domingo, 31 de julho de 2011

Medo da eternidade

                                                             Clarice Lispector
    
     Jamais esquecerei o meu aflitivo e dramático contato com a eternidade.
     Quando eu era muito pequena ainda não tinha provado chicletes e mesmo em Recife falava-se pouco deles. Eu nem sabia bem de que espécie de bala ou bombom se tratava.  Mesmo o dinheiro que eu tinha não dava para comprar: com o mesmo dinheiro eu lucraria não sei quantas balas.
     Afinal minha irmã juntou dinheiro, comprou e ao sairmos de casa para a escola me explicou:
     - Tome cuidado para não perder, porque esta bala nunca se acaba. Dura a vida inteira.
     - Como não acaba? – Parei um instante na rua, perplexa.
     - Não acaba nunca, e pronto.
     Eu estava boba: parecia-me ter sido transportada para o reino de histórias de príncipes e fadas. Peguei a pequena pastilha cor-de-rosa que representava o elixir do longo prazer. Examinei-a, quase não podia acreditar no milagre. Eu que, como outras crianças, às vezes tirava da boca uma bala ainda inteira, para chupar depois, só para fazê-la durar mais. E eis-me com aquela coisa cor-de-rosa, de aparência tão inocente, tornando possível o mundo impossível do qual eu já começara a me dar conta.
     Com delicadeza, terminei afinal pondo o chiclete na boca.
     - E agora que é que eu faço? – Perguntei para não errar no ritual que certamente deveria haver.
     - Agora chupe o chiclete para ir gostando do docinho dele, e só depois que passar o gosto você começa a mastigar. E aí mastiga a vida inteira. A menos que você perca, eu já perdi vários.
     Perder a eternidade? Nunca. O adocicado do chiclete era bonzinho, não podia dizer que era ótimo. E, ainda perplexa, encaminhamo-nos para a escola.
     - Acabou-se o docinho. E agora?
     - Agora mastigue para sempre.
     Assustei-me, não saberia dizer por quê. Comecei a mastigar e em breve tinha na boca aquele puxa-puxa cinzento de borracha que não tinha gosto de nada. Mastigava, mastigava. Mas me sentia contrafeita. Na verdade eu não estava gostando do gosto. E a vantagem de ser bala eterna me enchia de uma espécie de medo, como se tem diante da idéia de eternidade ou de infinito.
     Eu não quis confessar que não estava à altura da eternidade. Que só me dava era aflição. Enquanto isso, eu mastigava obedientemente, sem parar.
     Até que não suportei mais, e, atravessando o portão da escola, dei um jeito de o chiclete mastigado cair no chão de areia.
     - Olha só o que me aconteceu! – Disse eu em fingidos espanto e tristeza. Agora não posso mastigar mais! A bala acabou!
     - Já lhe disse, repetiu minha irmã, que ela não acaba nunca. Mas a gente às vezes perde. Até de noite a gente pode ir mastigando, mas para não engolir no sono a gente prega o chiclete na cama. Não fique triste, um dia lhe dou outro, e esse você não perderá.
     Eu estava envergonhada diante da bondade de minha irmã, envergonhada da mentira que pregara dizendo que o chiclete caíra da boca por acaso.
     Mas aliviada. Sem o peso da eternidade sobre mim.
      




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