terça-feira, 9 de abril de 2013

Chave Mestra - Jair Francisco da Silva Jr.


A CHAVE MESTRA

(um Conto de Fadas – ou de terror – em oito capítulos)

Prólogo - O Paço dos Afetos.

O coração é uma morada de sonhos e ilusões!

É um enorme paço com um labirinto de salas

Onde habitam os seres objetos de nossos afetos!

Há espaço para uma corte

Numerosa e privilegiada:

Algumas pessoas trancamos,

Muitas expulsamos

E outras livremente transitam

Pelos cômodos abertos

– vivem onde querem!

Mas há determinados cômodos

Trancados, fechados à visitação:

As bibliotecas da sabedoria;

Os escritórios dos segredos,

Com seus pequenos cofres;

Os porões dos instintos;

As masmorras do abandono

E do esquecimento;

Os salões de festas dos afetos

E os aposentos dos desejos!

Para apenas uma pessoa

Dou a áurea Chave Mestra

– não existem cópias –

E essa privilegiada alma

Torna-se do paço a Rainha!

Capítulo I - A Rainha de Copas (Era uma vez...).

Com meu sangue desenhei

Selos de proteção nas portas,

Acessos e janelas de todo o paço,

Valendo-me de antigos ritos

Da Magia da Fidelidade

– magia poderosa

e há muito esquecida!

Na alcova real podia-se ouvir

A lareira sempre a crepitar

Com os fogos intensos do amor,

Aquecendo o leito de deleites!

Por longas horas sentava-se a Rainha

Frente à penteadeira composta

Por dois espelhos à guisa de amplas janelas,

Com luxuosa vista para minha alma!

Neles se via refletida

E se achava bela,

Mas apenas estava

A contemplar minha alma

Gêmea com a sua

– assim ansiava!

Invadindo outros Contos

– como quem invade sonhos –

Perguntava aos espelhos

Se era a mais bela,

E olhando em seus olhos

Eu sempre lhe respondia

Com um sorriso e uma afirmativa,

Mas não me ouvia ou sequer me via,

Nem podia sentir o calor abrasador

De minha constante presença:

Pelos esplêndidos espelhos

Se encontrava hipnotizada

E todo o meu amor ignorava!

Lentamente penteava tristezas e ilusões;

E por longas horas se maquiava,

Sempre retocando e borrando

Ao maquiar sinceridade,

Honestidade e beleza,

Em uma vã tentativa

De aparentar nobreza

E ocultar seu verdadeiro berço!

Capítulo II - Desfilando Soberba: A Deusa dos Afetos!

Muito havia

Para se contemplar em minha alma,

Porém a Rainha apenas conseguia

Ver a si mesma refletida em meus olhos

De forma egoísta e convencida!

Meu amor recendia em cada nicho,

Em cada fresta, e minha presença

Todo o paço iluminava e aquecia,

Mas importância a isso ela não dava

– a plenitude do amor não a interessava,

apenas os esplendores por ele oferecidos!

Ela vestia o manto

Do meu amor e desfilava

De maneira esnobe,

Sentindo-se a Deusa dos Afetos

– ficava se admirando

frente aos espelhos,

coberta de escarlate!

Desfrutava de todas as benesses do amor,

Mas não o queria e não o alimentava

– de tão forte, mesmo assim sobrevivia!

E passou a se apegar

A todo esse luxo

E a temer perdê-lo;

Seu coração nublou-se,

Formando um tempo

Tempestuoso a pretejar

Sua mortiça alma argêntea!

Capítulo III - A Senhora do Destino.

Mal intencionada e desconfiada,

Vasculhou a Rainha os porões,

As masmorras, os escritórios

E todos os aposentos que encontrou,

Mas em nenhum deles havia vida,

Pois só havia pessoas

Nos cômodos destrancados,

E eram pessoas amadas

De formas muito variadas,

Menos da forma que temia!

Deixou intacta, porém,

A biblioteca, desprezando

Os conhecimentos do coração

– a aspirada sabedoria!

Não satisfeita,

Continuou a busca por alguns anos

Sem jamais encontrar aias,

Cortesãs, concubinas, amantes... nada!

Até que a insegurança,

Os temores e a curiosidade cessaram,

E então, convencida de que era a única,

Sentiu-se a senhora do meu destino!

Sob seus cuidados deixei o paço

E com ele não mais me preocupei;

Dei-lhe liberdade para decorá-lo

Como lhe aprouvesse,

E para seu acesso

Controlar como quisesse!

