terça-feira, 23 de agosto de 2011

XXXI Que país é este?

                                                                    
                                                          
          No caminho do colégio, indo levar quatro dos meus netos, morando provisoriamente conosco, fomos ouvindo Fado. Nem perguntei se estavam gostando. Tenho que dar um tempo para eles se acostumarem. De mais a mais, vão tão sonolentos, que não dão um pio. Foi por isso, aliás, que escolhi levá-los em vez de buscá-los, tarefa que ficou para a mãe. Pois não tenho mais idade para encarar crianças totalmente despertas, se engalfinhando no banco de trás.
            De volta a casa e aterrissando no Brasil, transcrevo o que li no jornal: 

"Atravesse o viaduto próximo à Octogonal, sentido SIA-Asa Sul, no horário de pico. Lá há um experimento científico: não desenharam as faixas de rolamento para testemunharmos quão subjetiva é a noção de retidão presente em cada um de nós. Ok, GDF, está provado! Agora coloque as faixas nos devidos lugares."
(De um morador de Taguatinga.)

          "O aperto é tanto que a qualquer momento o México pode fechar a fronteira com os Estados Unidos. Tem americano querendo entrar ilegalmente no país."
    
          "Diz o ditado que a oportunidade cria o ladrão. Mostra a realidade que o corrupto cria a oportunidade."

          Nem sempre lemos no jornal linhas inteligentes e aprazíveis como as escritas acima.
         As notícias de hoje foram de lascar:
         A instituição da Legítima Defesa foi revogada.  Um lavrador, depois de assaltado oito vezes, resolveu dar um susto no ladrão. Instalou uma velha armadilha de seu avô. O marginal esbarrou no fio que disparava a arapuca armada, a partir de uma ratoeira, levou no peito dois tiros de espingarda e morreu.
        Inacreditavelmente, o cidadão, cansado da insegurança do país que habita, responderá por homicídio doloso e pode pegar até 30 anos de prisão!
        Pergunto: qual será a providência do governo contra o arrombador de residências, e a favor dos cidadãos honestos?

        Outro protesto contra a falta de segurança deste país será investigado: o da médica assaltada cinco vezes em um mês e que colocou, no portão de sua casa, um cartaz alertando a que ninguém o pulasse, pois estava infectado com sangue HIV.
        Será que os assaltos foram investigados?
        Mais uma vez neste país, os cidadãos pagadores de impostos não podem ao menos se defender, e a médica, que nenhum mal causou, poderá responder pelo crime de atentado contra a vida e a saúde (!), apesar de ter impedido de aumentar a ficha criminal de mais um delinquente e, mesmo tendo colocado a advertência, o que evidencia apenas o seu medo e a sua intenção não dolosa. Acho que a única consequência do seu ato deveria ser a ajuda, financiada pelo governo, de um psicólogo para ajudá-la a superar o medo de viver neste país.
        Enquanto isso, os inúmeros bandidos que atentam contra a nossa vida estão à solta e ainda são defendidos, coitados, levaram dois tiros! Por que e onde estavam? Outros, imagine, poderiam até ser contaminados! Ora, não o seriam, se é que o seriam, se estivessem, ao menos, procurando trabalho.
    

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

XXX

                                                         
    Minha filha, tendo-me elegido sua secretária, me avisa sobre um enorme  incêndio na altura da quadra 801. Prontamente, ligo para os Bombeiros, me perguntando por que ela não havia ligado diretamente para eles, discando apenas três números, em vez de fazê-lo com oito, ao telefonar para mim!
     De meditação em meditação, penso no delicioso, porém, perigoso salgadinho de queijo feito aqui em casa e antes por minha mãe, que se ingerido à noite ou provoca sonhos meio psicodélicos ou nos transporta a outras dimensões, não sei se passadas, atuais ou futuras. Espero que a que me fez despencar no mar, à noite não pertença a essas últimas.
                Hoje acordei não agradecendo pelos distúrbios londrinos; não agradecendo pela criação dos famigerados jogos eletrônicos, que caíram em cheio no gosto da geração que me precedeu e que vibra por ter “matado” aos montes, mas, agradecendo pelo novo Ponto de Encontro Comunitário, ou seja, a Academia ao ar livre bem pertinho da minha casa, para onde vou de agora em diante todos os dias a pé; e agradecendo por poder enxergar, sentir, vibrar e principalmente por poder relembrar os momentos bons.
    

