Tenho vários irmãos que gostam muito de xadrez. Como somos dez, em meus tempos de solteira, havia épocas em que se passando pelo corredor, em cada quarto se vislumbravam dois jogadores debruçados sobre um tabuleiro de xadrez. Por isso, fiz uma espécie de resenha do livro acima, "Le Joueur d´échecs":
Nele um dos personagens, austríaco, é preso pela Gestapo e confinado em um quarto hermeticamente fechado para o mundo exterior, contendo apenas uma porta, uma cama, uma cadeira, uma bacia e uma janela gradeada. A porta permanecia trancada noite e dia, sem que ele tivesse acesso a um livro, a um jornal, papel ou lápis. Ele estava imerso no nada. Tiraram-lhe seu relógio, para que não mensurasse mais o tempo; sua caneta para que não mais escrevesse; seu canivete para que não cortasse suas veias; e cigarro, era coisa proibida. A única figura humana que via era a do carcereiro, que tinha ordem de não lhe dirigir a palavra e de jamais responder-lhe a qualquer pergunta. Ele nunca ouvia uma voz humana. Dia em noite, seus olhos, orelhas e demais sentidos não encontravam o menor alimento. Ele ficava só, desesperadamente só, frente a si mesmo, com seu corpo e quatro ou cinco objetos mudos: a mesa, a cama, a janela, a bacia. Vivia como um mergulhador sob seu aparelho de mergulho, nesse negro oceano de silêncio, mas, como um mergulhador pressentindo já que a corda que o ligava ao mundo se rompera, e que ele nunca seria içado dessas profundezas mudas. Não havia nada a fazer, nada a ouvir, em volta de si reinava o nada vertiginoso, um vazio sem dimensões no espaço e no tempo. Ia e vinha em seu quarto, com pensamentos que surgiam em sua mente, sem trégua, seguindo o mesmo movimento. Mas, por mais desprovidos de matéria que pareçam, os pensamentos necessitam também de um ponto de apoio, sem o qual giram em voltam de si mesmos em um louco redemoinho. Eles também não suportam o vazio. De manhã à noite, esperava por alguma coisa que nunca acontecia. Esperava, recomeçava a esperar e nada. Os pensamentos giravam em sua cabeça até suas têmporas doerem.
“Isso durou quinze dias nos quais vivi fora do tempo, fora do mundo. Para mim, este consistia em uma mesa, uma porta, uma cama, uma bacia, uma janela e quatro paredes. Enfim começaram os interrogatórios. Eu era chamado bruscamente sem saber se era noite ou dia. Era conduzido por corredores para lugar ignorado...”
Resumindo, para esses interrogatórios, esperar fazia parte do método. Começava-se por abalar os nervos do acusado indo buscá-lo no meio da noite. Depois, quando ele havia se recobrado, reunindo todas as suas energias para a audiência, faziam-no, para domá-lo no corpo e na alma, esperar durante uma hora, duas horas, três horas antes de interrogá-lo.
Apesar da ansiedade e do cansaço decorrente, era, contudo, um alívio estar em outro cômodo. Seus olhos bebiam detalhes estúpidos e insignificantes, e ... de repente eles se fixaram. Havia descoberto alguma coisa protuberante no bolso de um dos casacos dos guardas, dependurados em um cabide. Aproximou-se e acreditou reconhecer, através do tecido o formato retangular de um livro. Um livro!
Com habilidade, dissimulou e se apoderou do volume. De volta ao quarto, após passar por várias peripécias, como a ter que simular um acesso de tosse, para recolocar em sua cintura o livro que escorregava pela perna, qual não foi seu espanto ao deparar com representações tais como: a2-a3, Sf1-g3 (estou estranhando esses movimentos e como o manual de xadrez foi emprestado há séculos, vou perguntar ao irmão campeão o que um S estaria fazendo ali.)
A princípio, essa espécie de álgebra era incompreensível para o nosso personagem. Mas pouco a pouco, vendo que se tratava de um manual de xadrez, compreendera que as letras a, b, c designavam as linhas longitudinais e os números de 1 a 8 as transversais. Encurtando a história, ele, com o lençol fez um tabuleiro de xadrez e com migalhas de pão as peças, sendo as pretas as que tinham mais quantidade de poeira (!). Durou três meses seu cativeiro e, quando foi libertado, lógico que venceu o campeão mundial de xadrez...
