Depois do intenso futebol de muitos anos atrás, fui
desacelerando para um joguinho de vôlei, diminuí para corridas no calçadão,
passei a apenas caminhar na praia, até que atingi a imobilidade total. Ao
perceber a mumificação se aproximando, resolvo reagir e tomo a decisão heroica:
vou aprender a nadar. É o esporte completo. E sem impactos. O que mais eu
poderia querer?
Instruções recebidas, parto para o obrigatório circuito
médico: dermatologista, cardiologista, ecodopplercardiograma e teste
ergométrico. Passo com boas notas em coisas de nomes pomposos, tais como
respostas cronotrópica e inotrópica, parâmetros hemodinâmicos e metabólicos.
Acho que dá até para colocar no currículo!
E bato, então, à porta do Botafogo:
- Sim, claro que pode. Até recomendamos que o candidato faça
um teste para se convencer, para ter a certeza de que é esta a modalidade que
ele quer praticar. Venha depois de amanhã, que é um dia mais calmo.
Bela acolhida! Reforçou a simpatia que nutro por este clube,
que sempre foi meu segundo time.
E no dia D, transbordando de otimismo e cheio de moral, saio
de casa já imaginando um possível diálogo alguns meses à frente:
- Mas como ele está bem-disposto! O que é que você anda
fazendo, não sai da praia?
- Estou nadando no Botafogo!
Chego lá a caráter: sunga preta e pele branca, não
escondendo minha ascendência de países frios. Dia de sol radiante, nenhuma
nuvem à vista, um calor infernal. Uma voz interna, sensata, sussurra
discretamente: “Isto não vai dar certo”.
Com infinita paciência, o professor alerta aos novatos:
Tudo o que vocês fizeram de esporte até hoje não vale nada
dentro d´água. Nada. Começaremos do zero. Atenção com a respiração: inspirar
pela boca, expirar pelo nariz. Com ritmo. Vamos primeiro dar uma nadada daqui
até lá, só para ver como é que vocês estão.
- Até o outro lado?
- Sim, mas de quatro em quatro braçadas. Podem ir parando
para descansar. Se precisar, apoiem na borda.
São, realmente, concessões muito bem-vindas, mas descubro
que a raia, para um calouro, parece ter uns dois quilômetros. E, naturalmente,
não dá pé. Afinal, estamos numa piscina olímpica! Com os óculos encharcados e
embaçados, nem consigo ver a outra borda. Torço para que todos continuem bem
ocupados com suas tarefas, sem prestar atenção aos náufragos. Depois de muito
esforço, obtenho minha primeira marca: cinquenta metros em quinze minutos, com
direito a paradas e a instruções. Deve ser um recorde mundial ao contrário. E
reparo que há pessoas na arquibancada. Que estão vendo esses vexames todos!
Ao final de uma hora, exausto e pagando todos os micos
possíveis, já começo a duvidar de que seja isto, realmente, o que estou
procurando.
Mas em vez de tomar uma decisão sensata, que seria il logo
direto para casa, fico rondando por ali e acabo descobrindo que uma aula de hidroginástica
começaria em poucos minutos. Talvez isso seja mais interessante ou,
confessemos, mais leve. Apresento-me à professora como um possível futuro aluno
e peço licença para assistir à aula. Mas sou convidado a participar! Por uma
fração de segundo tenho a chance de recusar o convite ou mesmo de sair correndo
de lá. Mas, irresponsavelmente, topo e no instante seguinte já estou novamente
dentro d´água. Desta vez, amarrado a um flutuador, uma espécie de salva-vidas.
Meu entusiasmo ressurge, pois agora não preciso me preocupar nem com respiração
nem com a possibilidade de afogamento. Que moleza!
Engano total! Durante aquela interminável hora não
degustamos um único segundo de folga. O grupo de ofegantes recebe ordens sem
interrupção: - Façam este movimento, agora assim, com o outro braço, prestem
atenção, tocando a ponta do pé, o outro pé, mais rápido! Sete, oito, nove,
setenta, e um, e dois...
Nos últimos dois minutos de aula um corpo boiando vai se
aproximando furtivamente da escada. Os últimos sons me parecem vir de muito,
muito longe:
- ... três, dois, um, acabou!
Viva! Sou o primeiro a voltar à terra firme. Sobrevivente.
Semisubmerso há duas horas, sob aquele sol inclemente, já havia até adquirido
alguma cor: rosa-gringo. Naturalmente, só do peito para cima!
Na falta de macas, resta-me a alternativa de cambalear até o
ponto de ônibus. Almoço e apago. Dois dias de cama. Insolação, dor de cabeça,
cérebro inundado pela água que entrou pelo nariz, boca e ouvidos, dor no peito,
febre, problemas de estômago e intestino. Apenas as pernas escaparam ilesas do
massacre. Tentam mover-se, mas ouvem o protesto uníssono de todas as outras
partes do corpo:
- Querem andar, vão sozinhas, que nós só levantaremos depois
de amanhã!
Oscilando naquela fronteira entre acordado e desmaiado,
embaralhava lembranças e pesadelos. Os pensamentos colidiam e se provocavam:
- As olimpíadas estão chegando. Já atingiu os índices? O
Cielo está batendo recordes mundiais. Vai encarar?
- Me aguardem!
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