O cenário é uma casa,
Cabana ou castelo.
Alguns manequins de plástico
são os atores:
Soldados rei, servos
- e alguém que já morreu.
Portas abrem ou fecham
Num longo corredor,
Para eu inventar objetos
E falas.
Porque teatro é mentira,
Posso mudar tudo:
Criar árvores no mar,
Pássaros e trilhas
que se entrecruzam
Incomunicáveis.
(Mas por cima,
Como estrelas,
eu vou botar
Palavras.)
A realidade é que família não é para “ser feliz”: é para lutar juntos, ou uns contra os outros; para preparar para futuros embates e decisões positivas; formar boas lembranças, ser base de projetos, dar força para guerras particulares que virão.
Todas as nossas atitudes são determinantes, também as mais escondidas. Nem sempre obedecemos a mitos ou enganos, mas cumprimos desejos legítimos e sonhos possíveis, como o de saciar as nossas grandes fomes.
As fomes que nos movem são a mola que leva nossa mão à maçaneta da próxima porta, atrás da qual vamos desenhar a casa da vida. É uma construção que vai se fazendo a posteriori após esse nosso gesto. Além de cada porta está no começo um vazio que temos de preencher com escolhas: nesse momento erguem-se paredes, e vamos pegando as tintas, os móveis, as falas, as ações, o curso de toda a nossa história.
Quero expandir o conceito de fome, que é o que impulsiona o sonho: o que interessa, o cerne, o caroço, o áspero e pesado material de construção de vida, corta nossa pele, lasca nossa alma, dobra nossos joelhos.
Não há receitas, neste universo de receitas até para ser feliz em dez lições a preços módicos; não há facilitadores, ainda que a gente diminua o nariz, preencha fendas, remova manchas, entorte a alma.
Há quem reclame: os policiais deviam ser menos brutais. Deviam, ao menos cuidar do lugar onde vão atingir os facínoras: “Quem sabe um tiro no braço ou no pé?” Tive de reler a notícia: estão brincando conosco? Imaginei o pobre policial com revolverzinho velho, mirando para o bandidão com fuzil de última geração e carrão importado e pedindo, licença, moço, vou dar só um tirinho no pé.
O banditismo floresceu por falta de autoridade e ordem, mas receio que agora qualquer rigor seja objeto de clamor dos defensores dos direitos da bandidagem, que deviam era cuidar das vítimas. Seria preciso conseguir com a máxima urgência leis atualizadas e firmes, incluindo a responsabilização por seus crimes de malfeitores de dezesseis anos ou menos, frequentemente verdadeiros monstros morais. E que não lhes permitissem, não importa a idade, saírem tão depressa das prisões: a quase totalidade volta a cometer seus crimes, – e um de meus, teus filhos, pode ser a próxima vítima.
A vida é uma longa construção: em geral a enxergamos como deterioração. Não conseguimos apreciar o outro lado, que é o acúmulo, experiência, serenidade, mínima sabedoria, mais tempo, quem sabe mais bondade. Construção de emoções positivas, com porões de tristezas e um sótão de decepções, mas a sala e os quartos arejados, com portas que podemos abrir para que se revele o que ainda virá em seguida e vai se desdobrar.
Isso é o que a “a gente decide”.
Fatalidades à parte, somos senhores de algumas cenas do espetáculo chamado vida, podemos modificar algumas falas, interferir no roteiro, escolher o personagem que somos e com quem desejamos contracenar. Tudo isso, ate certo ponto, pois as circunstâncias, a família de origem, as opções posteriores até o lugar onde vivemos têm seu peso, e não é pequeno.
Com tantas ilusões infantis, que arrastamos maturidade afora, não é fácil entender que não é preciso escalar o Himalaia intelectual ou social, ser uma pessoa famosa, um homem poderoso ou uma mulher deslumbrante para que a vida tenha sentido e se atinja um grau de harmonia, que chamo de felicidade. Encontrar o contentamento não tem a ver com carteiras, cartões, medidas e pele lisa, liderança óbvia ou alta competitividade.
Criar não está limitado aos artistas: cada um de nós cria sua hora e sua honra, seu dia e sua existência.
A cada dia de cada vida, realizamos um trabalho a quatro mãos: nós e o velho amigo-inimigo chamado destino, abrindo e povoando um espaço que a cada gesto e pensamento nosso se expande e se ilumina, ou se apaga na neblina dos desejos inúteis.
Essa é a nossa múltipla escolha.
Simples assim, complicado assim.
Cabana ou castelo.
Alguns manequins de plástico
são os atores:
Soldados rei, servos
- e alguém que já morreu.
Portas abrem ou fecham
Num longo corredor,
Para eu inventar objetos
E falas.
