segunda-feira, 29 de abril de 2013

Tá onde? - Marcelo Torres


                                                                                                                  

             No final de semana, quando um amigo liga para meu celular, já não diz mais o tradicional “alô”. Agora, a primeira coisa é a pergunta “tá onde?” Não, não estou reclamando, ao contrário, acho criativo até, pois você sai da mesmice do “alô”.

           Além do mais, quando um amigo vem lhe cercando – “Tudo bem? Como vai a mãe? E o pai? E o cachorro? E o papagaio?” -, pode saber que ele quer lhe pedir alguma coisa, um dinheiro, um favor, um adjutório – mas é sempre um pedido.

       Porém, esse “Tá onde?” é diferente, não é para pedir nada, mas ir onde você está, ou para chamar pro futebol, pro clube, pro bar (“não tem mar, bora pro bar”), pra caminhar no parque, enfim, fazer alguma coisa útil nesses dias que chamam de “não úteis”.  

      Pois na semana passada eu falava sobre isso com um conterrâneo baiano, recém-chegado a Brasília, e aí ele me contou que um árbitro de boxe, quando vê um lutador na lona, sem força para levantar, também faz esta pergunta ao pugilista caído: “Onde você está?”

    Se o atleta não souber responder – ou disser que está em local diferente de onde está -, logo é declarado perdedor. É que o erro na resposta seria a “prova” de que ele teria ficado tonto de tanto apanhar, a ponto de nem saber onde está.
    Não sei regras de boxe, e nem desse esporte eu gosto, mas acreditei nessa prosa. No entanto, fosse eu o lutador e um árbitro me indagasse isso, na hora eu pediria para ele ir fazer a pergunta lá no Posto Ypiranga, que é onde todo mundo pergunta as coisas.
    E o amigo me contou mais: disse-me ele que, certa feita, um pugilista brasileiro estava lutando – e apanhando – em Las Vegas; quando o brasileiro foi à lona, o árbitro americano perguntou: Where are you ?
     O brasuca, segundo meu amigo, havia apanhado mais que bife de pensão, mas ainda parecia sóbrio, tanto que respondeu I´m in the ring. O juiz, porém, julgou que a resposta estava errada e deu o brasileiro como perdedor.  
     Para o árbitro, a resposta certa seria I’m in Las Vegas.
    Pois nesses primeiros dias em Brasília, meu amigo descobriu que essa perguntinha também é feita por agentes de trânsito, quando um motorista se recusa a soprar o bafômetro.
     Para saber se o condutor está bêbado ou não, em dado momento o policial pergunta: “Onde você está?” Caso o motorista não saiba – ou diga que está na Rua X estando na Praça Z -, aí é multa na certa, além da retenção da carteira e o início de uma via-crúcis.
      Pois não é que aconteceu com ele? Em seu segundo dia em Brasília, foi parado numa blitz e recusou o bafômetro. Lá pelas tantas, o guarda indagou “Você tá onde?”. O amigo riu para si mesmo e pensou “esta é fácil”, pois lhe veio à lembrança o episódio do pugilista brasileiro, que respondeu o local (ringue), quando deveria responder a cidade (Las Vegas).      
       Ele estava na saída de um boteco de nome “Beirute”, ali na SQN 107 ou Super Quadra Norte 107. Ainda que soubesse este dado exato (e não sabia), ele não iria dizê-lo. Também não era besta de falar que estava em Beirute – muito menos “no” Beirute (um bar!).
      Lembrando da “lógica” do árbitro do boxe, ele teve a certeza de que a resposta certa seria o nome da cidade. Aí, então, sem contar conversa, crente que estava abafando o caso, com a resposta exata, ele falou convicto: “Oxente, seu guarda, estou em Brasília”.
      Mas o guarda, impávido que nem Muhammed Alli, julgou errada a resposta, mesmo estando em Brasília. Para o agente da lei, a resposta certa seria o código alfanumérico SQN 107, típico endereço brasiliense. Ou o nome por extenso: Super Quadra 107 Norte.
         Embora adotem a mesma pergunta, o guarda brasiliense e o árbitro americano julgam diferente. Nos “Isteites”, o brasileiro respondeu o nome do lugar (ringue) e o árbitro queria que fosse a cidade (Las Vegas). Já no DF, o baiano falou a cidade (Brasília), mas era para falar o lugar (SQN 107).
       Pois bem: como essa pergunta é a primeira coisa que os amigos me falam quando me ligam no final de semana, adotei a prática de fazer o “check-in” aqui no Facebook. Para onde quer que eu vá, lá está o check-in: Restaurante Coisas da Terra, CCBB, Chopin, Bar do Calaf, Libanus, Devassa, Pontão, Sovaco de Cobra…
       Nesta quinta, porém, como não era sábado nem domingo, eu não fiz check-in. Estava no trabalho, no Anexo I do Palácio do Planalto. E foi justo na hora em que eu estava no sanitário, que o mesmo amigo me ligou: “Tá onde?”
        E agora, o que responder? Que estava em Brasília? Entre os paralelos 15 e 20? Ou entre o Atlântico e o Pacífico, na América, num claro instante? Com um amigo, contador de histórias – e baiano, ainda por cima – eu podia brincar, embora a situação não estivesse para gracejos.
          – Tô no gabinete – respondi, a voz apertada, a boca abafada junto ao celular, esperando que ele desse o papo como encerrado.
          – No gabinete da Dilma? – ele insistiu.
           Vou revelar uma coisa: nessas horas, nesses locais, não tem educação certa, ainda mais de amigo para amigo. Então eu falei que estava ****, pedi para ele ligar mais tarde e desliguei o celular. Até agora ele não ligou. Enquanto isso, eu decidi: de agora em diante, toda vez que for ao “gabinete”, vou fazer check-in. E não vou levar o celular.
        O lado bom da história (pelo menos para mim) é que, embora o conterrâneo tenha ganhado uma multa em Brasília e o pugilista brasileiro tenha perdido a luta em Las Vegas, eu pelo menos ganhei essa historinha para contar.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Eu de volta - Angela Delgado


