pois agora não preciso me preocupar nem com respiração
nem com a possibilidade de afogamento. Que moleza!
Engano total! Durante aquela interminável hora não
degustamos um único segundo de folga. O grupo de ofegantes recebe ordens sem
interrupção: - Façam este movimento, agora assim, com o outro braço, prestem
atenção, tocando a ponta do pé, o outro pé, mais rápido! Sete, oito, nove,
setenta, e um, e dois...
Nos últimos dois minutos de aula um corpo boiando vai se
aproximando furtivamente da escada. Os últimos sons me parecem vir de muito,
muito longe:
- ... três, dois, um, acabou!
Viva! Sou o primeiro a voltar à terra firme. Sobrevivente.
Semisubmerso há duas horas, sob aquele sol inclemente, já havia até adquirido
alguma cor: rosa-gringo. Naturalmente, só do peito para cima!
Na falta de macas, resta-me a alternativa de cambalear até o
ponto de ônibus. Almoço e apago. Dois dias de cama. Insolação, dor de cabeça,
cérebro inundado pela água que entrou pelo nariz, boca e ouvidos, dor no peito,
febre, problemas de estômago e intestino. Apenas as pernas escaparam ilesas do
massacre. Tentam mover-se, mas ouvem o protesto uníssono de todas as outras
partes do corpo:
- Querem andar, vão sozinhas, que nós só levantaremos depois
de amanhã!
Oscilando naquela fronteira entre acordado e desmaiado,
embaralhava lembranças e pesadelos. Os pensamentos colidiam e se provocavam:
- As olimpíadas estão chegando. Já atingiu os índices? O
Cielo está batendo recordes mundiais. Vai encarar?
- Me aguardem!
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