sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Geovanas, Jocileides e a burocracia - Angela Delgado

      
     Filha Casada, com problemas em seu telefone, colocou o meu no jornal em um anúncio à procura de uma babá.
     Foram quase 200 telefonemas em apenas dois dias, em que houve de tudo:  chamadas a cobrar; ligações em que fui tratada por gatinha; minha linda, até uma candidata que falava francês! Esta assustou-me, fazendo-me suspeitar de que fizesse parte de uma rede internacional de sequestradores. Não. Apenas trabalhara quatro anos na França, tomando conta de uma criança ou seja, na qualidade de"au pair", como dizem os franceses.
    Não podia me concentrar no computador ou fazer café, e muito menos tomá-lo.
     As Adrianas, Alines, Anízias, Catarinas, Geovanas, Jocileides, Josélias, Luísas, Marinas, Marias, Osanas, Roses, Selmas, não me deixaram sentir solidão.
     Apresentaram-se, prometeram voltar, mas não o fizeram, talvez amedrontadas pelas crianças: três mosqueteiros e uma princesa, de brinde.
     Nesse ínterim, Filha Antropóloga passara no concurso para o Ministério da Educação e precisava apresentar seus títulos que se resumiam a um, já que ainda não havia concluído o mestrado.
     Estando ela em outra cidade, coube-me telefonar para requerer a declaração atestando que ela trabalhara, durante dois anos, como professora da Fundação, o que lhe adicionaria oito pontos em seu  resultado. Declaração para amanhã? Impossível. Terei que entregar mais de quinhentas.
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Mas, mãe, já a pedi há meses! Deve estar pronta.
     Às oito da manhã, estaciono no estacionamento ainda vazio, que bom, só que declarações eram entregues a partir das dez horas.
     Volto às dez. Em que mês sua filha fez o pedido? Vocês não arquivam por ordem alfabética? Não, pelo mês da requisição.
     Não tenho como falar com a Filha Requerente e preciso do papel para ontem. Por sorte, a funcionária, em menos de dez minutos, achara a declaração.
   Saí exultante. Agora restava apenas reconhecer firma, tirar xerox e enviá-la pelos Correios. No cartório, algum corretor, à espera de sua cliente que não chegava, trocara sua senha pela minha; ganhei mais alguns minutos em minha corrida contra o tempo. Que menina sortuda essa Filha Antropóloga. Mas aí Deus achou que já havia me concedido muito. A máquina de xerox não estava funcionando e o Sedex não poderia entregar o envelope no dia seguinte, pois era feriado. Ao lado, uma loja transportadora de cargas expressas o faria, porém mediante quantia tão exorbitante, que retruquei: Por esse preço, pego o avião e levo pessoalmente.
     Solução: Filha Antropóloga, via fax, me passou uma procuração.
     Só não entendi por que para obter a declaração, não me fora requisitada a carteira de identidade se para entregá-la, além da carteira de identidade, era preciso uma procuração.
     De curiosidade em curiosidade, finalizo com o fato de minha “maturidade” ter achado um ótimo meio de saber onde coloquei certos objetos. Por exemplo, um saquinho bem pequeno de plástico, que achei ter utilidade futura, foi guardado na letra “p” da pasta sanfonada de documentos, e me divirto comigo mesma, constatando a hilaridade da faixa etária.
     O que será que ainda vai parar nessa pasta? Celular e chaves na letra “c”, óculos no “o” e assim por diante.

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