quinta-feira, 30 de maio de 2013

Meus versos - Jacqueline Aisenman


Conexões, viagens de idas e retornos sem volta...

Em algum momento saí de onde vivia e vim parar aqui. Não sei se foi rápido o  instante ou se foi longa e imperceptível a viagem. O que sei é que agora estou aqui e não sei exatamente o que fazer. Tenho impressão as vezes de que devo voltar. Noutras, não. Tudo parece tão tranqüilo, tão certo em seus lugares.
Mas parece que há uma questão de conexão. Melhor seria dizer de desconexão. Parece que estou desconectada de algum outro lugar onde deveria estar. Realmente. E aqui seria simplesmente um canto meu. Por isto a minha questão interior, a dúvida sobre o momento exato em que cheguei aqui. Porque tenho a impressão de sempre ter estado aqui. O mínimo sentimento de ter que ausentar, mesmo por alguns minutos, me assusta, muito. Mesmo se em certos momentos tenho a impressão que isto acontece. É quando descubro em mim uma roupa que não estaria em mim. Ou vejo alguma coisa que escrevi e que não foi para mim mesma. Momentos de desamparo. Quando me sinto perdida até mesmo aqui, tão longe de tão longe.  E se na verdade eu precisar voltar? E se for preciso começar a pensar na volta, no mundo exterior, e em tudo o que isto implica? Para onde será a viagem? Para que mundo? Um que conheci lá fora um dia ou um tão dentro de mim que nunca cheguei a conhecer?

                                                                                     



Gosto de fazer versos
inversos e avessos
espessos e esparsos
versos intensos
versos frugais
meus ais
ventos que batem...
insuflando nas linhas
a poesia que dança
em minha vida.


PASMEIRAS


Nesta terra tem pasmaceiras

Nem me encanta um sabiá...



Ai meu deus do céu... cruz credo...

onde é que eu vim parar???


  Jacqueline Aisenman

domingo, 19 de maio de 2013

Meu inferno mais íntimo - Luiz Felipe Pondé



     Um jovem rabino, angustiado com o destino da sua alma, conversava com seu mestre, mais velho e mais sábio, em algum lugar do Leste Europeu entre os séculos 18 e 19.
Pergunta o mais jovem: "O senhor não teme que quando morrer será indagado por Deus do porquê de não ter conseguido ser um Moisés ou um Elias? Eu sempre temo esse dia".
     O mestre teria respondido algo assim: "Quando eu morrer e estiver na presença de Deus, não temo que Ele me pergunte pela razão de não ter conseguido ser um Moisés ou um Elias, temo que Ele me pergunte pela razão de eu não ter conseguido ser eu mesmo".
Trata-se de um dos milhares de contos hassídicos, contos esses que compõem a sabedoria do hassidismo, cultura mística judaica que nasce, "oficialmente", com o Rabi Baal Shem Tov, que teria nascido por volta de 1700 na Polônia.
     A palavra "hassidismo" é muito próxima do conceito de "Hesed", piedade ou misericórdia, que descreve um dos traços do Altíssimo, Adonai ("Senhor", termo usado para se referir a Deus no judaísmo), o Deus israelita (que, aliás, é o mesmo que "encarnou" em Jesus, para os cristãos).
Hassídicos eram conhecidos como "bêbados de Deus", enlouquecidos pela piedade divina (e pela vodca que bebiam em grandes quantidades para brindar a vida...) que escorre dos céus para aqueles que a veem.
São muitas as angústias de quem acredita haver um encontro com Deus após a morte. Mas ninguém precisa acreditar em Deus ou num encontro como esse para entender a força de uma narrativa como esta: o primeiro encontro, em nossa vida, que pode vir a ser terrível, é consigo mesmo. Claro que se Deus existe, isso assume dimensões abissais.
     Para além do fato óbvio de que o conto fala do medo de não estarmos à altura da vontade de Deus, ele também fala do medo de não sermos seres morais e justos, como Moisés e Elias, exemplos de dois grandes "heróis" da Bíblia hebraica. Ser como Moisés e Elias significa termos um parâmetro moral exterior a nós mesmos que serviria como "régua".
     A resposta do sábio ancião ao jovem muda o eixo da indagação: Deus não está preocupado se você consegue seguir parâmetros morais exteriores, Deus está preocupado se você consegue ser você mesmo.
Não se trata de pensar em bobagens do tipo "Deus quer que você seja feliz sendo você mesmo" como pensaria o "modo brega autoestima de ser", essa praga contemporânea. Trata-se de dizer que ser você mesmo é muito mais difícil do que seguir padrões exteriores porque nosso "eu" ou nossa "alma" é nosso maior desafio.
     Enfrentar-se a si mesmo, reconhecer suas mazelas, suas inseguranças e ainda assim assumir-se é atravessar um inferno de silêncio e solidão. Ninguém pode fazer isso por você, é mais fácil copiar modelos heroicos, por isso o sábio diz que Deus não quer cópias de Moisés e Elias, mas pessoas que O enfrentem cara a cara sendo quem são.
     Podemos imaginar Deus perguntando a você se teve coragem de ser você mesmo nos piores momentos em que ser você mesmo seria aterrorizante. Aí está o cerne da "moral da história" neste conto.
Noutro conto, um justo que morre, chegando ao céu, ouve ruídos horrorosos vindo de uma sala fechada. Perguntando a Deus de onde vem aquele som ensurdecedor, Deus diz a ele que vá em frente e abra a porta do lugar de onde vem a gritaria. Pergunta o justo a Deus que lugar seria aquele. Deus responde: "O inferno". Ao abrir a porta, o justo ouve o que aqueles infelizes gritavam: "Eu, eu, eu...".
     Ao contrário do que dizia o velho Sartre, o inferno não são os outros, mas sim nós mesmos. Numa época como a nossa, obcecada por essa bobagem chamada autoestima, ocupada em fazer todo mundo se achar lindo e maravilhoso, a tendência do inferno é ficar superlotado, cheio de mentirosos praticantes do "marketing do eu".
     Casas, escritórios, academias de ginásticas, igrejas, salas de aula, todos tomados pelo ruído ensurdecedor do inferno que habita cada um de nós. O escritor católico George Bernanos (século 20) dizia que o maior obstáculo à esperança é nossa própria alma. Quem ainda não sabe disso, não sabe de nada.
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quinta-feira, 9 de maio de 2013

