quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Viagem às Nascentes por Carlos Jorge Mota




Curiosidade e ânsia para os novos Visitantes, mas já quase rotina para mim, face às três antecedentes viagens similares. De início, apenas uma diferença desta vez: o circuito seria o inverso do habitual – entrada por Lisboa e o regresso pelo Porto, via capital. Portanto, acertada a combinação com a empresa transportadora (já também habituada a estas andanças, pois foi ela a utilizada desde a primeira jornada, mercê de contactos por mim efetuados, por conhecer os seus bons serviços, e preços competitivos, no âmbito de excursões do meu clube rotário, e que a Sônia da Interline entendeu dar continuidade), eis-me sentado na camioneta às duas horas da madrugada, depois de um pequeno desvio feito pelo motorista para me apanhar no caminho, rumo a Lisboa, buscando os novéis visitantes, fazendo um esforço enorme para não adormecer a fim de evitar um eventual contágio ao condutor, por osmose. Estacionada a viatura no Aeroporto num ponto mais próximo possível da porta de saída para amortecer o prolongamento do cansaço da viagem do Brasil, aí estou eu esperando o pessoal, juntamente com o prestimoso motorista, Sr. Nelson.
Feitos os primeiros contactos, deu para perceber, de imediato, que, apesar do Sr. Comendador ter informado convenientemente os visitantes do meu papel e função nesta andança, segundo julgo saber, nem toda a gente terá apreendido bem isso e fui, então, confundido como sendo um ajudante de motorista ou representante da empresa transportadora. Bom, procurando desfazer equívocos, lá fui eu dando início àquilo que julgava ser a minha tarefa em Lisboa, razão pela qual tinha acedido à insistência do Victor Alegria em ir à capital: assessorá-lo (a ele) no que fosse necessário, face às suas condicionantes físicas, sem prejuízo de eventual apoio aos circunstantes, embora limitado, uma vez que em Lisboa também sou forasteiro, conhecendo todavia bastante bem a cidade e zonas limítrofes. Mas era incompatível articular as duas satisfações: orientar e ajudar uns e, simultaneamente, apoiar o Victor. Fiz marcação em Hotel para o período da minha estada na capital, mas limitei-me a, no último dia, já com contas previamente acertadas, ir entregar a chave nunca utilizada. O Sr. Comendador “obrigou-me a dormir com ele!” Quem lhe iria botar as gotas nos olhos???...
Mas o motorista já tinha sido instruído em conformidade e não deixou, portanto, de proporcionar um passeiozinho pelas zonas da cidade mais turisticamente procuradas, bem como o tradicional salto à linda vila de Sintra, com seu Palácio da Pena majestoso. Dia seguinte, com marcação protocolar estabelecida na Biblioteca Nacional de Portugal, a delegação foi recebida pelo seu então Diretor, Prof. Dr. Jorge Couto, cerimónia durante a qual tive então a oportunidade dum contacto mais íntimo com os integrantes da comitiva. Deu para entender aí, então, durante a descrição dum excerto dum livro, pela autora, da grande qualidade e sensibilidade dos presentes, pois outras intervenções se sucederam de similar amplitude.
Iniciada a viagem com destino ao Porto, eis-nos a visitar o Mosteiro de Alcobaça, monumento português incontornável para quem se desloca àquela zona do país, não só pela sua componente religiosa e histórica mas também por conter os túmulos da galega Inês de Castro e do seu D. Pedro, figuras que se tornaram míticas na nossa História e Literatura e cujo amor foi contado e cantado em lindas trovas, pois nem o trágico desenlace o apagou. Inês foi coroada rainha mesmo depois de morta.
De seguida, aí vamos nós para Aljubarrota, pois tínhamos à nossa espera, em sua casa, um amigo de Brasília, e sua esposa, cidade onde viveram uns anos, ele em funções de âmbito diplomático, no Instituto Camões, após o que, antes de se aposentar, foi nomeado responsável pelo Mosteiro que tínhamos acabado de visitar.
Rui Rasquilho e sua amável esposa receberam a Comitiva à boa maneira portuguesa – É Uma Casa Portuguesa, Com Certeza, não diz assim a canção? -, não só pelas suas ligações a Brasília como também pela simpatia intrínseca que irradiam.
Findo o fasto repasto e as despedidas comovidas, partimos para visita ao Mosteiro da Batalha, monumento gótico português erigido em memória duma Batalha ocorrida em 1385 na localidade onde Rui reside (Aljubarrota), pela qual os portugueses derrotaram os castelhanos, não obstante o número de tropas destes ser o quádruplo das comandadas por D. Nuno Álvares Pereira.
     Chegados à cidade do Porto, formalidades no Hotel cumpridas e descanso merecido, pensando já, todavia, no programa do dia seguinte, também ele promissor de alguma azáfama.
Visita a Caves do Vinho do Porto, em Vila Nova de Gaia.
Atendendo a que esta viagem tinha  como desígnio a visita às nascentes da língua e da cultura portuguesa e considerando que a Galiza detém na sua história uma raiz comum inapagável, foi dado cumprimento a algo que já vinha germinando nas mentes organizativas destas Viagens: estabelecer-se um programa de visita a Santiago de Compostela e a outras terras vizinhas de relevo cujos detalhes programativos seriam da responsabilidade galega, articulada connosco. Assim se pensou, assim se fez. E eis-nos, portando, de abalada para a mítica cidade de Santiago de Compostela.
