terça-feira, 25 de junho de 2013

Um desabafo - Angela Delgado



     A coluna de Merval Pereira de "O Globo" de ante-ontem destacou que:

"... a filósofa Marilene Chauí, uma das intelectuais do petismo, disse com todas as letras em evento comemorativo dos 10 anos do PT no poder:

"A classe média é o atraso de vida, é a estupidez. É o que tem de reacionário, conservador, ignorante, petulante, arrogante, terrorista..."

Só isso, Sra. Palestrante?
Ela estava se olhando no espelho e se retratando, em vez de olhar para a estupenda classe média que está aí nas ruas corajosa, lutando por um Brasil melhor e clamando por um basta na corrupção; na roubalheira; no mau uso do dinheiro público e na impunidade, além de exigir a saída de Renan Calheiros, o repúdio à PEC 37; a melhoria da educação, da segurança, da saúde (Ronaldo, sem saúde ninguém vai a lugar nenhum, muito menos assiste a jogos).

     Parte do vandalismo, já se sabe (pela publicação da "Veja" Edição histórica de junho"), foi encomendado por um grupo de petistas, que desembolsou 30.000 reais pela farsa. O motorista do caminhão, que levou os pneus para serem queimados em frente ao estádio, confessou que recebeu 250,00 reais. Seria a bolsa-vandalismo?

     E é a classe média, segundo Chauí, que é terrorista...

     Disse também essa senhora, na frente do Lula (não sei se para puxar o saco), que ela odeia a classe média!

      Que os judeus odeiem os alemães ou que odiemos um político que desiludiu um povo inteiro, que mentiu, roubou e acobertou criminosos como ele, é completamente compreensível. Mas odiar generalizadamente milhares de pessoas que ela nem conhece, cujas lutas, esforços e qualidades ela desconhece! Nem os japoneses odeiam assim os americanos...

      No desdobramento de sua palestra, Chauí foi mais adiante: "A classe média é uma abominação política, porque ela é fascista, uma abominação ética, porque ela é violenta, e uma abominação cognitiva, porque é ignorante."

     Coitado do povo, que o governo faz questão de manter na ignorância, agora virou uma "abominação cognitiva"...

     E a que categoria de classe pertence M.Chauí? Uma filósofa conhecida não pode ser da classe C. É improvável que  quem passe fome e precise trocar seu voto por bolsas-esmolas consiga se formar em filosofia e ainda adquirir alguma notoriedade.

     À classe média  tampouco a petista pertence, visto ter vociferado contra ela e a caluniado.

     Classe alta, com toda essa grosseria? Pouquíssima probabilidade.

     Deve pairar em uma nova classe, ainda não muito conhecida e, para usar seu vocabulário, certamente abominável, por estar a léguas de qualquer ternura ("Hay que endurecerse pero sin perder la ternura jamás").

     "Eu odeio a classe média."

     Essas palavras foram cuspidas para uma plateia justamente de classe média, pois os trabalhadores não podem se dar ao luxo de faltar ao trabalho para assistir a uma palestra. Nem é o seu perfil.

    A classe alta, sem contar  com os novos milionários oriundos do governo, feitos da noite para o dia, agrega muitas pessoas que estudaram e labutaram muito para lá chegar, mas provavelmente ninguém dessa classe iria marcar presença em uma sala onde falaria um membro do PT.

     Portanto, por exclusão, foi a classe média que recebeu no rosto uma declaração de ódio e reagiu boçalmente, rindo e aplaudindo!?
      Estava me esquecendo de que muitos trabalhadores, satisfeitos com tanta bolsa-esmola, não trabalham mais e, quem sabe, não teriam sido levados de caminhão para a claque?

   Tem gente que odeia pobre (já ouvi isso até da boca de uma faxineira, sendo ela mesmo o sujeito do verbo).  
   Tem gente que odeia o esnobismo e a demonstração de riqueza, muitíssimas vezes acumulada, no Brasil de hoje, desonestamente.
   Tem gente que odeia jiló.
   Mas odiar o meio termo?
   No entanto, ela odeia. Como consegue suportar tamanha carga de ódio?

terça-feira, 18 de junho de 2013

Extratos de "Múltipla escolha" - Lya Luft



O cenário é uma casa,
Cabana ou castelo.
Alguns manequins de plástico
são os atores:
Soldados rei, servos
- e alguém que já morreu.
Portas abrem ou fecham
Num longo corredor,
Para eu inventar objetos
E falas.
Porque teatro é mentira,
Posso mudar tudo:
Criar árvores no mar,
Pássaros e trilhas
que se entrecruzam
Incomunicáveis.
(Mas por cima,
Como estrelas,
eu vou botar
Palavras.)

