De todos os personagens do presépio, os prediletos do menino são os santos Reis Magos, que ele aliás chama de Reis Magros. E entre os três, acha que o mais bonzinho é Baltazar, o negro, porque só ele se ajoelha e tem na mão a caixinha mais bonita.
Entretanto, reclama porque, com aquelas vestes flutuantes, os santos Reis não parecem tão magros que justifiquem o nome. Só se eles comeram tanto peru, rabanada, coquinho de Natal, que ficaram gordos. Peru engorda, só engorda menos do que leite, porque leite é feito para bezerrinho e bezerrinho tem que ser gordo. Também, o que engorda muito é banana e faz ficar forte, porque tem vitamina do a-bê-cê, e a pessoa por isso mesmo aprende a ler mais depressa. Depois dos Reis, a coisa mais bonita do presépio é a Estrela Guia, que ele de começo chamava estrela-de-rabo. Advertido pela mãe, passou a chamá-la de "cometa". A avó procurou insistir em Estrela Guia, mas ele anda muito entusiasmado com esse negócio de cometa e adora mostrar erudição.
Mas implica com os camelos. Não há quem o convença de que o camelo é uma nobre besta, afeita milenarmente ao transporte de riquezas e homens pelos caminhos mais antigos da terra. No fundo, ele gostaria de substituir os camelos dos Magos por três bons caminhões - pensando que ficaria dono dos caminhões quando se desmontasse o presépio. Como meio termo, põe ao lado dos Reis uns cavalinhos de plástico. Cavalo sim, é a flor dos animais, companheiro dos caubóis e vencedor do faroeste, Se camelo é bom de sela, por que caubói não monta em camelo? Responda a esta! E o espetáculo que lhe proporcionou o camelo do Jardim Zoológico o confirmou nessa descrença. Aquele bicho desengonçado, de pêlo a despegar pelas costelas, feio de corpo, antipático de cara, estúpido de expressão, nunca, mas nunquinha, podia chegar nem perto da manjedoura de Belém.
A propósito, essa expressão manjedoura tem suscitado muitas discussões. Não vê que na escola maternal onde ele "estuda" lhe disseram que o Menino nasceu numa estrebaria? Parece que a mãe achou feio estrebaria e ensinou manjedoura. A avó, ignorante dos debates anteriores, falou em gruta de Belém. Aí complicou tudo. Afinal tudo não queria dizer a mesma coisa? Então para que tanta palavra diferente? Acabou por se descobrirem uma quarta fórmula: presépio. Ele optou por presépio depois de verificar que ninguém sabia direito o que era. E palavra que a gente não sabe o que é, é mais bonita.
Vencida essa etapa estrebaria-manjedoura-gruta-presépio, entrou-se em outra, igualmente delicada: as ofertas ao Menino. O ouro, o incenso, a mirra. Por estranho que pareça, o que ele entendeu melhor foi o incenso. Não vê que no apartamento vizinho mora um senhor meio excêntrico que tem o hábito de queimar incenso a certas horas da tarde ou da noite, e o garoto, muito atento a impressões sensoriais, gosta do cheiro? Incenso, pois, ele aprova. Mas a mirra? Verifica-se que mesmo os grandes não sabem explicar com a devida clareza o que é mirra. Há debates, vai-se ao dicionário. Mirra é uma essência vegetal muito apreciada no Oriente, com a qual se faz um unguento. Passando rapidamente pelas questões suscitadas pela palavra Oriente (lugar onde o sol nasce; lugar onde o sol se põe; porque não nasce em outras partes, ao norte ou ao sul; se o sol nasce o sol morre? Como é que ele nasce todo o dia, tem gente que que pode nascer todo o dia? E morrer, só morre quem fica velho, mas menino às vezes também morre sem precisar de ficar velho, quando é atropelado, automóvel também atropela velho; ele tem cinco anos mas faz muito tempo que conhece sinal verde, vermelho e até amarelo), o que é UNGUENTO?
Unguento? Bem, é uma pomada. Pomada! Então o Rei Magro vai passar pomada no Menino Jesus? Coitadinho! Será que ele está doente, tem ferida, tem coceira, perebinha? Pomada é a coisa pior de todas as coisas ruins! Não, unguento de mirra é só para cheirar, não é remédio, é perfume. Ora, não convence. Muito parecido com quando lhe querem impingir pomada de tubinho para as coceiras alérgicas. Não, neste Menino Jesus que é meu, ninguém passa pomada.