Mas, no caminho, almoço especial nos esperava. Dia de aniversário dum visitante com sangue galego – José Jerónymo Rivera – assim como da simpática Cecília Velho, e cantou-se os “Parabéns a Você” saboreando um belo bolo que o motorista, amigo Nelson, teve a ideia e a notável amabilidade de oferecer. Gesto bonito, destacável e inesquecível.
Mas o destino era Santiago, com gente amiga nos aguardando. Arrumada à pressa, portanto, a bagagem no Hotel, e com a Concha Rousia à espera, grande amiga galega destas lides, lá nos dirigimos para o riquíssimo evento cultural que a AGLP – Academia Galega de Língua Portuguesa, com sede naquela mítica cidade, teve a amabilidade de nos contemplar. Assistimos a um lindo concerto em que a emoção floresceu, não só pela qualidade da poesia declamada e pela música erudita executada pela Professora do Conservatório de Santiago de Compostela Isabel Rei Sanmartim, mas, e principalmente, pelo ambiente humano e empolgante.Troca de lembranças e retorno ao Hotel, pois o cansaço já aflorava e o dia seguinte prometia ser efervescente. Assim aconteceu, e, pela manhazinha, tendo uma brasilega à espera para nos ciceronear Santiago, fomos conduzidos por Jeanne Pereira, uma bahiana residente há já uns anos em Santiago (regressou definitivamente, entretanto, ao Brasil, mas continua a sentir e a viver a alma galega), aos pontos otel
mais emblemáticos de Compostela. Após um curto almoço-convívio, para evitar perdas de tempo necessário, fomos visitar a Catedral de Santiago.
De seguida, Concha e o marido, assumindo o papel de guias turísticos, no nosso Autocarro, conduziram-nos à localidade de Rianxo, em pleno coração galego. Em Rianxo – vila marinheira típica onde se vai abrir um centro da Universidade Aberta de Lisboa,  tínhamos a aguardar-nos,  o respetivo Presidente da Câmara Municipal (Prefeito).
Despedidos da Galiza, rápidos na estrada para a Invicta, porque tínhamos um jantar especial à nossa espera, seguido de evento cultural na UNICEPE – Cooperativa Livreira de Estudantes do Porto, durante o qual seriam apresentados livros de alguns escritores integrantes da caravana. Canções lindas tocadas e cantadas, intervenções de conteúdo importante se fizeram, com público assistente em quantidade e qualidade.
Dia seguinte, cedo abalámos rumo à terra natalícia de Victor Alegria, onde pernoitaríamos, pois visitar Arouca obriga a permanência prolongada, tal a riqueza do seu acervo. Mas Victor trazia na bagagem, da Thesaurus, um livro dum poeta de raiz arouquense, Nuno Brito, detentor já de prémios literários, para apresentação naquela vila, tarefa entregue ao Prof. Doutor Arnaldo Saraiva, professor jubilado da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, uma das pessoas mais credenciadas em Portugal sobre literatura brasileira, e, cumulativamente, velho amigo do Sr. Comendador.
À noite, fomos pomposamente brindados com um majestoso concerto de Órgão de Tubos do Mosteiro de Arouca, privilégio especial, seguido duma Ceia, tipo Medieval, na Cozinha do monumento, evento também reservado a um número reduzidíssimo de entidades.
Mas … Arouca detém geosítios tombados pela UNESCO razão por que, manhã cedo, o vasto espólio a isso obrigava, fomos ver e desfrutar um fenómeno só existente aqui e noutro local do planeta, na Rússia: as denominadas “pedras parideiras”, ou seja, um afloramento de granito com abundantes nódulos discoides e biconvexos de biotite, que se libertam da rocha-mãe, por termoclastia.
Como o estômago já apertava, e porque o almoço estava aprazado, lá nos embrenhámos por caminhos e ladeiras, carreiros e veredas, camioneta roçando árvores e arbustos, que só a destreza do amigo Nelson conseguia vencer, chegámos finalmente ao Espinheiro, em cuja folhagem se descobriu, embora ninguém visse, o Restaurante desejado. Foi pelo cheiro que o alcançámos.
Acabado o repasto, dirigimo-nos, com guia competente, ao Museu das Trilobites, fósseis de maior importância,  para estudo da origem e evolução da vida na Terra, pois estes animais viviam em águas profundas ou em águas superficiais e se extinguiram rapidamente há cerca de 230 milhões de anos. Muito mais haveria a visitar, mas o tempo, sendo escasso, não permitia mais incursões.
Finda a inesquecível Viagem, para uns, porventura, empolgante, seria deselegante da minha parte destacar qualquer elemento integrante da Caravana, todavia, pedindo desculpa aos demais, considero incontornável, para mim, não poder deixar de citar aqui dois nomes: Manuel Mendes, decano do grupo e proeminente jornalista e escritor, pelo seu denodo e coragem face às milhas a vencer, não obstante as suas limitações físicas; e Santiago Naud (figura cujo nome e parte de cuja obra literária já conhecia), pela sua assumida portugalidade (cito o Livro 47 Poemas Lusitanos), e pelo seu expresso amor ao Porto, minha cidade.
Todos vocês chegaram a terras lusas como Embaixadores do Brasil, e todos, estou seguro, regressaram agora acumulando o cargo de Embaixadores de Portugal.
Bem hajam!

Porto, 15 de janeiro de 2012.

Carlos Jorge Mota

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