A realidade é que família não é para “ser feliz”: é para lutar juntos, ou uns contra os outros; para preparar para futuros embates e decisões positivas; formar boas lembranças, ser base de projetos, dar força para guerras particulares que virão.
Todas as nossas atitudes são determinantes, também as mais escondidas. Nem sempre obedecemos a mitos ou enganos, mas cumprimos desejos legítimos e sonhos possíveis, como o de saciar as nossas grandes fomes.
As fomes que nos movem são a mola que leva nossa mão à maçaneta da próxima porta, atrás da qual vamos desenhar a casa da vida. É uma construção que vai se fazendo a posteriori após esse nosso gesto. Além de cada porta está no começo um vazio que temos de preencher com escolhas: nesse momento erguem-se paredes, e vamos pegando as tintas, os móveis, as falas, as ações, o curso de toda a nossa história.
Quero expandir o conceito de fome, que é o que impulsiona o sonho: o que interessa, o cerne, o caroço, o áspero e pesado material de construção de vida, corta nossa pele, lasca nossa alma, dobra nossos joelhos.
Não há receitas, neste universo de receitas até para ser feliz em dez lições a preços módicos; não há facilitadores, ainda que a gente diminua o nariz, preencha fendas, remova manchas, entorte a alma.
Há quem reclame: os policiais deviam ser menos brutais. Deviam, ao menos cuidar do lugar onde vão atingir os facínoras: “Quem sabe um tiro no braço ou no pé?” Tive de reler a notícia: estão brincando conosco? Imaginei o pobre policial com revolverzinho velho, mirando para o bandidão com fuzil de última geração e carrão importado e pedindo, licença, moço, vou dar só um tirinho no pé.
O banditismo floresceu por falta de autoridade e ordem, mas receio que agora qualquer rigor seja objeto de clamor dos defensores dos direitos da bandidagem, que deviam era cuidar das vítimas. Seria preciso conseguir com a máxima urgência leis atualizadas e firmes, incluindo a responsabilização por seus crimes de malfeitores de dezesseis anos ou menos, frequentemente verdadeiros monstros morais. E que não lhes permitissem, não importa a idade, saírem tão depressa das prisões: a quase totalidade volta a cometer seus crimes, – e um de meus, teus filhos, pode ser a próxima vítima.
A vida é uma longa construção: em geral a enxergamos como deterioração. Não conseguimos apreciar o outro lado, que é o acúmulo, experiência, serenidade, mínima sabedoria, mais tempo, quem sabe mais bondade. Construção de emoções positivas, com porões de tristezas e um sótão de decepções, mas a sala e os quartos arejados, com portas que podemos abrir para que se revele o que ainda virá em seguida e vai se desdobrar.
Isso é o que a “a gente decide”.
Fatalidades à parte, somos senhores de algumas cenas do espetáculo chamado vida, podemos modificar algumas falas, interferir no roteiro, escolher o personagem que somos e com quem desejamos contracenar. Tudo isso, ate certo ponto, pois as circunstâncias, a família de origem, as opções posteriores até o lugar onde vivemos têm seu peso, e não é pequeno.
Com tantas ilusões infantis, que arrastamos maturidade afora, não é fácil entender que não é preciso escalar o Himalaia intelectual ou social, ser uma pessoa famosa, um homem poderoso ou uma mulher deslumbrante para que a vida tenha sentido e se atinja um grau de harmonia, que chamo de felicidade. Encontrar o contentamento não tem a ver com carteiras, cartões, medidas e pele lisa, liderança óbvia ou alta competitividade.
Criar não está limitado aos artistas: cada um de nós cria sua hora e sua honra, seu dia e sua existência.
A cada dia de cada vida, realizamos um trabalho a quatro mãos: nós e o velho amigo-inimigo chamado destino, abrindo e povoando um espaço que a cada gesto e pensamento nosso se expande e se ilumina, ou se apaga na neblina dos desejos inúteis.
Essa é a nossa múltipla escolha.
Simples assim, complicado assim.
 

sábado, 15 de junho de 2013

Agressão brutal à luz do dia - Angela Delgado

         