A conversa caía em crise e então se apelou para a terceira dádiva, o ouro. Que ele também estranhava. Ouro como? Colar? Anel? Mas criancinha pequena não usa essas coisas. Menina pode ser, assim mesmo quando já é maior. Menino nunca. Para que o menino quer ouro? Alguém sugere que talvez para dar esmola. Mas ele sabe que esmola a gente dá é com dinheiro. Pobre é como criança, não usa relógio nem anel nem pulseira nem... Se dá é nota de cinco ou então comida ou leite ou roupa ou cobertor. Nunca ninguém viu dar coisa de ouro de esmola! Admiro esse Rei Magro!
Para o desviar do ouro e seus problemas, a mãe pela centésima vez diz que não é magro, é Mago. Mas por que Mago? Mago quem diz é criança que não sabe falar - diz mago, pato, for, em lugar de magro, prato, flor. Hein, por que é Mago? Q que é mesmo Mago? Bem - Mago é assim uma espécie de feiticeiro... Mas, feiticeiro não é ruim? E os Reis Magos são ruins? Este problema de ética está sempre presente nas suas conversas: elefante é bicho ruim ou bicho bom? A Rainha da Inglaterra é rainha boa ou má? Baleia é boa ou ruim? Como é que a gente sabe que um cachorro é ruim? Mocinho é bom, bandido é ruim. Se os magos são feiticeiros bons, quem é ruim?
- Bem, ruim era Herodes.
- Herodes? Esse eu nunca ouvi falar. (Quem lhe contou a história do Natal, expurgou-a da matança dos inocentes.) Por que Herodes era mau? Ah, mandou matar as crianças... puxa, era mauzinho, hein?
Mas você sabe quem era mau, mas muito mau mesmo? É aquele dragão de S.Jorge, que bota fogo e fumaça pelas ventas. Quando eu tenho raiva de uma pessoa, tenho vontade de botar fogo pelas ventas também!
Mas se os Reis Magros - oh, Magos - eram feiticeiros, por que é que eles andavam nesses camelos tão mixurucas? Por que não arranjaram um gênio para carregá-los como o da lâmpada do Aladim? E por falar no Aladim...
Entretanto, reclama porque, com aquelas vestes flutuantes, os santos Reis não parecem tão magros que justifiquem o nome. Só se eles comeram tanto peru, rabanada, coquinho de Natal, que ficaram gordos. Peru engorda, só engorda menos do que leite, porque leite é feito para bezerrinho e bezerrinho tem que ser gordo. Também, o que engorda muito é banana e faz ficar forte, porque tem vitamina do a-bê-cê, e a pessoa por isso mesmo aprende a ler mais depressa. Depois dos Reis, a coisa mais bonita do presépio é a Estrela Guia, que ele de começo chamava estrela-de-rabo. Advertido pela mãe, passou a chamá-la de "cometa". A avó procurou insistir em Estrela Guia, mas ele anda muito entusiasmado com esse negócio de cometa e adora mostrar erudição.
Mas implica com os camelos. Não há quem o convença de que o camelo é uma nobre besta, afeita milenarmente ao transporte de riquezas e homens pelos caminhos mais antigos da terra. No fundo, ele gostaria de substituir os camelos dos Magos por três bons caminhões - pensando que ficaria dono dos caminhões quando se desmontasse o presépio. Como meio termo, põe ao lado dos Reis uns cavalinhos de plástico. Cavalo sim, é a flor dos animais, companheiro dos caubóis e vencedor do faroeste, Se camelo é bom de sela, por que caubói não monta em camelo? Responda a esta! E o espetáculo que lhe proporcionou o camelo do Jardim Zoológico o confirmou nessa descrença. Aquele bicho desengonçado, de pêlo a despegar pelas costelas, feio de corpo, antipático de cara, estúpido de expressão, nunca, mas nunquinha, podia chegar nem perto da manjedoura de Belém.
