domingo, 10 de fevereiro de 2013

Vila Velha - Angela Delgado




No avião que me levará ao Espírito Santo, coloco um dos meus livros no bolsão da poltrona à frente do assento ao lado. É a corrente literária que me empenho em fazer fluir.
         O lugar é rapidamente ocupado e meu vizinho de voo pega o livro e começa a lê-lo.
         Gostaria de relê-lo com o rabo do olho, pois nem me lembro mais direito o que escrevi...
         Suspense: largará o livro, pulará páginas? Espero que, pelo contrário, o aprecie, compensando-o eu por ter de escutar essa maldita tosse, que cismou de viajar comigo. O alto-falante do piloto está com defeito e isso me regozija, pois as palavras de boas vindas abafadas, quase inaudíveis, não tiram a concentração do meu mais recente leitor.
         Vontade de observar as expressões faciais do simpático cidadão que não larga meu livro, mas, prefiro deixá-lo à vontade. Quando o avião decolar, com o pretexto de olhar a paisagem, darei uma espiada. E não é que o passageiro da janela espicha o olho em direção ao livro, como se fosse o jornal aberto do cavaleiro ao lado, no metrô? Bom pra mim... Acalmou até a minha tosse! O avião sacoleja um pouco em seu percurso pela pista, antes de alçar voo. Fecho o livro que estava lendo, o que não faz meu super simpático vizinho, que continua firme e absorvido em sua leitura. Dois outros passageiros, do outro lado do corredor, pegaram a minha tosse, e meu precioso leitor, marcando a página com o marcador, fecha os olhos sem, contudo, recolocar o livro no bolsão. Ficou segurando-o, enquanto eu também fechava os olhos. Afinal, o xarope contra a tosse me dera sono. De repente, ouço um ronco. Abro os olhos. É o sujeito da janela. E meu vizinho, que além de ser simpático, não ronca, me pergunta se eu era a autora. Conversamos durante o resto do trajeto. Fiquei sabendo que ele gosta muito de ler e que estava achando divertido o meu livro. Que bom!
         Hoje, minha irmã e eu fomos à praia. Na volta, comemos uma gostosa moqueca de cação e depois, apreciando o visual do mar, agradeço pelo privilégio deste paraíso, enquanto penso naqueles que jogam suas vidas fora, lançando bombas e fazendo a vida ao redor deles um inferno.
         Agora, apagarei as luzes do apartamento, pois minha irmã Kérida, chegando da praia com os óculos escuros, acha tudo sombrio e as acende todas.
         Em mais um dia de praia, Kérida inventa de nos aventurarmos em uma daquelas “bananas” puxadas por uma lancha e lá vamos nós, depois de ter ouvido para não nos afobarmos, caso a “banana” virasse, pois estávamos com salva-vidas.
         Como em um avião, escutando sobre assento flutuante e máscara de oxigênio, nem por um segundo, pensei que esse risco pudesse ocorrer. Ajudadas por um dos outros onze passageiros, escalamos a “banana-boat” e a lancha zarpou. Pouco depois, encontrávamo-nos em alto mar e a “banana” emborcada.
      Novamente somos içadas “a bordo” e voltamos a "surfar" as ondas, com a brisa do mar no rosto e apreciando a paisagem. Kérida, assustada, nem tanto. Até que de novo nos vimos dentro da água, Kérida tendo caído em cima do sujeito que havia nos auxiliado a subir, e que fora o mesmo que provocara o tombo.  Aí não achamos mais graça e preferimos terminar o passeio dentro da lancha, onde estaríamos a salvo de mais uma “hipótese remota” de abruptamente mergulharmos na água.
     E não é que a “banana” virou uma terceira e uma quarta vez? Propositadamente, visto que a maioria dos onze fizera de tudo para que isso acontecesse.
     Já na areia, Kérida, não satisfeita com a quantidade de adrenalina, se depara com botes e remos. Imediatamente, combina para o dia seguinte mais uma aventura! Desta vez, no entanto, mais calma, pois seremos as únicas tripulantes.
     Doce ilusão. Kérida está imobilizada, sem poder sequer tossir e hoje exige que eu revele também o que apronto, como o acontecido hoje ao pisar na areia e retirar pela cabeça a saída de praia: eu havia me esquecido de colocar o biquíni. Estava de calcinha! A mais nova delas, mas, apesar de combinar com a peça de cima e ser só um tantinho menor, era uma calcinha e eu sabia disso... Menos mal que a praia estava quase vazia.    Voltei ao apê e quase explico ao simpático porteiro, um pouco surpreso com o entra e sai: esqueci a peça de baixo!
     Finalmente estou devidamente composta, mas perco a concentração de minha leitura por causa das “bananas-boats” que passam, pois não “fico a ver navios”, ao contrário, espio se “a pimenta vai arder em olhos alheios.” Em ritmo carnavalesco, cantarolo  "se a banana não virar, ♪ olê, olê olá, eu chego lá! ♪".
    Mas hoje estão todos comportados. Nada acontece e reabro meu livro.

2 comentários:

  1. Como é divertido ler você! Me deu vontade de andar de banana! E morri de rir aqui com o seu meio strip na praia! Causando, é? Ótima viagem, ótima crônica!

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  2. Também acho uma delícia lê-la!Principalmente pela sua genialidade e profundidade.
    Mas, vai andar de banana, vai, vai ver o que é bom pra tosse...
    Beijo.

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