quinta-feira, 24 de novembro de 2022

Você sabe de onde eu venho? Venho de uma família cristã que, com colaborações dos filhos mais velhos, possuía seu próprio jornal, sempre editado pelo "número 5", que provocava muitas risadas, tendo, por exemplo, criado o termo "bolário", que não era um armário e sim a "antessala" do campo de futebol, e batizado a "sala do cascateio", inaugurada com grande falatório. No terceiro andar, com direito a muitos amigos, os dez irmãos se divertiam, jogando totó, sinuca e ping-pong. Deve ser por isso que, aos setenta e quatro anos, ainda pratico esses esportes com os netos. Lá de cima, descortinava-se o campo, palco de futebol, vôlei, fogueira e até cinema. Tínhamos a ajuda de cozinheira; copeira e arrumadeira; lavadeira e passadeira; babá e da Bebé, que havia sido babá da mamãe. Enquanto esta secretariava nosso pai, zelava pela prole ou preparava deliciosas entradas com figos, creme de leite e presunto; a sobremesa de creme de abacate com um fio de licor de cacau por cima ou ainda a famosa "Torta dos Cardosinhos", Bebé, que ficou conosco até quase o fim de sua vida, ensinava o serviço doméstico a novas ajudantes e, ao final da tarde, subia a escada, levando a roupa passada. Em seguida, ia dormir em seu quarto espaçoso, onde havia um grande rádio. No quarto ao lado, duas outras dormiam em um beliche. Havia ainda o faxineiro e a costureira que dormiam em seus lares. Perto da hora do almoço, lá de cima ouvíamos o som de um sininho, significando que devíamos interromper o que estivéssemos fazendo. Eu, talvez, dando aulas para minhas bonecas. Era assim que eu estudava e, no tempo da decoreba, decorava, em voz alta, o dever de casa, em um corredor mobiliado com algumas cadeiras, destinadas às bonecas, digo, alunas. Se uma delas escorregava, era conduzida ao exímio desenhista de cavalos, o diretor Jorge, fechado no "escritório" ao lado. Os outros irmãos deviam estar jogando "botão" ou, frequentemente em grupos, utilizando para estudos a mesa de ping-pong. Ao segundo toque da campainha, após lavarmos as mãos, deveríamos descer, pois a comida estava servida. Nessa sala, havia uma vitrola e, quando se colocava um disco de Chubby Checker, não me continha e me levantava para dançar twist, feliz da vida. Falando em música, essa era uma família musical. Como bem lembrou Vianney, o Google da família, Luiz, o mais velho, acomodou uma bateria ao lado do piano que tocava muito bem, assim como acordeom, aprendido igualmente pela nossa querida e saudosa Regina. Cristiano manejava o piston. Mais tarde, Tereza tocou violão e, hoje, Cecília tira músicas na flauta. Antes de finalizar, narro o que fiquei sabendo, há pouco tempo: Bruno, um dos filhos do "número 5", mencionado acima, ainda pequenino, após ter visto no Zoológico um hipopótamo, tigres e macacos, descansava em um banco, quando seu pai lhe perguntou de qual bicho mais gostara. - Das formigas. Havia sido seu primeiro contato com elas e ficara fascinado com o intenso trabalho dos insetos carregando folhas e entrando em frestas. Por essa família inesquecível e unida, ficamos marcados, a exemplo dos combatentes brasileiros que, em plena guerra contra os nazistas, em Montes Claros, na Itália, se perguntaram: "Você sabe de onde venho? - Eu vim da Bahia. - Nunca fui à Bahia. - Pois devia..." E foi da vontade de voltar para o aconchego de seus estados de origem que obtiveram forças para prosseguirem e vencerem. Que o tempo não nos roube a recordação de onde viemos, que sejamos gratos pela vida que nos é ofertada diariamente, assim como pela vida passada com uma família bem-humorada, inteligente, lúdica, piadista como o Álvaro, alegre, e poética, como o Marcelo, que ganha sempre nota dez pelos poemas que escreve.