E por muitos anos vivi tempos de paz

E felicidade por ter entregado a posse

Do meu coração a quem mais amava!

Capítulo IV - A Rainha Má!

Um dia se cansou a Rainha

Do luxo do paço, pois nada pôde

Encontrar para a si mesma preencher!

Nem todos os esplendores

Do paço dos afetos foram capazes

De preencher o abismo em sua alma,

Nem o vazio em seu coração,

E então, um dia, atirou ao mármore

A dourada coroa cravejada

De belíssimas gemas

Que cingia sua bronzeada

E abundante cabeleira;

Enfurecidamente

Se dirigiu à saída

Abrindo-a com violência;

E sem olhar para trás

Deixou a minha vida

Com odiosa inconsequência!

Senti o impetuoso vento frio

Do Inverno a invadir o recinto

E comecei a tremer,

Com as lágrimas se cristalizando na tez,

Embelezando o semblante

De sofrimento e desespero

– não pôde o gosto salobro

tocar o amargor dos meus lábios!

Esse foi o prenúncio de algo terrível,

De uma chama que se apagaria,

Do funeral do amor e dos meus dias!

Capítulo V - A Mortalha de Gelo!

Com o paço em avalanche

Sob espessas camadas de gelo,

Qual gélido e oportuno esquife,

A dor do Inverno seus habitantes sentiam,

Mas ideia não tinham

Da dimensão da minha dor ao ver

O trono abandonado e o leito vazio!

Decidido a guardar luto eterno,

As trevas e o frio avançavam

Cada vez mais pelo paço!

Estando em profunda melancolia,

Guardava planos sinistros e tétricos

De abandoná-lo – tirar-lhe a alma!

Agora, inerte e estendido

Sobre a frialdade do pétreo piso,

Sinto-me pluma ao vento,

E sinto o leve toque de uma mortalha

A me acariciar com amargor e aprisionar,

Então entendo que o meu corpo frio

Foi encontrado pelos ínclitos cortesãos!

Passo a ouvir lamentações

Melodiosas vindas de algum lugar!

Por vezes parecem lamúrias,

Por vezes canto fúnebre,

E penso tratar-se

De uma última homenagem

Ou de espectros

A me chamarem para junto de si,

Mas algo dentro de mim desperta

E encontro forças para mover

Assustadoramente a nevada mortalha,

Espantando a todos os presentes

Com um sopro de vida – um suspiro!

Vivo – ainda que uma bruxuleante

e fraca chama – levanto e vejo o terror

Nos olhos de quem não desfaleceu

Ou abandonou espavorido o recinto

– trecho de um Conto de Terror perdido!

Capítulo VI - O Labirinto de Mistérios!

Estranhamente,

Continuo a ouvir

As lamentações ao longe,

E me dou conta

De que não eram cantos

Para meu funeral adornarem!

Sigo o misterioso e belo

Canto tétrico e me perco

Em meu próprio labirinto

De melancolia e medo,

Mas passo a sentir

Um perfume familiar

Pelo caminho a me orientar!

Meus pés em passos

Passam a lembrar

O caminho que passa

A me parecer familiar!

As lamentações

Cada vez mais altas;

E o perfume

Cada vez mais forte...

Quando percebo,

Detenho-me diante

De uma acróstica porta selada

Com o meu próprio sangue

Por meio dos símbolos

E letras do Alfabeto das Bruxas

Correspondentes

À Magia da Fidelidade

Como em todas as outras portas,

Mas próxima à fechadura dessa,

Com o mesmo sangue,

E com minha caligrafia,

Uma inscrição em latim pode ser lida:

Ignis

Patronus

Veritas

Capítulo VII - A Chave Mestra!

Com o peito em fortes

E ressonantes badaladas,

Lembro-me do que encerrei

No misterioso aposento

Em um tempo muito distante,

E de forma descontrolada e aflita

Busco em meus bolsos a Chave Mestra

Que à antiga Rainha pertencia!

Com as mãos trêmulas

Perco a respiração!

Detém-se o canto

E detém-se o tempo

No eterno instante da chave

A introduzir na fechadura uma reviravolta

Em minha desafortunada vida:

Abre-se o ranger de emoções

Há muito enferrujadas,

Empoeiradas, envelhecidas,

E um hálito de esperança

Exala o quarto imerso em trevas!

Volta o pêndulo a se mover

Com seu forte badalar em meu peito,

E em um átimo invado o aposento

Desesperado em busca de vida,

Mas já não se ouve o canto,

Em um aterrador silêncio!

