domingo, 22 de março de 2020

  • (Uma tentativa de fazê-los rir, em tempos de coronavírus.)


  • De mel a pior - Fernando Sabbino

  •  - Qual é a primeira pessoa do presente do indicativo do verbo adequar?
  • - pergunta-me ele ao telefone.
  • - Nós adequamos - respondo com segurança.
  • - Primeira do singular - insiste ele.
  • - Espera lá, deixe ver. Com essa você me pegou.
Arrisco, vacilante:
  • - Eu adéquo?
  • - Não, senhor.
  • - Eu adeqúo? Não pode ser.
  • - E não é mesmo.
  • - Então, como é que é?
  • - Quer dizer que você não sabe?
  • - Deixe de suspense. Diga logo.
  • - Não tem. É verbo defectivo.
  • - E você me telefonou para isso? Verbo defectivo. Tudo bem. Eu não teria
  • mesmo oportunidade de usar esse verbo na primeira pessoa do singular do presente
  • do indicativo. Nunca me adéquo a questões como esta.
  • - Presente do indicativo ou indicativo presente? - é a minha vez de perguntar.
  • No nosso tempo era indicativo presente.
E é a vez dele não saber. Desculpa-se dizendo que andaram mudando
tanto a nomenclatura gramatical, que a gente acaba não sabendo mais nada.
  • - E o verbo delinquir? - torna ele.
  • - Que é que tem o verbo delinquir - quero saber, cauteloso.
  • - A primeira do singular?
  • - Não tem. Também é defectivo.
          Mas ele é teimoso:
  • - E se um criminoso quiser dizer que não delinque mais?
  • - Se usar esse verbo, já delinquiu.
  • - Então me diga uma coisa: você sabe qual é a primeira do singular do verbo parir no
  • indicativo?
  • - Ninguém pare no indicativo.
  • - Pare, e em todos os tempos, meu velho.
  • - Esse, quem não corre o risco de usar sou eu.
  • - Pois então fique sabendo: é simplesmente igual à primeira pessoa do singular do
  • verbo pairar.
  • - Eu pairo?
  • - É isso aí. Uma senhora que tem muitos filhos pode perfeitamente dizer:
  • eu pairo um filho por ano.
  • É a vez dele:
  • - Você sabe qual é o plural de mel?
  • - Já vem você. Mel não tem plural.
  • - Como não tem? Tem até dois.
- E me conta que outro dia um entendido em mel fazia uma preleção
sobre o assunto na televisão. No que saiu do singular para se meter no plural,
quebrou a cara: Acabou falando que existem muitos mels diferentes.
  • - E não existem?
  • - Existem. Mas não mels. Com essa ele se deu mal.
  • - Se deu mel, então.
Era a asa da imbecilidade começando a ruflar aos meus ouvidos:
  • - Ou você vai me dizer que mel também é defectivo?
  • - Perguntei à uma amiga que entende.
  • - De mel?
  • - Não: de plural. Ela confirmou: tanto pode ser méis como meles.
  • Mels é que jamais.
     A esta altura o mentecapto fala mais alto dentro de minha cabeça:
  • - Dos meles, o menor.
  • Como ele não responde, acrescento:
  • - Até logo. Melou o assunto.
E desligo o telefone.

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