“Un uomo in mare!

Che importa! la nave non si ferma. Il vento soffia,  quello scuro naviglio laggiù ha una via che deve continuare e va.                                                                                                                                               L´uomo scompare, poi riappare; s´immerge, poi risale(sobe) alla superfície, chiama, tende le braccia, nessuno lo ode (ouve); il navigiglio, rabbrividendo (estremecendo) sotto l´uragano (tempestade), è tutto intento alla manovra; marinai e passeggeri non vedono neanche più l´uomo sommerso; il suo misero capo non è che un punto nell´enormità delle onde.                                                                                                                                                                                                     Egli Egli lancia grida disperate nelle profondità; che immagine spettrale questa vela che si allontana!...”

                Não sei se todos entenderam essa passagem de “Os Miseráveis” de Victor Hugo, mas um homem havia caído ao mar, ninguém percebera e ele se desespera, claro, ao ver a vela do navio se afastando no meio da escuridão e da imensidão do mar.
                 Nunca estive nessa situação, óbvio, mas ao ler esse trecho, me lembrei de que, desembarcando na pequena ilha de Mykonos, pensei ser aquele o único porto da ilha e, quando me cansei de percorrer as belas ruelas labirínticas, dirigi-me ao porto e lá fiquei esperando pelos demais. A noite caiu e, estranhando não ver ninguém do navio por ali, perguntei a um “nativo” se aquele era o único porto da ilha. A resposta negativa me fez disparar como doida em direção ao outro porto, do outro lado da ilha e, felizmente conseguir alcançar a ultima lancha que estava prestes a zarpar em direção ao navio, onde estavam os companheiros de viagem, meu passaporte, de praxe retido com o pessoal do navio, e demais pertences.

                Quase que fico literalmente a “ver navios” ou a olhar um navio se afastar e se apequenar cada vez mais, na medida em que meu desespero aumentaria. Não posso nem  me lembrar! E o fato de ter conseguido voltar ao navio é motivo para desprezar quaisquer frustrações ou dissabores, como a frase desagradável que ouvi e que joguei no lixo, em contraponto a outra deliciosa, que dependurara na parede, ao lado do quadro de minha mãe, mas que depois, aproveitando o martelo, achei melhor martelá-la em minha cabeça. Assim ela me acompanha, aonde quer que eu vá. Questão de Savoir vivre. É só respirar fundo e me alegrar por não ter ficado na ilha e nem morar em uma das Coreias.




















terça-feira, 9 de abril de 2013

Chave Mestra - Jair Francisco da Silva Jr.