Melancolia - Genserico Júnior

Ensaio - manifesto

Melancolia é um belo filme de Lars von Trier, boquirroto cineasta dinamarquês que, por falar demais, não logrou a Palma de Ouro do Festival de Cinema de Cannes no ano passado. Entre outras parlapatices, em entrevista aos jornalistas, disse que, se pudesse acabar com a humanidade de maneira instantânea e indolor, acionando um botão ou outro expediente parecido, o faria.

No citado filme, a Terra desaparece do mapa universal, depois de uma explosão proveniente da colisão com um planeta descarrilado vagando pelo espaço sideral, chamado Melancolia. Mistérios da ficção: quem teria contado tal história depois da hecatombe?

Após essa introdução, vamos ao que interessa no momento: organizar meus argumentos a respeito de um assunto polêmico e expô-los aos meus leitores. Não se trata de algo bombástico como o pensamento daquele cineasta. Mesmo que assim pensasse, não teria coragem de divulgá-lo. O von Trier é um maluco beleza!

Segundo o estado da arte científica dos nossos dias, não existe vida em outros planetas. Ela é exclusiva da nossa pequena Terra. Isso não garante que não possa existir vida alhures, desde que existam as condições físico-químicas propícias, e venham a ocorrer os mesmos fenômenos aleatórios que fizeram o aparecimento da vida humana, inteligente, animal e vegetal por aqui. Uma coisa interessante a observar é que a vida em outros corpos celestes não deva necessariamente existir ao mesmo tempo que a nossa. Pode ter ocorrido há alguns milhões de anos ou mesmo vir a acontecer num futuro longínquo, milhões de anos distante de nosso tempo.

Segundo a nossa ciência, o Universo (ou Multiverso, como queiram) é mineral. Salvo melhor juízo, não há sinal de vida vegetal nem animal, muito menos inteligente, em outras galáxias, sistemas ou planetas até agora conhecidos. Portanto, não estou aqui pregando a exclusividade da vida para a Terra. Estou tão somente afirmando que a ciência, em seu estágio atual, desconhece vida que não seja por aqui.

Esse pensamento é geralmente criticado com o argumento de que seria muita pretensão de nossa parte, admitir que sejamos o único lugar no Universo a ter vida. Implícito a esse raciocínio está a premissa de que a vida é uma preciosidade, a mais maravilhosa de todas as coisas do Universo. Trata-se de um pensamento antropocêntrico.

A vida pode ser uma doença, uma espécie de câncer no Universo, que aconteceu por aqui. Aparentemente benigno, pode se transformar em maligno. Aproveitando a oportunidade, alguém já disse que “A vida é uma doença letal, transmissível sexualmente”.

Intermezzo segundo Richard Dawkins: A natureza – incluindo aí a humana – e tudo o que nos cerca são pura magia do acaso, de um processo incansável e imemorial de tentativa e erro evolucionário da ciência e da paradoxal linearidade do caos. A vida humana é de uma monumental insignificância, pois somos apenas mais uma entre milhões e milhões de espécies que a habitaram e habitam este tão frágil planeta.