No fundo do aposento,

Uma quase extinta vela

Fracamente ilumina

O solo fértil do meu paço.

Com as rótulas a desabar

Ruidosamente sobre o chão,

Inclino-me sobre a planta seca

Da murcha flor Amarílis!

Pobre habitante

Do quarto escuro e esquecido,

Tão perdida em meio

Ao labirinto de salas

– nem mesmo eu lembrava

de sua existência e localização,

e para a antiga Rainha

passou despercebida!

Foi tarde demais:

O ranger da esperança

Abafou seu último suspiro!

Capítulo VIII - A Dama de Ouros.

Com o coração em degelo

Pelo fogo-fátuo da falsa esperança,

Rios escorrem e se juntam

Ao mar de agonia,

Inundando minha alma

E transbordando por suas janelas

Em cataratas a banharem o rosto

E a se precipitarem qual invernal

E lúgubre chuva salobra a regar

A planta postumamente

Em seu majestoso túmulo!

Instantes intermináveis

Em prantos ressoam

Solitários pelas paredes;

E quando finalmente consigo conter o sal,

Noto com surpresa e felicidade suprema

Que volta a florescer a Amarílis;

E me recordo que faz parte de sua natureza

Manter a vida em morte aparente

Nos tempos difíceis para depois

Ressuscitar e florescer no tempo certo

– arcanos da poderosa Magia das Estações!

Então percebo que a flama

– fraca, mas persistente –

Era um sinal de que havia ainda

Amor e vida em seu interior,

Crescendo no ventre da terra;

Um amor tão grande e forte

Que iluminava debilmente o recinto

E sobreviveu ao tempo,

À clausura e desamor,

Ao ostracismo e esquecimento!

Minhas lágrimas romperam o selo,

E agora um antigo amor

Passou a florescer em meu paço,

Um amor que nunca havia morrido – eterno?

Rompido o encantamento,

Agora a vejo transfigurada em ninfa,

Como nos idos de minha cândida alvorada,

Com todo o seu esplendor!

Sempre mantive fechada essa porta,

Trancada pela chave da fidelidade,

Que nem sempre é a mesma chave

Que abre as portas da felicidade,

Mas assim que rompi o selo

Me libertei e fiquei livre para amar:

A débil chama em archote se converteu

E com ele iluminei até a sala mais isolada

E oculta do meu Ser – finalmente retomei

o controle do meu preclaro paço!

Assim foi o fim do rigoroso Inverno

E o início da perfumada Primavera

– em todo o extenso Reino encantado

com a fugacidade de um idílico momento,

deu-se a celebração da equinocial festividade!

Agora pergunto se mesmo

De maneira doce e ingênua,

Podemos nos atrever a dizer:

 “E viveram felizes para sempre!”;

Nunca em um Conto para adultos!

FIM

Epílogo - A Coroação da Carta!

O coração é um labirinto de mistérios!

É um complexo de salas, passagens

E acessos que levam a lugares insólitos

E dimensões desconhecidas!

Se os olhos são as janelas da alma,

No coração está o seu portal de acesso,

O espelho mágico interdimensional

Que nos leva a planos elevados de consciência!

É um grande paço construído

Em variados planos e camadas

Onde se pode guardar alguém

Em uma de suas muitas salas

E em sua alcova amar a outrem!

Ela esteve longe da mente,

Longe do corpo e da alma,

Mas bem escondida

E abrigada no coração,

“Trancada a sete chaves”!

Ao trono que sempre lhe foi de direito a levei,

E passará a reinar sobre toda minha vida

– a antiga Rainha de Copas não passava

de usurpadora ardilosa nesse jogo de cartas

com tema surreal de Conto de Fadas

onde agora finalmente dou as cartas!

Em cerimônia solene de coroação com flores

– símbolo singelo das virtudes da alma –

Dou à nova Rainha, a Dama de Ouros,

O tesouro mais valioso do meu egrégio paço:

A CHAVE MESTRA!

Jair F. da Silva Jr.

05/03/2013

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2 comentários:

  1. Querida amiga, fico muito feliz e honrado por ter sido convidado a participar como autor convidado no seu ilustre Blog! Muito obrigado pela divulgação do meu Poema! Grande beijo!

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  2. Eu é que agradeço e me sinto honrada com a sua presença no blog. Logo que li sua maravilha, fiquei ansiosa por divulgá-la.
    Um beijo carinhoso.

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