Vai ter
reclamação. Sempre tem reclamação, quando me declaro velho. Vem de leitores com
mais idade do que eu que me consideram um infante mal saído dos cueiros e veem
no que digo a insinuação de que já estão mais ou menos com um pé na cova. Nunca
pretendi fazer tal sugestão, mas compreendo que reajam dessa forma e até parei
de me chamar de velho. Agora, contudo, é oficial, está na lei. Não a li, mas é
do conhecimento público que quem tem mais de sessenta atualmente se enquadra na
categoria de idoso, ou seja, velho mesmo. Isto quer dizer que sou idoso há três
anos e, portanto, se não posso ter-me na conta de veterano, não há como
classificar-me de calouro. Manda a honestidade, porém, que eu confesse ter
sido um idoso negligente e alienado. Até a semana passada, nunca havia feito o
menor esforço para assumir de verdade minha condição. Mas agora, subitamente,
fui despertado para sua plenitude e devo dizer que estou encantado com os
horizontes abertos. Achando-me calejado e até meio cético, pensava que não
toparia com mais descobertas e desafios. Que engano, que visão estreita da
existência! Como tinham razão os que diziam que a vida começa aos sessenta!
Vocês, meninas e meninos de cinquenta, ainda não viram nada, em sua ingenuidade
juvenil. Percebo claramente que ser idoso é um grande barato e mal posso
esperar pelos dias vindouros, quando pretendo explorar todas as vias abertas,
cujas potencialidades ainda apenas vislumbro, mas tenho certeza de que serão
uma fonte inesgotável de experiências enriquecedoras. Sei disso porque já
estreei minha (desculpem) idosidade e é igual a um brinquedo novo, não quero
largar. Da mesma forma que outros achados felizes, minha iniciação se deu por
acaso. Foi numa prosaica fila de banco. Estava eu na fila comum, quando
observei, bem ao lado, que havia uma para gestantes, deficientes e idosos. No
raciocínio veloz que me caracteriza,
ponderei as informações durante alguns minutos. Não sou deficiente (a não ser
mental, mas até hoje relativamente pouca gente reparou), não me encontro
grávido, mas – aleluia! – sou idoso. Como perder aquela chance inédita? Senti
falta de um fotógrafo para registrar o momento, mas a felicidade não pode se
completa e, sem a menor hesitação, passei emocionado e, não nego, um pouco
nervoso, para a primeira fila de idosos. Ah, nem lhes conto, foi um impacto atrás do outro. A fila, naturalmente,
andava bem mais devagar do que a normal, mas aqueles moços imaturos que
compunham a do lado não faziam ideia do que estavam perdendo, a começar pela
extraordinária companhia em que me vi, logo rodeado de amigos feitos na hora,
todos ansiosos por trocar experiências e estabelecer um sadio convívio
geriátrico. Creio até mesmo, Deus me perdoe, pois não quero ser gabola nem
indiscreto, que, se tivesse demorado na fila mais do que os quarenta minutos
que passei nela, a conversa com a companheira de bengala e aparelho de surdez
teria dado futuro. Cheguei a cogitar em pedir o número do telefone dela e só
não o fiz porque ela observou que seu programa favorito era bingo e eu não sou
bom de bingo. Mas foi muito estimulante para o ego notar que ainda desperto
vivo interesse feminino e, se me dedicar um pouco ao bingo ou aos bailes da
terceira idade, sou capaz de fazer grande estrago no mulherio, que é que vocês
estão pensando?
Saí dali para um cenário luminoso e
repleto de perspectivas inebriantes. Sim, agora eu via como a vida nos destina
surpresas preciosas, descerrava-se um mundo ignoto e inexplorado, cabia
esmiuçar cada possibilidade, era preciso desfrutar do esplêndido leque que se
desdobrava, uma avalanche tão farta que estonteava. Por onde começar? Difícil,
bem difícil, mas ao mesmo tempo fácil, é só não se afobar e ir pegando o que
aparece, sem dar importância a prioridades complicadas de estabelecer, deixando
a vida me levar.
E ela leva. Mal pus os pés na rua,
quis o feliz acaso que eu comprasse um jornal e visse, logo de primeira, que o
Estatuto do Idoso prevê adoção para nós. O coração bateu mais acelerado.
Adoção? Quer dizer que poderei inscrever-me num dos programas que certamente
serão criados e esperar pelos meus pais adotivos? Não se deve querer impor
condições excessivas ao processo de adoção, mas de uma coisa estou seguro. Vou
querer um pai tipo paizão mesmo e, se prometo bom comportamento (inclusive
tomar banho assiduamente, pois li também que nós, idosos, costumamos criar
dificuldades para tomar banho, coisa que ainda não faço, mas vou treinar para
fazer, enquanto não for adotado), exijo mesada digna e Papai Noel, espero ser
levado regularmente ao Maracanã e, quando completar setentinha, comemorar no
Disney World. Além, é claro, de passar as manhãs no Baixo Vovô, fruto natural
da existência, inegavelmente discriminatória, do Baixo Bebê, aqui no Leblon.
Fiquei tão exultante que decidi
ostentar meus status e mesmo inaugurar uma linha de camisetas para nossa
identificação, com dizeres apropriados. Aceito sugestões, porque até agora só
bolei “Idoso – Use sem agitar”, o que pode ser até um bom começo, mas haverá
melhores. O céu é o limite e, garanto a vocês, minha próxima iniciativa, acreditem
se quiserem, será usar meu sagrado direito de andar de graça nos ônibus. Estou
apenas aguardando que se apresentem voluntários para minha equipe de apoio,
pois dizem que exercer esse direito é um esporte radical, que requer
adestramento especial e uso de capacete, joelheiras, cotoveleiras e tanque de
oxigênio portátil. Mas um dia destes eu tomo uma papinha de aveia reforçada,
meto no juízo uma dose dupla de Maracugina, fico doidão e encaro. O idoso
brasileiro é o melhor do mundo.
Adoro o João Ubaldo, Ângela. Para mim responsável por um dos melhores livros escritos na atualidade brasileira: Viva o Povo Brasiliero. Como cronista é excelente.
ResponderExcluirE ainda não li esse livro...
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