Um usuário de crack (como sabem que era um, se o bandido, infelizmente, fugiu?) atacou com um pedaço de paralelepípedo, às 9h30, um professor (podia ser um médico, um pai ou mãe de família, um músico, uma enfermeira, uma cuidadora, um adolescente, um técnico em informática, um aposentado ou aposentada), que fazia uma caminhada em um lugar movimentado. A pancada deformou um olho da vítima, que levou 11 pontos e também teve a mandíbula quebrada, ainda correndo o risco de ficar com a visão comprometida. O  mais revoltante é que em um país carente de professores, sejam eles covardemente agredidos por um bandido que, além de inútil, só faz mal à sociedade. E não me digam que, por estar supostamente drogado, ele não estava ciente de seus atos. Estava sim, do contrário por que não jogaria o paralelepípedo na própria cabeça?

Não dá mais para procurar as causas do banditismo ou culpar a sociedade por atos desumanos de vândalos. Se alguém está com quarenta graus de febre, a primeira providência é baixa-la, para depois se investigar a causa. Não é justo que cada vez mais tenhamos que ficar enjaulados, enquanto vermes como o de ontem grassam por aí, à espreita do primeiro cidadão honesto que apareça. Fazem seu estrago e fogem, para atacar outro mais adiante! Outro dia foi a adolescente (mais uma) que estrangulou sua mãe para se apoderar dos 15.000 do seguro. Como se o seguro cobrisse assassinatos por parte dos interessados. Além de desalmada e ingrata ao extremo, é obtusa. E o caso do pai (outro) que abusou de sua filha. E a aprovação pela câmara (assim com letra minúscula mesmo) do estatuto do nascituro, que garantirá a bolsa-estupro, que não sairá do bolso do estuprador e sim de todos nós que não estupramos ninguém, negando ainda por cima o direito da vítima de não querer ter um filho de um bandido. Ou será que esse direito fará com que pobres mulheres peçam: me estupre, que terei mais uma bolsa e meu filho, que será sustentado por todos os palhaços (ou maus eleitores) deste Brasil, aumentando assim a população em um país onde seu excesso é a causa de todos os males.
Um descalabro vai atropelando outro e daqui a pouco não nos lembramos mais do ocorrido há tão pouco tempo. Assim horrores vão se sucedendo e se  instalando para ficar.
 A pena de morte já deveria estar instalada no país há muito tempo e é o remédio a ser aplicado na situação atual. Ouvi um comentário de que se tratava de um animal. Coitados dos animais. Ele não era um animal. É alguém que precisa urgentemente ser eliminado da face da Terra. O Brasil não tem o direito de gastar o dinheiro do suor do povo abrigando tais subumanos, muito menos trancafiá-los ou deixá-los tomando banhos de sol, para soltá-los em seguida, muito piores do que antes.

Pensemos nos direitos humanos das pessoas normais. Os "coitadinhos" dos bandidos perdem os seus no momento em que atacam seus “semelhantes”.
            Não tenho poder para dar um basta nessa degradação toda, mas faço minha parte (mínima) protestando.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Um tempo sem nome - Rosiska Darcy de Oliveira

A letra da música "Essa pequena" de Chico Buarque rendeu a crônica UM TEMPO SEM NOME, da escritora 
Rosiska Darcy de Oliveira, sobre “o novo conceito de envelhecer”.



Essa Pequena

Meu tempo é curto, o tempo dela sobra,
Meu cabelo é cinza, o dela é cor de abóbora,
Temo que não dure muito a nossa novela,
Mas eu sou tão feliz com ela.

Meu dia voa e ela não acorda,
Vou até a esquina, ela quer ir para a Flórida,
Acho que nem sei direito o que é que ela fala,
Mas não canso de contemplá-la.

Feito avarento, conto os meus minutos,
Cada segundo que se esvai,
Cuidando dela, que anda noutro mundo,
Ela que esbanja suas horas ao vento, ai.

Às vezes ela pinta a boca e sai,
Fique à vontade, eu digo, take your time,
Sinto que ainda vou penar com essa pequena,
Mas o blues já valeu a pena.


