sexta-feira, 19 de setembro de 2014

A morte como consolo - Martha Medeiros


Assim como qualquer mortal, eu também esquento a cabeça com questões de difícil praticidade. Teorizar é moleza, mas como agir do mesmo modo que essas supermulheres que a gente vê nas revistas e jornais, sempre bem resolvidas? Você acha que eu sei? Sei nada.
            Também me desgasto com assuntos mundanos, aqueles que nos atormentam dia e noite: sinto ciúmes, me constranjo ao negar convites, às vezes acho que sou severa demais com minhas filhas, às vezes severa de menos, não consigo ser tão solícita quanto gostaria, me sinto desatualizada em relação a tanta coisa, não sei direito a direção para a qual conduzir minha vida, enfim, coisinhas que nos roubam algumas horas preciosas de sono.
            Como não faço terapia e não posso perder nem um minuto precioso de sono, já que normalmente durmo pouco, resolvi procurar um método pessoal para relativizar meus pequenos grilos cotidianos. E encontrei um que pode parecer macabro, mas está funcionando. Quando estou muito preocupada com alguma coisa, penso: eu vou morrer.
            Óbvio que vou morrer, todo mundo sabe que vai morrer um dia, mas a gente evita pensar nesse assunto desagradável. No entanto, tenho pensado na morte não como uma tragédia, mas como um recurso para desencanar dos problemas, e então a morte se torna um ulalá, um paliativo: daqui a quarenta anos, mais ou menos, eu não vou estar mais aqui. O que são quarenta anos? Um flash. Todas as minhas preocupações desaparecerão. Nada do que sinto ou penso permanecerá, ao menos para mim mesmo – o que as pessoas lembrarem de mim será de responsabilidade delas. Eu vou evaporar. Sumir. Escafeder-me. Então pra que me preocupar com bobagem?
            Diante da morte, tudo é bobagem. Recapitulando os exemplos dados no segundo paragrafo: ciúmes? Ouvi bem: ciúmes? De quem, para quê, se todos irão pra baixo da terra e ninguém sobreviverá para cantar vitória? Aproveite os momentos que você tem hoje – hoje! – para desfrutar seus prazeres e não pense em perdas e ganhos, isso não existe, é pura ilusão.
            Os filhos nos amam, mas fatalmente reclamarão de nós um dia, não importa o quão bacana fomos com eles. Ser 100% solícita é coisa para Madre Teresa. Atualização pode ser importante para o trabalho, mas nem sempre para nosso bem- estar. E, finalmente, seja qual for a direção que você der à sua vida, o que importa é que ela seja satisfatória hoje (repito a palavra mágica – hoje!) porque daqui a pouco você e suas preocupações virarão poeira. Até Ivete Sangalo vai virar poeira.
           Importantíssimo (me descuidei, deveria ter colocado esse último parágrafo lá no início, mas já que vou morrer, dane-se): se você tem menos de quarenta anos, desconsidere todas as linhas dessa crônica. Leve seu nascimento a sério. Antes dos quarenta, ninguém vai morrer. Essa é a ordem natural do pensamento humano. Pague seus impostos, preocupe-se com a direção que sua vida está tomando, morra de ciúmes, dê-se o direito de todas as cenas passionais que incrementam seu script: mão se entregue ao fatalismo. Honre o primeiro ato dessa encenação chamada vida.
            Porém, depois dos quarenta, apenas divirta-se e não perca tempo se preocupando com bobagens. Vai dar em nada.



segunda-feira, 8 de setembro de 2014

A Porta do lado -- Martha Medeiros



Li uma ótima entrevista dada pelo médico Dráuzio Varella à revista Marie Claire, não lembro exatamente em que edição. Disse ele na entrevista que a gente tem um nível de exigência absurdo em relação à vida, que queremos que absolutamente tudo dê certo, e que às vezes, por aborrecimentos mínimos, somos capazes de passar um dia inteiro de cara amarrada. E aí ele deu um exemplo trivial, que acontece todo dia na vida da gente. É quando um vizinho estaciona o carro muito encostado ao seu na garagem (ou pode ser na vaga do estacionamento do shopping). Em vez de simplesmente entrar pela outra porta, sair com o carro e tratar de sua vida, você bufa, pragueja, esperneia e estraga o que resta do seu dia.
                Acho que essa história de dois carros alinhados, impedindo a abertura da porta do motorista, é um bom exemplo do que torna a vida de algumas pessoas melhor, e a de outra, pior. Tem gente que tem a vida muito parecida com a de seus amigos, mas não entende por que eles parecem ser mais felizes. Será que nada dá errado pra eles? Dá aos montes. Só que, para eles, entrar pela porta do lado, uma vez ou outra, não faz a menor diferença.
                O que não falta neste mundo é gente que se acha o último biscoito do pacote. Que audácia contrariá-los! São aqueles que nunca ouviram falar em saídas de emergência: fincam o pé, compram briga e não deixam barato. Alguém aí falou em complexo de perseguição? Justamente. O mundo versus eles.

                Eu entro muito pela outra porta, e às vezes saio por ela também. É incômodo, tem um freio de mão no meio do caminho, mas é um problema solúvel. E como este, a maioria dos nossos problemões podem ser resolvidos assim, rapidinho. Basta um telefonema, um e-mail, um pedido de desculpas. Um deixar barato. Eu ando deixando de graça, pra ser sincera. 24 horas têm sido pouco pra tudo o que eu tenho que fazer, então não vou perder ainda mais tempo ficando mal-humorada, Se eu procurar, vou encontrar dezenas de situações irritantes e gente idem, pilhas de pessoas que vão atrasar meu dia. Então eu uso a porta do lado e vou tratar do que é importante de fato. Eis a chave do mistério, a fórmula da felicidade, o elixir do bom humor, a razão por que parece que tão pouca coisa na vida dos outros dá errada.