Diante do exposto, proponho uma atitude aos terráqueos, que, embora possa não se basear numa verdade à luz da ciência no futuro, é uma posição politicamente correta para os dias que correm. Não tem nada de antropocentrismo, nem soberba de sermos os únicos seres vivos no Universo. Nada disso.

Trata-se do seguinte: assumamos, por hipótese até aqui admitida pela ciência, que a Terra tenha a exclusividade da vida no Universo. Assim nós temos a obrigação de preservá-la para, inclusive, perpetuar a inteligência no Cosmos. Ela pode ser uma doença, seja lá o que for, mas é a nossa vida. Embora a morte individual seja uma fatalidade, façamos o possível para manter a vida planetária (a animal, a vegetal e a humana), a despeito dos perigos que possam acontecer daqui para frente.

Sobre esse último detalhe, é sabido que houve grandes acidentes ao longo da história de nosso planeta. Até a Bíblia conta o infausto dilúvio que o temível Deus nos mandou, mas o bondoso e mesmo Deus logo arranjou uma maneira de nos salvar da extinção total, com o engenho e a arte de Noé. É sabido também que um asteroide gigantesco colidiu com a Terra em tempos pré-bíblicos, acabando com a raça dos dinossauros, o que, de certa forma, foi um acidente abençoado, pois só sem a presença desses mastodontes houve possibilidade da aparição dos mamíferos, inclusive os humanos. Pode, por que não, acontecer outro cataclismo geral e irrestrito, mas isso será um acidente que não poderíamos contornar, a não ser emigrando para outro planeta, redirecionando o bólido sideral para fora da nossa órbita, se for o caso, ou mesmo salvando-nos das catástrofes terrenas.

Estou a pregar essa atitude, exatamente nesta época, em que se deu a Conferência Internacional sobre o Meio Ambiente, conhecida popularmente como Rio + 20. É fundamental que todos nós nos conscientizemos dos perigos que corremos com a deterioração ambiental de nosso planeta e a possibilidade de nós mesmos provocarmos nossa extinção, não somente da vida no planeta Terra, mas da vida no Universo. A responsabilidade é muito maior do que pensávamos com essa colocação, contextualizando-a no plano universal.

Assim pensando, podemos dizer que a vida na Terra é a guardiã da memória, da cultura, da consciência e da inteligência do imenso Universo. Fora disso, resta a mineralidade. Só nós fazemos o Universo existir. Só nós o validamos. O Universo, sem o observador inteligente, não se reconhece como tal.

Uma lembrança pitoresca me ocorre agora. Antigamente eu ficava grilado com o concurso de Miss Universo. Implicava com esse nome. Por que Universo? Tem que ser Miss Terra ou Mundo ou Planeta, mas não Universo. Contudo, atentem, se o nosso raciocínio procede, de fato, a mulher eleita a mais bela do concurso seria, efetivamente, a Miss Universo. Um detalhe hilário para congregar mais adeptos masculinos para a minha tese: mulher só existe aqui neste pedaço.

Conheci um senhor maduro no Acre, pessoa muito interessante, ambientalista radical que, a despeito de seu pessimismo sobre as ações humanas a respeito da sustentabilidade do planeta, sustenta sim que solução haverá, nem que seja pelas mãos da própria mãe natureza, com acidentes localizados ou globalizados, a partir dos quais, depois da destruição, renascerá um novo equilíbrio.

De minha parte, eu não acredito no desenvolvimento com sustentabilidade. Todo desenvolvimento, todo crescimento, quase todas as atividades humanas são predatórias e não têm jeito. A mais nefasta das atividades humana é o próprio aumento populacional. Só acredito na possibilidade de uma tênue tentativa de minimizar os efeitos perversos da nossa ação. A não ser que se possa mudar o infeliz sistema econômico que preside todas as atividades e mentes ao redor do planetinha, que atende pelo nome de Capitalismo. Sua voragem, seu modo de produção, seu consumismo, seu hedonismo. Seja lá o nome que venha a ser dado a isso. Poderia até ser chamado de Melancolia.

Façamos tudo e vamos torcer para que a desgraça do von Trier não nos abata, nem como acidente, como degradação ambiental e nem tampouco como desprezo pelo gênero humano.

Para terminar o brado retumbante, política e inocentemente otimista, de um declarado, incorrigível e convicto pessimista: “Viva a vida!”






   
 ANO XI - N° 307, em 10 de 
Sugestão  de (re)leitura: 250 – Tema do Traidor e do Herói.
Genserico Encarnação Júnior, 73 anos.
Itapoã, Vila Velha (ES).