CONSELHO AO ACASO - Anna Maria Assis Ribeiro
No
momento em que esta crônica está sendo lida,quem sabe, já serei eu Bisavó.
Nesta reta de chegada para ocupar tão honroso posto sou vítima da maior
confusão: o que dizer à minha bisneta? Oitenta e um anos nos separam. É muito,
não? Será que todo este tempo vivido deixou algum ensinamento que possa
ajudá-la vida afora? Qualquer coisa que ela pudesse, já adulta, dizer aos
filhos, iniciando com um “aprendi com a tataravó de vocês. Dá certo”. Sei que
estou tentando tornar-me eterna a qualquer custo. Mas é verdadeira minha
preocupação com a vidinha lá dela. Como facilitar as coisas, diminuindo os
sofrimentos e frustrações que certamente virão? Tudo muda muito ao longo dos
tempos e o que hoje dá certo pode não dar amanhã, e periga eu encaminhá-la para
uma estrada que, no mínimo, não vai dar em nada. O falar francês, indispensável
quando eu era criança, transformou-se em falar inglês. Vai daí que é mais que
provável que minha Joana se veja as voltas com o chinês mandarim. Para piorar
minha confusão, eis que o horóscopo do mês anuncia aos arianos como eu: em
campo afetivo, evitem inúteis especificações para não comprometer a relação.
Seria uma temeridade me estender em explicações e comentários, sob pena de
comprometer nossa relação que apenas começa. Tem que ser curto e grosso.
Nenhuma das muitas soluções que dei a problemas ocorridos neste tanto tempo de
vida parece-me digna da póstuma citação. Mas eis que amigos me convidam para
uma noite num bar da Lapa e fez-se a luz! Tenho especial carinho pela Lapa e
seus arredores. Saudosa, lembro os almoços diários, na melhor das companhias,
no Bar Brasil, no Nova Capela, no Cosmopolita (para nós do SERPRO, Porta de
Bandido) e das intermináveis “a saideira e a conta” na Adega Flor de Coimbra
que por ser em frente ao estacionamento onde deixávamos os carros, nos levava a
prolongar o expediente que vez por outra entrava noite adentro. Tudo isto é
motivo de lembranças risonhas e emocionadas para muitos de nós. Tanto que até
hoje nos reunimos para lembrar. Só que agora rotulados de SERPROVECTOS, e não
mais na Lapa. Ao contrário do que possam imaginar, não estou pensando em
indicar a minha bisneta o caminho dos bares diurnos ou noturnos. Este ela irá
encontrar sozinha no momento certo. E espero que o faça e que, como eu, guarde
as melhores lembranças. Ocorre que o tal bar para onde fui convidada responde
pelo nome de Bar do Acaso. É isto! É o que posso deixar de melhor, na certeza
de que este ensinamento estará a salvo de qualquer efeito causado por Tempora e
Mores! Ainda bem jovem descobri (com enorme ajuda de meu pai) que muito do que
me acontecia de importante na vida, fosse bom ou ruim, tinha origem no acaso.
Portanto dele eu não deveria fugir, ao contrário, deveria deixar que ocorresse
expondo-me à vida e a tudo que esta pudesse me oferecer. O problema, o grande
problema, é que o acaso é maroto como ele só: depois de propiciar o surgimento
do bom e do ruim, desinteressa-se pelo assunto e não ensina o pulo do gato,
para que o ruim seja eliminado e o bom desenvolvido ao máximo. Ai o oposto deve
entrar com força total impedindo que se deixe o acaso ao acaso. Uma enorme
carga de análises, planejamentos e ações têm que necessariamente se seguir às
estripulias do acaso. Caso contrário corre-se o perigo de ativar as coisas
danosas por ele ofertadas e eliminar o que deveria ser cultivado. Começa pela
análise profunda da oferta do acaso: é boa coisa ou não? Parece fácil, mas não
é. O Príncipe Encantado em que a moça literalmente esbarrou na rua e mostrou-se
encantador, e sobretudo interessantíssimo, pode se transformar em Sapo no
futuro ou tornar-se o mais companheiro dos maridos; a viagem maravilhosa e
baratíssima, cujo folheto de propaganda entrou pela janela, conduzido pelo
vento pode ser encantadora ou uma monumental furada; o antigo e sumido colega de
trabalho que encontramos porque viramos à esquerda e não à direita e que nos
saúda com: “incrível! Você é a pessoa que eu estava procurando para...” pode
nos fazer uma oferta irrecusável de trabalho ou nos meter em uma enorme
enrascada. E por ai vai. Mesmo depois de avaliada a obra do acaso, mesmo quando
se anuncia promissora, há um enorme trabalho pela frente. O princípio da
entropia entra em ação: se não cuidamos incessantemente tudo será destruído.
Enfim a máxima que resulta parece ser: nunca fuja do acaso, ao contrário
exponha-se a este, aceite o que lhe trouxer, depois trabalhe como um mouro para
dar certo. Pobre Joana! Olha só a Bisavó que o acaso lhe deu! Como existem
outros três bisavós vivos, quem sabe adoçarão a pílula que, acredite, não é tão
amarga quanto parece. Porque a vida, Joana, queira-se ou não, é uma
administração constante, um tratamento sem fim, do que o acaso nos oferece.
Fugir do acaso para não ter que administrá-lo é uma forma de não viver. E
viver, minha linda, é pra lá de bom. Esta não é uma história de fadas (sossega,
também as contarei a você), mas como acontece nestas, se você atentar para esta
falação da Bisa, sua vida terá uma grande possibilidade de muitos finais
felizes.
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