Ouvi muitas vezes que o passado e o futuro não existem.
Que só lidamos verdadeiramente com uma dimensão
de tempo: o agora. O passado teria ficado para trás,
fora do alcance até do retrovisor, que só alcança o
que é mais recente, o quase agora. O futuro estaria na
ordem do prematuro, do ainda inexistente, seria uma
espécie de talvez, diluída em bilhões de hipóteses, todas
impalpáveis, incertas. Portanto, o conselho era que o
foco estivesse no dia de hoje ou mais, no momento
presente, numa estreita, exígua fatia de tempo, que mal
cabia na palma de minha curiosidade.
Essa orientação causou em mim uma certa tendência
imediatista, a angústia provocada pelo conhecimento de
que a existência consistia num único passo, pois o próximo
já pertenceria ao futuro e, portanto, seria somente uma
conjectura. E de pouco valeria a memória do que já havia
sido, pois isso pertencia ao mundo do que não pulsa mais.
E lá fui eu, como um saci, sobre uma perna só, tentando
equilibrar-me no estreito espaço do aqui e agora, onde nada
que existe demora, onde não existe hora, só segundo. Ao
menos, segundo os profetas da instantaneidade.
Confesso que não me senti muito bem. Eu queria mais, não
me satisfazia aquela situação tão provisória, em que a vida,
entendida como um átimo de qualquer coisa, escorria pelos
dedos dos tempos. Cheguei a abolir o uso do relógio, pois
se tudo que me pertence é o agora, os ponteiros não teriam
nada de útil a me informar. Além disso, poderia o relógio
constituir-se em instrumento delirante, pois remeteria ao que
está por vir e, por assim ser, inexiste.
Hoje, sinto a vida de outra maneira, numa perspectiva mais
humana e aconchegante, tridimensional. Passado, presente e
futuro andam sempre juntos, dialogam numa boa, desconhecem
qualquer hierarquia. Eles estão em mim, trafegam pelas avenidas
largas de minha imaginação, sem colisões, conflitos ou disputas
de espaço. Permito-me transitar pelas três dimensões, sem me
perder de mim. Adoro o que vejo nessas viagens, que dispensam
passaporte. Sou cidadão de um universo, em que se fala o idioma
do verso. Aqui a medida de tempo é a emoção que escorre de cada
sílaba para formar a próxima. Neste lugar nada nasce nem morre,
tudo simplesmente é.
O tempo, a vida e até o cinema contemporâneo é tridimensional. Bom que assim seja, são três dimensões ao dispor de cada observador. Ângulos, facetas, nuances, pontos de vista...até onde a vista humana alcance. Eu é que não me canso de perscrutar (do fundo do baú rsrs) a existência, com a insistência que é própria dos apaixonados, assim entendida a paixão em seu viés intransitivo, um ato de louvor ao que simplesmente é.
ResponderExcluirAngela,
ResponderExcluirgraças ao seu puxão de orelhas lá no meu puxadinho ("Se fizer uma concessão (...) e me visitar, encontrará Helcio Maia"), o encontro se deu agorinha, no apressado das horas. Muito obrigado! Como eu disse em outro comentário, não sou bom "teleitor". E por isso preciso desses puxões de orelha. O Helcio e sua "palavrafatua.blogspot.com.br" vão de imediato para a lista dos blogs de estimação. Toda a urdidura desse texto é belíssima mas fui fisgado especialmente por "(...) numa estreita, exígua fatia de tempo, que mal cabia na palma de minha curiosidade".
Excelso Helcio, bem-vindo!
Abs,
Tarlei
Que bom que apareceu! Também gostei muitíssimo da frase que você salientou. Espero que ela o transforme em um "teleitor", porque há muitas de igual beleza no blog do Helcio.
ExcluirUm abraço