UM TEMPO SEM NOME

Com seu cabelo cinza, rugas novas e os mesmos olhos verdes, cantando madrigais para 
a moça do cabelo cor de abóbora, Chico Buarque de Holanda vai bater de frente com as 
patrulhas do senso comum. Elas torcem o nariz para mais essa audácia do trovador. 
O casal cinza e cor de abóbora segue seu caminho e tomara que ele continue cantando “eu sou 
tão feliz com ela” sem encontrar resposta ao “que será que dá dentro da gente que não devia”.
Afinal, é o olhar estrangeiro que nos faz estrangeiros a nós mesmos e cria os interditos que 
balizam o que supostamente é ou deixa de ser adequado a uma faixa etária. 
O olhar alheio é mais cruel que a decadência das formas. É ele que mina a autoimagem, 
que nos constitui como velhos, desconhece e, de certa forma, proíbe a verdade de um corpo 
sujeito à impiedade dos anos sem que envelheça o alumbramento diante da vida .
Proust, que de gente entendia como ninguém, descreve o envelhecer como o mais abstrato 
dos sentimentos humanos..
Não fora o entorno e seus espelhos, netos que nascem, amigos que morrem, não fosse o tempo 
“um senhor tão bonito quanto a cara do meu filho“, segundo Caetano, quem, por si mesmo, se 
perceberia envelhecer? Morreríamos nos acreditando jovens como sempre fomos.
A vida sobrepõe uma série de experiências que não se anulam, ao contrário, se mesclam e 
compõem uma identidade.
O idoso não anula dentro de si a criança e o adolescente, todos reais e atuais, fantasmas 
saudosos de um corpo que os acolhia, hoje inquilinos de uma pele em que não se 
reconhecem. 
E, se é verdade que o envelhecer é um fato e uma foto, é também verdade que quem não se 
reconhece na foto, se reconhece na memória e no frescor das emoções que
persistem.
É assim que, vulcânica, a adolescência pode brotar em um homem ou uma mulher de meiaidade, fazendo projetos que mal cabem em uma vida inteira.
Essa doce liberdade de se reinventar a cada dia poderia prescindir do esforço patético de 
camuflar com cirurgias e botoxes — obras na casa demolida — a inexorável
escultura do tempo.
 O medo-pânico de envelhecer, que fez da cirurgia estética um próspero campo da medicina 
e de uma vendedora de cosméticos a mulher mais rica do mundo, se explica justamente pela 
depreciação cultural e social que o avançar na idade provoca.
Ninguém quer parecer idoso, já que ser idoso está associado a uma sequência de perdas que 
começam com a da beleza e a da saúde. 
Verdadeira até então, essa depreciação vai sendo desmentida por uma saudável evolução das 
mentalidades: a velhice não é mais o que era antes. Nem é mais quando era antes.
 Os dois ritos de passagem que anunciavam o fim do trabalho e da libido estão, ambos, 
perdendo autoridade, sabem que quem se aposenta continua a viver em um mundo 
irreconhecível, que propõe novos interesses e atividades.
 A curiosidade se aguça na medida em que se é desafiado por bem mais que o tradicional 
choque de gerações com seus conflitos e desentendimentos. Uma verdadeira mudança de era 
nos leva de roldão, oferecendo-nos ao mesmo tempo o privilégio e o susto de dela participar.
A libido, seja por uma maior liberalização dos costumes, seja por progressos da medicina, 
reclama seus direitos na terceira idade com uma naturalidade que em outros tempos já foi 
chamada de despudor. Esmaece a fronteira entre as fases da vida.
É o conceito de velhice que envelhece. Envelhecer como sinônimo de decadência deixou de 
ser uma profecia que se autorrealiza. Sem, no entanto, impedir a lucidez sobre o desfecho.
”Meu tempo é curto e o tempo dela sobra”, lamenta-se o trovador, que não ignora a traição 
que nosso corpo nos reserva. Nosso melhor amigo, que conhecemos melhor que nossa própria 
alma, companheiro dos maiores prazeres, um dia nos trairá, adverte o imperador Adriano em 
suas memórias escritas por Marguerite Yourcenar.
Todos os corpos são traidores. Essa traição, incontornável, que não é segredo para 
ninguém, não justifica transformar nossos dias em sala de espera, espectadores conformados e 
passivos da degradação das células e dos projetos de futuro, aguardando o dia da traição.
Chico, à beira dos setenta anos, criando com brilho, ora literatura, ora música, cantando um 
novo amor, é a quintessência desse fenômeno, um tempo da vida que não se parece em nada 
com o que um dia se chamou de velhice.
Esse tempo ainda não encontrou seu nome.
Por enquanto, podemos chamá-lo apenas de vida.

Rosiska Darcy de Oliveira (Rio de Janeiro - RJ, n. 27/3/1944), 69 anos, advogada, 
professora universitária, jornalista e escritora.