segunda-feira, 16 de abril de 2012

Benditos os que semeiam - Cinthia Kriemler



No princípio, era só uma terra árdua, de serventia alguma. Uma terra sem promessas, que se negava ao ofício de fazer-se berço.

Havia, no horizonte, um cinza intenso igualando chão e céu. Uma conformação, um abandono, uma sina cansada de abortar vontades. Uma esperança esterilizada a pontapés e tapas, para que não se atrevesse a vingar pela gota de um esperma traiçoeiro.

E nem semeadura, nem germinação, nem colheita aconteciam àquela terra árdua. Era tudo... um nada.

Mas, um dia, aquela terra seca contorceu-se.

Alguém a penetrava em sussurros, em cócegas dedilhadas. Alguém a revolvia, e a umedecia, e a obrigava a raízes que se agarravam às suas fendas grossas e fundas, e a conduzia a um gozo morno e aconchegante. Alguém não desistia dela.

E veio, enfim, o verde, tímido tapete exposto à superfície para sentir o vento. E veio, enfim, a chuva, que atraída por tanta cor de primavera deitou-se em dengos com aquele mato cheiroso.  E a dor da ceifa verteu-se em descanso, e depois em novo coito, e em seguida em novo arranque, alimentando ciclos que só se rompem pela colheita da morte.

Seria assim também com os homens — esse solo árido que ora se acomoda às alienações do fácil, ora segue prisioneiro de dominações não consentidas —, criaturas impedidas da fertilidade pelos que não compartilham claridade.

Seria exatamente assim com os homens, não fossem os que insistem em semear pensamentos, não fossem os que persistem em aguar reflexões, não fossem os que não abrem mão de colher fruto, flor ou mato verde.

Seria assim...

Não fossem esses que, benditos, semeiam a palavra. Que, benditos, regam a luz. Que, benditos, comungam crescimento.

Cinthia Kriemler

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