quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Uma amostra de "A Menina que roubava livros"

   
     O livro de Markus Zusak conta a história de uma menina alemã em cuja casa seu pai adotivo abrigou o judeu Max. O relacionamento entre eles é uma delícia. A menina de onze anos gostava de jogar bola na rua e constantemente contava a Max lances do jogo, mas, ele também se interessava pelo aspecto do céu.

    Na noite do dia 24 de dezembro, Liesel (já com 13 anos, porém, ainda menina) deu de presente ao seu novo amigo dois punhados de neve. “Feche os olhos e estenda as mãos” disse-lhe. Assim que a neve foi transferida, Max estremeceu e riu. – Este é o boletim meteorológico de hoje?
    Um pouco mais adiante, Liesel pergunta o que farão com a neve uma vez derretida, mas, “em algum lugar dentro deles aquele homem de neve continuou de pé. E foi a última coisa que viram naquela véspera de Natal. Quando enfim adormeceram, tinham um acordeão nos ouvidos, um boneco de neve nos olhos e, quanto à Liesel, a lembrança das últimas palavras de Max, antes de ela o deixar junto à lareira.

    - Muitas vezes, Liesel, eu gostaria que isso tudo acabasse, mas aí, de algum modo, você faz uma coisa como descer ao porão carregando um boneco de neve.”

                Max caiu seriamente doente e a mãe de Liesel, imaginando-a dormindo, externou sua opinião de que a causa da piora do estado de saúde de Max havia sido o boneco de neve. O pai fora mais filosófico e retrucou que o culpado era Adolf, se levantando para ver como estava Max.
                Nessa noite, este recebeu sete visitas. Duas de Hans, duas de Rosa e três de Liesel, que se recriminava por toda aquela neve. Seu pai,  sempre dizendo as palavras certas no momento certo, disse-lhe que ela tinha que fazer aquilo.

                Durante horas, a menina sentada ao lado de Max, sussurrava-lhe encarecidamente que, por favor, não morresse.

             "Quando os alemães batem à porta de Hans Hubermann, à procura de abrigos antiaéreos (o judeu estava escondido lá...), "Los latidos de sus corazones, iniciaram una escaramuza, una confusión de ritmos. Liesel intentó tragarse los suyos aunque el sabor a corazón no era demasiado agradable."
.............................................................................................................................................................
            Espero ter-lhes incentivado a ler o livro! Comentei um pouco só até mais ou menos o meio dele, que é onde estou em minha releitura.





               

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Testes

Martha Medeiros

     Dia desses resolvi fazer um teste proposto por um site da internet. O nome do teste era tentador. “O que Freud diria de você”. Uau. Eu me interesso em saber o que o vendedor de picolé pensa sobre mim, imagina Freud. Respondi corretamente a todas as perguntas e o resultado foi o seguinte: “Os acontecimentos da sua infância a marcaram até os doze anos, depois disso você buscou conhecimento intelectual para seu amadurecimento”. Perfeito! Foi exatamente o que aconteceu comigo. Fiquei radiante: eu havia realizado uma consulta paranormal com o pai da psicanálise, e ele acertou na mosca.
     Só que eu estava com tempo sobrando, e curiosidade é algo que não me falta, então resolvi voltar ao teste e responder tudo diferente do que havia respondido antes. Marquei umas alternativas esdrúxulas, que nada tinham a ver com minha personalidade. E fui conferir o resultado, que dizia o seguinte: “Os acontecimentos da sua infância a marcaram até os doze anos, depois disso você buscou conhecimento intelectual para seu amadurecimento”.
     Muito engraçado.
     De que adianta tanto “amadurecimento intelectual” se a gente se deixa empolgar por testezinhos muquiranas da internet? Desliguei o computador me sentindo a otária do século e fui fazer qualquer outra coisa para esquecer o pequeno incidente. Mas não esqueci. E, juntando um neurônio com o outro, me veio a luz. É isso! Não importa como vivi meus primeiros anos, quais foram as minhas reações diante do sucesso e do fracasso, quanto de carinho recebi ou não recebi de meus pais, se era popular ou se só colecionava frustrações na escola. A verdade estava gritando na minha frente: os acontecimentos da infância marcam A TODOS até os doze anos de idade (ou treze, ou catorze) e depois disso TODOS buscam conhecimento intelectual para amadurecer.
     Ou seja, o teste estava corretíssimo. As respostas podiam variar de pessoa para pessoa que pouco importava. A vida não é original, ela é repetitiva, e até Sartre, que não era psicanalista, matou a charada quando disse “não importa o que fizeram com você, importa o que você fez com o que fizeram com você”. Em outras palavras: depois dos doze, chega de se lamentar. Vá buscar conhecimento para estruturar sua felicidade.
     Ou os caras que bolaram os testes são um bando de gozadores ou são gênios. Tendo mais de doze anos de idade, escolha você o resultado que mais lhe convém.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

XXXIV

                                                          
         
                  - Cada um lave seu prato!

                O adolescente Miguel logo oferece um real para quem quiser lavar o dele, o que é prontamente aceito pelos menores. Não sei o que pensar disso. Essa oferta de emprego tem se repetido nos dias em que a faxineira não vem. No momento, não estou muito bem e não interfiro, e ele sai correndo.
                - Você só anda correndo pela casa!
                - Se posso correr, por que vou andar?