terça-feira, 9 de agosto de 2011

José Saramago
     Tomam-se umas dezenas de quilos de carne, ossos e sangue, segundo os padrões adequados. Dispõem-se harmoniosamente em cabeça, tronco e membros, recheiam-se de vísceras e de uma rede de veias e nervos, tendo o cuidado de evitar erros de fabrico que dêem pretexto ao aparecimento de fenômenos teratológicos. A cor da pele não tem importância nenhuma.
     Ao produto deste trabalho melindroso dá-se o nome de homem. Serve-se quente ou frio, conforme a latitude, a estação do ano, a idade e o temperamento. Quando se pretende lançar protótipos no mercado, infundem-se-lhes algumas qualidades que os vão distinguir do comum: coragem, inteligência, sensibilidade, caráter, amor da justiça, bondade ativa, respeito pelo próximo e pelo distante. Os produtos de segunda escolha terão, em maior ou menor grau, um ou outro destes atributos positivos, a par dos opostos, em geral predominantes. Manda a modéstia não considerar viáveis os produtos integralmente positivos ou negativos. De qualquer modo, sabe-se que também nestes casos a cor da pele não tem importância nenhuma.
     O homem, entretanto classificado por um rótulo pessoal que o distinguirá dos seus parceiros, saídos como ele da linha de montagem, é posto a viver num edifício a que se dá, por sua vez, o nome de Sociedade. Ocupará um dos andares desse edifício, mas raramente lhe será consentido subir a escada. Descer é permitido e por vezes facilitado. Nos andares do edifício há muitas moradas, designadas umas vezes por camadas sociais, outras vezes por profissões. A circulação faz-se por canais chamados hábito, costume e preconceito. É perigoso andar contra a corrente dos canais, embora certos homens o façam durante toda a sua vida. Esses homens, em cuja massa carnal estão fundidas as qualidades que roçam a perfeição, ou que por essas qualidades optaram deliberadamente, não se distinguem pela cor da pele. Há os brancos e negros, amarelos e pardos. São poucos os acobreados por se tratar de uma série quase extinta.
     O destino final do homem é, como se sabe desde o princípio do mundo, a morte. A morte, no seu momento preciso, é igual para todos. Não o que a precede imediatamente. Pode-se morrer com simplicidade como quem adormece; pode-se morrer entre as tenazes de uma dessas doenças de que eufemisticamente se diz que “não perdoam”; pode-se morrer sob a tortura, num campo de concentração; pode-se morrer volatizado no interior de um sol atômico; pode-se morrer ao volante de um Jaguar ou atropelado por ele; pode-se morrer de fome ou de indigestão; pode-se morrer também de um tiro de espingarda, ao fim da tarde, quando ainda há luz de dia e não se acredita que a morte esteja perto. Mas a cor da pele não tem importância nenhuma.
     Martin Luther King era um homem como qualquer um de nós. Tinha as virtudes que sabemos, certamente alguns defeitos que não lhe diminuíam as virtudes. Tinha um trabalho a fazer  - e fazia-o. Lutava contra as correntes do costume, do hábito e do preconceito, mergulhado nelas até ao pescoço. Até que veio o tiro de espingarda lembrar aos distraídos que nós somos, que a cor da pele tem muita importância.

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

A última coisa que pretendo fazer na vida é morrer

                                                         
                                             Ciro Pellicano (publicitário nas horas pagas)

