"... Cercas delimitando
cantos que não seriam cantos se não houvesse as cercas arbitrárias."
(Já vejo por outro ângulo: Graças às cercas, a infinitude cansativa se
torna um cantinho aconchegante.)
"Com uma sabedoria
instintiva, Ermelinda não demonstrou que notara o seu passo para ela,
assim
como não se dá um grito de alegria quando uma criança começa a andar, para
que
esta não pare assustada por meses."
"Se uma pessoa fizesse
apenas o que entende, jamais avançaria um passo."
"Um pouco vivida, sabia que
na hora as coisas pareciam certas e depois não pareciam mais."
"Quando tomo um calmante,
não ouço meu grito, sei que estou gritando, mas não ouço."
"De repente pareceu a Martin
que ele andara em caminhos superpostos. E que sua verdadeira
e invisível jornada
se fizera na realidade embaixo do caminho que ele julgara palmilhar.
E que
a verdadeira jornada estava agora saindo subitamente à luz como de um
túnel."
"... aquela iminência para a
qual tudo pareceu debruçado."
“- E a senhora, por que veio para
cá?
- Que pergunta estúpida. É
como se eu lhe perguntasse: por que é que o senhor vive!
- Porque tenho certo
instante em vista, disse ele."
"Deus sabe que há pessoas
que não podem viver com a felicidade que há dentro delas,
e então Ele lhes
dá uma superfície de que viver, e lhes dá uma tristeza."
“É preciso ter técnica para
pedir. Não é só dizer "me dá" e acabou-se! É preciso pedir
disfarçando.
Se a senhora precisa de um par de sapatos, o mais aconselhável
seria dizer aos pouquinhos:
meus sapatos estão velhos. Compreende? Seu
marido um belo dia acordaria de manhã e,
sem ao menos saber por que, diria
assim: Vitória, meu amor, vou lhe dar um par de sapatos!
Receber pedidos
assusta muito as pessoas, que, no entanto, às vezes estão doidas para dar,
entendeu?"
"... consigo levava a
impressão que hoje, agora, neste momento, enfim se revelava.
Como se
tivesse guardado tanto tempo que o acontecimento enfim exalasse um maduro
odor
de fruto, e o vinho que fora novo tinha ganho espessura e essa
qualidade que ilumina uma taça."
“A senhora olhou aquele homem,
aquele homem que era cruamente o dia de hoje, e como tocar diretamente no
dia de hoje, nós que somos hoje?
E tudo é teu se tiveres
coragem de olhar de frente, mas de súbito, naquele homem ali,
o tempo viera
de tão longe para se esborrachar em: hoje! Urgente instante de agora.
Por erro de vida - e bastava um
erro, nessa coisa frágil que é a direção, para que a pessoa
não chegue -
por um erro de vida ela jamais usara o silencioso pedido que usamos
que faz
com que os outros nos amem."
"Sobressaltou-se de novo,
ainda não firme naquelas pernas que lhe estavam sendo dadas.
E como um cego
que tivesse recobrado a visão e não reconhecesse com os olhos aquilo que
mãos sensíveis sabiam de cor, ela então fechou um instante as pálpebras,
tentando recuperar o conhecimento íntegro anterior; abriu-as de novo e
procurou fazer das duas imagens uma só."
“Preciso me exagerar. Senão que é
que faço de mim pequena?”
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Adoro Clarice, Ângela? Você leu a biografia dela escrita por Benjamim Mozer? É imperdível!
ResponderExcluirNão li essa biografia. Na verdade, não gosto de tudo o que ela escreveu. Desse livro, por exemplo, "A Maçã no escuro", extraí, a meu ver, o melhor dele.
ResponderExcluirO resto é loucura. Confesso que quase desisti de lê-lo.
Em compensação, estou adorando o livro que você me indicou " Traduzindo Hannah", do Ronaldo Wrobel. E acho que alguém deveria escrever a sua biografia!