                Meu irmão que sofre com a falta de tempo é que gostará de saber disso. Só não sei se, do alto de seus quase setenta anos, vai aderir à prática.
                Enquanto converso com vocês, minha neta Clara, correndo pela casa (outra atleta), me pede que cronometre a sua corrida.
                Um pouco irritada por me desconcentrar, respondo que não tenho cronômetro, mas, ela em seguida traz o relógio do irmão João. Não tenho como me safar e fico pensando nesse neto, que, crescendo e deixando de ser tão explosivo, está encantador e estamos nos dando todos os abraços atrasados...
                Clara fala sem parar, mas, ontem me ajudou quando me propus a ver “Meia noite em Paris”. Os controles remotos de aparelhos eletrônicos me irritam profundamente.
                À espera do resultado de um exame, resolvo aproveitar a vida, indo pegar sol e mergulhar na piscina. Há anos que não pulo de cabeça. Reúno coragem, e o resultado foi uma barrigada e ainda outra, perfeitas e idênticas. A sensação da cabeça imersa, porém, é deliciosa.
                Por falar nela, ontem, fazendo uma faxina em meu armário, achei uma folha preciosa que atesta o processo de envelhecimento dos meus pais.

                - Como o Eurípides só é mais velho do que eu sete anos, se ele é meu pai -perguntou-me minha mãe, talvez em seu primeiro minuto de confusão mental.

                Hospedada no apartamento deles, ocupei o escritório daquele que minha mãe pensava ser seu pai, e onde uma cama havia sido instalada, na qual ele rapidamente se sentou. Como papai foi sempre foi forte, custei a levantá-lo. Um minuto depois, ele se senta novamente. Embora me sentindo uma intrusa e um pouco má, coloquei minha mala sobre a cama. Mas, não é que ele tirou a mala pesada e já ia se deitando?

                - Eurípides, vamos dormir. Este é o quarto da Angela.
                - Ah, é? Pensava que era o meu escritório! 

                Onze horas da noite: Eu dormia em “meu” quarto/escritório, quando papai entra com um terno na mão. Acende a luz dizendo que ia gravar na rádio. Foi um Deus nos acuda. Tive que sumir com a chave dele e ministrar meio Lexotan para os dois. Três horas depois, mamãe dormia profundamente, apesar das tentativas dele para acordá-la: – Ela está mais viva do que morta,  foi o seu comentário.
                Pedi-lhe que tomasse a outra metade do comprimido e ele respondeu que falaria com Maria, pois ela tinha mais senso da conveniência das coisas...

                No dia seguinte, querendo parabenizar com um telegrama sua mãe, falecida havia muitos anos, ele me perguntou por onde ela andava e quanto tempo eu ficaria em Brasília. Mamãe respondeu por mim:
                - Ela mora em Brasília. É casada com o Afonso.
                - Ah, não sabia. Ela não participou...
              Esqueceu-se de que me havia conduzido ao altar.
                Mais tarde, saiu de casa sem que ninguém visse. Mamãe foi atrás e, à procura deles, meu irmão Jorge, que encontrou na outra calçada papai já voltando, e mamãe indo na direção e calçada opostas. No final, nem ele nem ela aguentavam mais andar e Jorge pegou um táxi para uma corrida da rua General Glicério até à rua General Glicério, onde os deixou são e salvos.

                Isso foi antes de entrarem em nossas vidas as cuidadoras e do trabalho incansável do cuidador-mor, mano Vianney. 



    

                                            

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Notícias de tudo

Martha Medeiros

     Alguém de um site me ligou outro dia pra fazer uma pesquisa: perguntou se eu achava que o namoro da íris e do Diego iria durar. De quem?? São parentes meus? Pra não ser do contra, respondi que sim, que eles vão envelhecer juntos, ai deles se não.
     O Brasil tem um sem-número de revistas que circulam por semana. Revistas de informação, de variedades, de fofoca, de moda, de comportamento, sem contar as especializadas, como as náuticas, gastronômicas, científicas ou esotéricas. Quantos são os programas de tevê, contando os canais por assinatura? Também não é pouca a quantidade de colunistas que, como eu, tentam tirar da cartola algum assunto que preste. No mundo estão acontecendo, neste instante, epidemias, tragédias, assaltos, provas esportivas, fenômenos climáticos, pré-estréias, reformas política, e eles não serão suficientes para manter os veículos de comunicação ocupados: sobrarão páginas para serem preenchidas. Espaço é o que não falta para as notícias relevantes e também para as irrelevantes, e são essas que estão nos endoidecendo.
     Impossível assimilar a avalanche de informações que recebemos todo dia. A gente não armazena nem dez por cento. O ataque é maciço e constante, não tem para onde fugir. Eu, que faço parte da artilharia, nem por isso deixo de me questionar: será que não estamos indo além do limite aceitável? Informação é fundamental, mas sem overdose.

     A impressão que tenho é que a informação que recebemos é tanta, mas tanta, que nos imobiliza. Só de ler as repetitivas matérias sobre os benefícios do exercício físico me dá cansaço, é como se eu tivesse caminhado quilômetros. Somos informados sobre todas as bandas de rock do mundo e no instante seguinte já não lembramos quem é quem. Gastamos horas nos atualizando, ao mesmo tempo em que geramos muito pouca notícia sobre nós mesmos. O que você tem feito?

     A população do planeta está em plena atividade, todos trabalhando, planejando, comemorando, matando, sobrevivendo, um mundo no gerúndio, sem interrupções, e a gente consumindo tudo isso, soterrados por tanta notícia, por tanto apelo, por tanta exigência de opinar, concordar, discordar. Você poderia estar ouvindo uma música agora, olhando pro céu. Você poderia estar regando suas plantas, poderia estar observando o barulho da chuva, poderia estar preparando um chá ou lendo um belo poema em vez desses meus lamentos. Não, não me abandone, mas deixo aqui uma perguntinha: você tem recebido notícias de si mesmo?