A CHAVE MESTRA

(um Conto de Fadas – ou de terror – em oito capítulos)

Prólogo - O Paço dos Afetos.

O coração é uma morada de sonhos e ilusões!

É um enorme paço com um labirinto de salas

Onde habitam os seres objetos de nossos afetos!

Há espaço para uma corte

Numerosa e privilegiada:

Algumas pessoas trancamos,

Muitas expulsamos

E outras livremente transitam

Pelos cômodos abertos

– vivem onde querem!

Mas há determinados cômodos

Trancados, fechados à visitação:

As bibliotecas da sabedoria;

Os escritórios dos segredos,

Com seus pequenos cofres;

Os porões dos instintos;

As masmorras do abandono

E do esquecimento;

Os salões de festas dos afetos

E os aposentos dos desejos!

Para apenas uma pessoa

Dou a áurea Chave Mestra

– não existem cópias –

E essa privilegiada alma

Torna-se do paço a Rainha!

Capítulo I - A Rainha de Copas (Era uma vez...).

Com meu sangue desenhei

Selos de proteção nas portas,

Acessos e janelas de todo o paço,

Valendo-me de antigos ritos

Da Magia da Fidelidade

– magia poderosa

e há muito esquecida!

Na alcova real podia-se ouvir

A lareira sempre a crepitar

Com os fogos intensos do amor,

Aquecendo o leito de deleites!

Por longas horas sentava-se a Rainha

Frente à penteadeira composta

Por dois espelhos à guisa de amplas janelas,

Com luxuosa vista para minha alma!

Neles se via refletida

E se achava bela,

Mas apenas estava

A contemplar minha alma

Gêmea com a sua

– assim ansiava!

Invadindo outros Contos

– como quem invade sonhos –

Perguntava aos espelhos

Se era a mais bela,

E olhando em seus olhos

Eu sempre lhe respondia

Com um sorriso e uma afirmativa,

Mas não me ouvia ou sequer me via,

Nem podia sentir o calor abrasador

De minha constante presença:

Pelos esplêndidos espelhos

Se encontrava hipnotizada

E todo o meu amor ignorava!

Lentamente penteava tristezas e ilusões;

E por longas horas se maquiava,

Sempre retocando e borrando

Ao maquiar sinceridade,

Honestidade e beleza,

Em uma vã tentativa

De aparentar nobreza

E ocultar seu verdadeiro berço!

Capítulo II - Desfilando Soberba: A Deusa dos Afetos!

Muito havia

Para se contemplar em minha alma,

Porém a Rainha apenas conseguia

Ver a si mesma refletida em meus olhos

De forma egoísta e convencida!

Meu amor recendia em cada nicho,

Em cada fresta, e minha presença

Todo o paço iluminava e aquecia,

Mas importância a isso ela não dava

– a plenitude do amor não a interessava,

apenas os esplendores por ele oferecidos!

Ela vestia o manto

Do meu amor e desfilava

De maneira esnobe,

Sentindo-se a Deusa dos Afetos

– ficava se admirando

frente aos espelhos,

coberta de escarlate!

Desfrutava de todas as benesses do amor,

Mas não o queria e não o alimentava

– de tão forte, mesmo assim sobrevivia!

E passou a se apegar

A todo esse luxo

E a temer perdê-lo;

Seu coração nublou-se,

Formando um tempo

Tempestuoso a pretejar

Sua mortiça alma argêntea!

Capítulo III - A Senhora do Destino.

Mal intencionada e desconfiada,

Vasculhou a Rainha os porões,

As masmorras, os escritórios

E todos os aposentos que encontrou,

Mas em nenhum deles havia vida,

Pois só havia pessoas

Nos cômodos destrancados,

E eram pessoas amadas

De formas muito variadas,

Menos da forma que temia!

Deixou intacta, porém,

A biblioteca, desprezando

Os conhecimentos do coração

– a aspirada sabedoria!

Não satisfeita,

Continuou a busca por alguns anos

Sem jamais encontrar aias,

Cortesãs, concubinas, amantes... nada!

Até que a insegurança,

Os temores e a curiosidade cessaram,

E então, convencida de que era a única,

Sentiu-se a senhora do meu destino!

Sob seus cuidados deixei o paço

E com ele não mais me preocupei;

Dei-lhe liberdade para decorá-lo

Como lhe aprouvesse,

E para seu acesso

Controlar como quisesse!