A propósito, essa expressão manjedoura tem suscitado muitas discussões. Não vê que na escola maternal onde ele "estuda" lhe disseram que o Menino nasceu numa estrebaria? Parece que a mãe achou feio estrebaria e ensinou manjedoura. A avó, ignorante dos debates anteriores, falou em gruta de Belém. Aí complicou tudo. Afinal tudo não queria dizer a mesma coisa? Então para que tanta palavra diferente? Acabou por se descobrirem uma quarta fórmula: presépio. Ele optou por presépio depois de verificar que ninguém sabia direito o que era. E palavra que a gente não sabe o que é, é mais bonita.
Vencida essa etapa estrebaria-manjedoura-gruta-presépio, entrou-se em outra, igualmente delicada: as ofertas ao Menino. O ouro, o incenso, a mirra. Por estranho que pareça, o que ele entendeu melhor foi o incenso. Não vê que no apartamento vizinho mora um senhor meio excêntrico que tem o hábito de queimar incenso a certas horas da tarde ou da noite, e o garoto, muito atento a impressões sensoriais, gosta do cheiro? Incenso, pois, ele aprova. Mas a mirra? Verifica-se que mesmo os grandes não sabem explicar com a devida clareza o que é mirra. Há debates, vai-se ao dicionário. Mirra é uma essência vegetal muito apreciada no Oriente, com a qual se faz um unguento. Passando rapidamente pelas questões suscitadas pela palavra Oriente (lugar onde o sol nasce; lugar onde o sol se põe; porque não nasce em outras partes, ao norte ou ao sul; se o sol nasce o sol morre? Como é que ele nasce todo o dia, tem gente que que pode nascer todo o dia? E morrer, só morre quem fica velho, mas menino às vezes também morre sem precisar de ficar velho, quando é atropelado, automóvel também atropela velho; ele tem cinco anos mas faz muito tempo que conhece sinal verde, vermelho e até amarelo), o que é UNGUENTO?
Unguento? Bem, é uma pomada. Pomada! Então o Rei Magro vai passar pomada no Menino Jesus? Coitadinho! Será que ele está doente, tem ferida, tem coceira, perebinha? Pomada é a coisa pior de todas as coisas ruins! Não, unguento de mirra é só para cheirar, não é remédio, é perfume. Ora, não convence. Muito parecido com quando lhe querem impingir pomada de tubinho para as coceiras alérgicas. Não, neste Menino Jesus que é meu, ninguém passa pomada.
A conversa caía em crise e então se apelou para a terceira dádiva, o ouro. Que ele também estranhava. Ouro como? Colar? Anel? Mas criancinha pequena não usa essas coisas. Menina pode ser, assim mesmo quando já é maior. Menino nunca. Para que o menino quer ouro? Alguém sugere que talvez para dar esmola. Mas ele sabe que esmola a gente dá é com dinheiro. Pobre é como criança, não usa relógio nem anel nem pulseira nem... Se dá é nota de cinco ou então comida ou leite ou roupa ou cobertor. Nunca ninguém viu dar coisa de ouro de esmola! Admiro esse Rei Magro!
Para o desviar do ouro e seus problemas, a mãe pela centésima vez diz que não é magro, é Mago. Mas por que Mago? Mago quem diz é criança que não sabe falar - diz mago, pato, for, em lugar de magro, prato, flor. Hein, por que é Mago? Q que é mesmo Mago? Bem - Mago é assim uma espécie de feiticeiro... Mas, feiticeiro não é ruim? E os Reis Magos são ruins? Este problema de ética está sempre presente nas suas conversas: elefante é bicho ruim ou bicho bom? A Rainha da Inglaterra é rainha boa ou má? Baleia é boa ou ruim? Como é que a gente sabe que um cachorro é ruim? Mocinho é bom, bandido é ruim. Se os magos são feiticeiros bons, quem é ruim?
- Bem, ruim era Herodes.
- Herodes? Esse eu nunca ouvi falar. (Quem lhe contou a história do Natal, expurgou-a da matança dos inocentes.) Por que Herodes era mau? Ah, mandou matar as crianças... puxa, era mauzinho, hein?
Mas você sabe quem era mau, mas muito mau mesmo? É aquele dragão de S.Jorge, que bota fogo e fumaça pelas ventas. Quando eu tenho raiva de uma pessoa, tenho vontade de botar fogo pelas ventas também!
Mas se os Reis Magros - oh, Magos - eram feiticeiros, por que é que eles andavam nesses camelos tão mixurucas? Por que não arranjaram um gênio para carregá-los como o da lâmpada do Aladim? E por falar no Aladim...
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