     Best-sellers são livros fabricados para worst-readers.
  Deve haver um motivo para que o verbo contrair seja utilizado tanto na eventualidade de uma doença quanto na de um matrimônio.
Os grandes pintores , quando cremados, viram cinzas, azuis, amarelos...
Sabe por que tem gente que sai de férias e gente que entra de férias? Para evitar que saia todo mundo ao mesmo tempo.
Como dizia o hipocondríaco: - Protejam os frascos e os comprimidos!
Nas discussões, eu sempre procuro me colocar na posição do outro, mesmo que para isso eu tenha que removê-lo a tapa do lugar onde está.
Menticuloso: um mentiroso detalhista.
Já perdi a chance de ser um novo rico. Mas não tenho nada contra ser um rico-velho.
Como dizia aquele modelo de omissão: - Não está mais aqui quem calou.
Propaganda eleitoral: Se eu fosse a polícia, recolhia os cartazes de rua e os guardava para futura utilização. Só vai precisar mudar o título: Procura-se.
Com a nova lei da previdência, dois anos depois de morrer você já pode se aposentar.
A função do acento na palavra pá é a de evitar que a gente a pronuncie de maneira errada, como, por exemplo, pa.
Sabe como a mãe do Robin Hood era conhecida no condado? Motherhood.
Era um discurso realmente radical: nele, nem os verbos concordavam.
Eu não comemoro a passagem do ano porque é uma passagem só de ida.
Nunca conseguiu criar raízes: era carnívoro.
Custe o que custar! As mulheres adoram essa expressão.
Quem não acredita na existência da alma, entrega-se aos seus projetos de corpo e o quê?
A expressão “Mas que diabos!” pluraliza o demônio e lhe confere superioridade numérica. Acho que, diante disso, a Igreja deveria relevar eventuais implicações politeístas e contra-atacar com “Meus Deuses!”
Eu vendi meu carro para colaborar com o trânsito. Mas adivinha se o imbecil do comprador não está rodando com ele.
Os puristas costumam dizer que o trocadilho é uma forma menor de humor. É puristas e por outras que eu não dou ouvido a eles.
Era uma pessoa pela qual eu poria a mão no fogo baixo.
Quem é vivo sempre perece.
Em São Paulo a rigor ninguém pode sair a passeio.
Walkman. Faz muito mal para os tímpanos dos adolescentes. Para os tímpanos dos pais, entretanto, faz um bem incalculável.
Estava tão deprimido que só conseguia dar a volta por baixo.
As pessoas estão lendo cava vez
Vivia em estado de coma: comia tudo que encontrava pela frente.
Vegetariano não reencarna: refloresce.
Como disse o “bon-vivant”: - Amigos, amigos, ócios à parte.
Se alguém lhe disser: - Deixe comigo! – invente a mais absurda desculpa, mas não deixe com ele.
Eu não acredito em Deus, mas mudo descaradamente de idéia toda vez que cruzo um portão de embarque.
Às vezes, é preciso uma paciência de Jó. Outras, a impaciência do já.
Uma imagem vale mais do que mil palavras. Mas como gastei oito para dizer isso, uma imagem está valendo no máximo 992.
A ioga é uma técnica milenar de relaxamento, cujos benefícios demoram mais ou menos o mesmo tempo para se manifestar.
Era um homem só. Mas, antes que você comece a sentir pena, o que estou querendo dizer é que não eram dois homens.
Meia volta? Vou ver.
Não só não existe vida depois da morte como, muito frequentemente, também não existe antes.
Como disse o herege: - Inverdade vos digo.
O problema não é o sucesso subir à cabeça: o problema é subir o fracasso.
O jornal pergunta até quando vamos assistir inermes à escalada da violência. No mínimo, até a consulta a um dicionário.
Toda vez que devoro uma sobremesa me arrependo docemente.
Conselho para um homem magro: evite gordura animal. Conselho para um homem gordo: evite gordura, animal.
Na velhice, agente precisa cuidar do ente querido.
Tirando os aviões, as coisas decididamente não caem do céu.
Monólogo é uma pessoa falando sozinha. Diálogo são duas.
Embora as religiões garantam que existe vida depois da morte, eu continuo achando que é o contrário.
Nunca se deixe iludir pelo fato de estar com a faca e o queijo na mão. Lembre-se que, infelizmente, ainda fica faltando a goiabada.
Vegetariano é um cara contra filé.
Sir Francis Bacon odiava trocadilhos, especialmente no café da manhã.
Os pais são capazes de dar a vida pelos filhos. Mas, uma ou duas horas por dia já é bem mais difícil.
O doce perguntou para o doce qual doce era o mais doce. O doce respondeu para o doce que o doce mais doce era o doce de leite. Ouvindo isso, o doce protestou com o doce que o desfecho não rimava. O doce então replicou para o doce que de fato não rimava, mas que ele estava se lixando, e que não ia sacrificar a verdade só por causa de uma rima idiota. Aí, o doce e o doce brigaram, provando com isso que até uma doce amizade pode ter um amargo fim.
Por que é sempre meio caminho andado? Por que nunca é um terço, três quintos ou sete oitavos?
Se você acha que tudo está perdido, nem tudo está perdido – do contrário, você não acharia.
Levar de roldão. O mesmo que o tempo faz com a expressão.
Era tão confuso que costumava dizer: - Vamos aguardar o enrolar dos acontecimentos.
Lê os clássicos desde a mais tenra idade: Oração cujo sujeito oculto acumula a função de sujeito culto.
“Eu rezo todo dia” é uma oração. “O juiz condenou o acusado". É uma sentença.
                                                                   Falsa Etimologia
     A expressão “ser um saco” surgiu nos portos brasileiros. Uma gíria de estivadores que tentava estabelecer uma analogia entre uma pessoa desagradável e a desagradável tarefa de carregar um saco. Com o tempo, o jargão ganhou as ruas: “fulano é um saco” virou um modo de dizer nacional.
     Algumas décadas mais tarde, com o advento do turismo de massa e a popularização das viagens aéreas, a expressão sofre uma espécie de upgrade e se transforma em “ser uma mala”. De novo, a analogia entre uma pessoa desagradável e a desagradável tarefa de carregar uma mala.
     Não obstante o alto grau de mordacidade conseguido com o upgrade, o homem do povo, esse eterno gerador de neologismos, não se deu por satisfeito. E acrescentou uma espécie de adereço à nova expressão. Um qualificativo que expressa o conceito de peso em sentido lato e ressalta a dificuldade de tratar com o objeto/pessoa em questão. Em conseqüência disso, ao lado dos clássicos “malas”, surge a categoria dos “malas sem alça”.
     E, até que a língua de novo se encarregue de inovar essa formulação é o top de linha. Expressa com perfeição e inteireza o conceito de chato exponencial, alguém cuja simples presença já é um saco. Ou mais que isso: um saco sem pontas, expressão que infelizmente o cais esqueceu-se de criar.