Porque teatro é mentira,
Posso mudar tudo:
Criar árvores no mar,
Pássaros e trilhas
que se entrecruzam
Incomunicáveis.
(Mas por cima,
Como estrelas,
eu vou botar
Palavras.)
A realidade é que família não é para “ser feliz”: é para lutar juntos, ou uns contra os outros; para preparar para futuros embates e decisões positivas; formar boas lembranças, ser base de projetos, dar força para guerras particulares que virão.
Todas as nossas atitudes são determinantes, também as mais escondidas. Nem sempre obedecemos a mitos ou enganos, mas cumprimos desejos legítimos e sonhos possíveis, como o de saciar as nossas grandes fomes.
As fomes que nos movem são a mola que leva nossa mão à maçaneta da próxima porta, atrás da qual vamos desenhar a casa da vida. É uma construção que vai se fazendo a posteriori após esse nosso gesto. Além de cada porta está no começo um vazio que temos de preencher com escolhas: nesse momento erguem-se paredes, e vamos pegando as tintas, os móveis, as falas, as ações, o curso de toda a nossa história.
Quero expandir o conceito de fome, que é o que impulsiona o sonho: o que interessa, o cerne, o caroço, o áspero e pesado material de construção de vida, corta nossa pele, lasca nossa alma, dobra nossos joelhos.
Não há receitas, neste universo de receitas até para ser feliz em dez lições a preços módicos; não há facilitadores, ainda que a gente diminua o nariz, preencha fendas, remova manchas, entorte a alma.
Há quem reclame: os policiais deviam ser menos brutais. Deviam, ao menos cuidar do lugar onde vão atingir os facínoras: “Quem sabe um tiro no braço ou no pé?” Tive de reler a notícia: estão brincando conosco? Imaginei o pobre policial com revolverzinho velho, mirando para o bandidão com fuzil de última geração e carrão importado e pedindo, licença, moço, vou dar só um tirinho no pé.
O banditismo floresceu por falta de autoridade e ordem, mas receio que agora qualquer rigor seja objeto de clamor dos defensores dos direitos da bandidagem, que deviam era cuidar das vítimas. Seria preciso conseguir com a máxima urgência leis atualizadas e firmes, incluindo a responsabilização por seus crimes de malfeitores de dezesseis anos ou menos, frequentemente verdadeiros monstros morais. E que não lhes permitissem, não importa a idade, saírem tão depressa das prisões: a quase totalidade volta a cometer seus crimes, – e um de meus, teus filhos, pode ser a próxima vítima.
A vida é uma longa construção: em geral a enxergamos como deterioração. Não conseguimos apreciar o outro lado, que é o acúmulo, experiência, serenidade, mínima sabedoria, mais tempo, quem sabe mais bondade. Construção de emoções positivas, com porões de tristezas e um sótão de decepções, mas a sala e os quartos arejados, com portas que podemos abrir para que se revele o que ainda virá em seguida e vai se desdobrar.
Isso é o que a “a gente decide”.
Fatalidades à parte, somos senhores de algumas cenas do espetáculo chamado vida, podemos modificar algumas falas, interferir no roteiro, escolher o personagem que somos e com quem desejamos contracenar. Tudo isso, ate certo ponto, pois as circunstâncias, a família de origem, as opções posteriores até o lugar onde vivemos têm seu peso, e não é pequeno.
Com tantas ilusões infantis, que arrastamos maturidade afora, não é fácil entender que não é preciso escalar o Himalaia intelectual ou social, ser uma pessoa famosa, um homem poderoso ou uma mulher deslumbrante para que a vida tenha sentido e se atinja um grau de harmonia, que chamo de felicidade. Encontrar o contentamento não tem a ver com carteiras, cartões, medidas e pele lisa, liderança óbvia ou alta competitividade.
Criar não está limitado aos artistas: cada um de nós cria sua hora e sua honra, seu dia e sua existência.
A cada dia de cada vida, realizamos um trabalho a quatro mãos: nós e o velho amigo-inimigo chamado destino, abrindo e povoando um espaço que a cada gesto e pensamento nosso se expande e se ilumina, ou se apaga na neblina dos desejos inúteis.
Essa é a nossa múltipla escolha.
Simples assim, complicado assim.
O livro parece ser muito interessante -- você fez uma boa seleção de extratos! Beijos!
ResponderExcluirLya Luft escreveu ótimos livros. Na semana que vem vou pegar outro dela na biblioteca. Adorei sua visita!
ResponderExcluirBeijos pra você também.
Muito bom. Ganhou prêmio da academia por estes dias, com toda a justeza. É das grandes que ainda estão vivas. Lucro nosso.
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