De volta a Brasília, releio um trecho de um livro da Clarice Lispector:
"Havia em Recife as ruas dos ricos, ladeadas por palacetes que ficavam no centro de grandes jardins. Eu e uma amiguinha brincávamos muito de decidir a quem pertenciam os palacetes.
- Aquele branco é meu.
- Não, eu já disse que os brancos são meus.
- Mas esse não é totalmente branco, tem janelas verdes."
Vem-me à lembrança a fantasia que tínhamos, minha irmã e eu, de sermos outras pessoas: Éramos Sônia e Ana, e eu, a primeira ou a segunda (não me lembro mais), por ser na realidade a número quatro entre inúmeros irmãos e suspeitar que deveria ser caro aprender balé, tinha então a fantasia não de possuir isso ou aquilo, mas sim a de ter aulas disso e daquilo. Das oito às nove era o balé; das nove às dez, patinação; das dez às onze aulas de equitação; à tarde, depois do colégio, aulas de línguas... E tudo voluntariamente, sem qualquer coerção materna.
E de fantasia em fantasia, acabei mesmo me enfronhando nas Línguas. Como prova, segue abaixo uma tradução:
“Entendemos por ‘poesia’, não apenas as palavras e as fórmulas dos poetas, mas um impulso místico, amalgamável, extático, visível ou latente em cada um de nós. Ele se manifesta através das palavras, mas também pelas emoções, paixões, sobressaltos, arrebatamentos, cantos, danças.”
Estou lutando no momento contra outro tipo de sobressalto. Aquele que me deixa apavorada, ao sentir quão frágil é a linha entre a sanidade e a insanidade. Sinto que a solução é alargar essa linha com muita emoção, paixão, arrebatamento, canto e dança.
E aí me transformei em blogueira!
Há anos que desejava transmitir as músicas de que gostava e, em minha santa ingenuidade, achava que isso demoraria muito para ser possível. Então, o segredo é desejar, e o universo nos satisfará. Daí a minha felicidade, aliás, alegria, já que é isso que importa, pois como disse John Locke: “Pergunte a si mesmo se você é feliz, e deixará de ser.”
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