     Se além de perguntar: - Você aceita Fulano de Tal, aqui presente, como seu legítimo esposo? Os padres indagassem também: - Por quê? Iriam nos poupar uma série de equívocos.
     Com algumas pessoas é fácil travar relações. Com outras, infelizmente, é muito mais fácil travar.
     Nenhum homem é uma ilha, exceção feita ao Sr. Fernando de Noronha.
     A faculdade de filosofia comprou uma van: adivinha o nome que deram para ela.
   Habilidoso: um idoso hábil.
   O governo quer retomar o programa do álcool. Já eu, estou tentando riscar o álcool dos meus programas.
O que eu mais admiro nos jovens é o desprendimento com que eles se entregam a novas experiências. Ontem, por exemplo, meu filho pediu um hambúrguer sem batata frita.
Comunicado à praça: Os tempos mudaram e teriam o maior prazer em recebê-lo em seu novo endereço não fosse o fato que vai ser o tempo de você chegar lá para eles terem mudado de novo.
Houve uma época em que bom pagador era quem pagava suas dívidas em dia. Hoje, basta que ele as pague um dia.
Cheguei são e salvo. Ou melhor, é e salvo.
Aprenda com os milionários: dinheiro foi feito para gostar.
O que caracteriza o clima de Brasília é o baixo índice de humildade.
Errar é humano. Persistir no erro é mais humano ainda.
                                        
                                                   Imortalidade

     Com todo o respeito de que a criação divina possa ser merecedora, considero inaceitável o fato de que só a alma tenha o privilégio da imortalidade. Na minha opinião, deveria haver uma alternância entre o corpo e a alma, com a decisão tomada sempre em função das evidências do caso. Modestamente, acho que esse seria um sistema muito mais justo e muito mais gratificante para todos nós. Como mínimo, teria o mérito de evitar erros elementares: tudo bem, por exemplo, que os céus não tenham poupado o corpo de Gertrud Stein, mas o que eles esperam que a gente faça com a alma de Marilyn Monroe?

       Ter alguém como braço direito é uma prática que fazia sentido na era industrial. Hoje, o que a gente precisa é de um cérebro direito.
     No Rio a palavra morro já é mais usada como verbo do que substantivo.
     No sétimo dia, Deus descansou. Seus representantes aqui na Terra, entretanto, continuam fazendo exatamente o contrário: domingo é o dia em que eles mais faturam.