Nele um dos personagens, austríaco, é preso pela Gestapo e confinado em um quarto hermeticamente fechado para o mundo exterior, contendo apenas uma porta, uma cama, uma cadeira, uma bacia e uma janela gradeada. A porta permanecia trancada noite e dia, sem que ele tivesse acesso a um livro, a um jornal, papel ou lápis. Ele estava imerso no nada. Tiraram-lhe seu relógio, para que não mensurasse mais o tempo; sua caneta para que não mais escrevesse; seu canivete para que não cortasse suas veias; e cigarro, era coisa proibida. A única figura humana que via era a do carcereiro, que tinha ordem de não lhe dirigir a palavra e de jamais responder-lhe a qualquer pergunta. Ele nunca ouvia uma voz humana. Dia em noite, seus olhos, orelhas e demais sentidos não encontravam o menor alimento. Ele ficava só, desesperadamente só, frente a si mesmo, com seu corpo e quatro ou cinco objetos mudos: a mesa, a cama, a janela, a bacia. Vivia como um mergulhador sob seu aparelho de mergulho, nesse negro oceano de silêncio, mas, como um mergulhador pressentindo já que a corda que o ligava ao mundo se rompera, e que ele nunca seria içado dessas profundezas mudas. Não havia nada a fazer, nada a ouvir, em volta de si reinava o nada vertiginoso, um vazio sem dimensões no espaço e no tempo. Ia e vinha em seu quarto, com pensamentos que surgiam em sua mente, sem trégua, seguindo o mesmo movimento. Mas, por mais desprovidos de matéria que pareçam, os pensamentos necessitam também de um ponto de apoio, sem o qual giram em voltam de si mesmos em um louco redemoinho. Eles também não suportam o vazio. De manhã à noite, esperava por alguma coisa que nunca acontecia. Esperava, recomeçava a esperar e nada. Os pensamentos giravam em sua cabeça até suas têmporas doerem.
“Isso durou quinze dias nos quais vivi fora do tempo, fora do mundo. Para mim, este consistia em uma mesa, uma porta, uma cama, uma bacia, uma janela e quatro paredes. Enfim começaram os interrogatórios. Eu era chamado bruscamente sem saber se era noite ou dia. Era conduzido por corredores para lugar ignorado...”
Resumindo, para esses interrogatórios, esperar fazia parte do método. Começava-se por abalar os nervos do acusado indo buscá-lo no meio da noite. Depois, quando ele havia se recobrado, reunindo todas as suas energias para a audiência, faziam-no, para domá-lo no corpo e na alma, esperar durante uma hora, duas horas, três horas antes de interrogá-lo.
Apesar da ansiedade e do cansaço decorrente, era, contudo, um alívio estar em outro cômodo. Seus olhos bebiam detalhes estúpidos e insignificantes, e ... de repente eles se fixaram. Havia descoberto alguma coisa protuberante no bolso de um dos casacos dos guardas, dependurados em um cabide. Aproximou-se e acreditou reconhecer, através do tecido o formato retangular de um livro. Um livro!
Com habilidade, dissimulou e se apoderou do volume. De volta ao quarto, após passar por várias peripécias, como a ter que simular um acesso de tosse, para recolocar em sua cintura o livro que escorregava pela perna, qual não foi seu espanto ao deparar com representações tais como: a2-a3, Sf1-g3 (estou estranhando esses movimentos e como o manual de xadrez foi emprestado há séculos, vou perguntar ao irmão campeão o que um S estaria fazendo ali.)
A princípio, essa espécie de álgebra era incompreensível para o nosso personagem. Mas pouco a pouco, vendo que se tratava de um manual de xadrez, compreendera que as letras a, b, c designavam as linhas longitudinais e os números de 1 a 8 as transversais. Encurtando a história, ele, com o lençol fez um tabuleiro de xadrez e com migalhas de pão as peças, sendo as pretas as que tinham mais quantidade de poeira (!). Durou três meses seu cativeiro e, quando foi libertado, lógico que venceu o campeão mundial de xadrez...
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