E por muitos anos vivi tempos de paz

E felicidade por ter entregado a posse

Do meu coração a quem mais amava!

Capítulo IV - A Rainha Má!

Um dia se cansou a Rainha

Do luxo do paço, pois nada pôde

Encontrar para a si mesma preencher!

Nem todos os esplendores

Do paço dos afetos foram capazes

De preencher o abismo em sua alma,

Nem o vazio em seu coração,

E então, um dia, atirou ao mármore

A dourada coroa cravejada

De belíssimas gemas

Que cingia sua bronzeada

E abundante cabeleira;

Enfurecidamente

Se dirigiu à saída

Abrindo-a com violência;

E sem olhar para trás

Deixou a minha vida

Com odiosa inconsequência!

Senti o impetuoso vento frio

Do Inverno a invadir o recinto

E comecei a tremer,

Com as lágrimas se cristalizando na tez,

Embelezando o semblante

De sofrimento e desespero

– não pôde o gosto salobro

tocar o amargor dos meus lábios!

Esse foi o prenúncio de algo terrível,

De uma chama que se apagaria,

Do funeral do amor e dos meus dias!

Capítulo V - A Mortalha de Gelo!

Com o paço em avalanche

Sob espessas camadas de gelo,

Qual gélido e oportuno esquife,

A dor do Inverno seus habitantes sentiam,

Mas ideia não tinham

Da dimensão da minha dor ao ver

O trono abandonado e o leito vazio!

Decidido a guardar luto eterno,

As trevas e o frio avançavam

Cada vez mais pelo paço!

Estando em profunda melancolia,

Guardava planos sinistros e tétricos

De abandoná-lo – tirar-lhe a alma!

Agora, inerte e estendido

Sobre a frialdade do pétreo piso,

Sinto-me pluma ao vento,

E sinto o leve toque de uma mortalha

A me acariciar com amargor e aprisionar,

Então entendo que o meu corpo frio

Foi encontrado pelos ínclitos cortesãos!

Passo a ouvir lamentações

Melodiosas vindas de algum lugar!

Por vezes parecem lamúrias,

Por vezes canto fúnebre,

E penso tratar-se

De uma última homenagem

Ou de espectros

A me chamarem para junto de si,

Mas algo dentro de mim desperta

E encontro forças para mover

Assustadoramente a nevada mortalha,

Espantando a todos os presentes

Com um sopro de vida – um suspiro!

Vivo – ainda que uma bruxuleante

e fraca chama – levanto e vejo o terror

Nos olhos de quem não desfaleceu

Ou abandonou espavorido o recinto

– trecho de um Conto de Terror perdido!

Capítulo VI - O Labirinto de Mistérios!

Estranhamente,

Continuo a ouvir

As lamentações ao longe,

E me dou conta

De que não eram cantos

Para meu funeral adornarem!

Sigo o misterioso e belo

Canto tétrico e me perco

Em meu próprio labirinto

De melancolia e medo,

Mas passo a sentir

Um perfume familiar

Pelo caminho a me orientar!

Meus pés em passos

Passam a lembrar

O caminho que passa

A me parecer familiar!

As lamentações

Cada vez mais altas;

E o perfume

Cada vez mais forte...

Quando percebo,

Detenho-me diante

De uma acróstica porta selada

Com o meu próprio sangue

Por meio dos símbolos

E letras do Alfabeto das Bruxas

Correspondentes

À Magia da Fidelidade

Como em todas as outras portas,

Mas próxima à fechadura dessa,

Com o mesmo sangue,

E com minha caligrafia,

Uma inscrição em latim pode ser lida:

Ignis

Patronus

Veritas

Capítulo VII - A Chave Mestra!

Com o peito em fortes

E ressonantes badaladas,

Lembro-me do que encerrei

No misterioso aposento

Em um tempo muito distante,

E de forma descontrolada e aflita

Busco em meus bolsos a Chave Mestra

Que à antiga Rainha pertencia!

Com as mãos trêmulas

Perco a respiração!

Detém-se o canto

E detém-se o tempo

No eterno instante da chave

A introduzir na fechadura uma reviravolta

Em minha desafortunada vida:

Abre-se o ranger de emoções

Há muito enferrujadas,

Empoeiradas, envelhecidas,

E um hálito de esperança

Exala o quarto imerso em trevas!

Volta o pêndulo a se mover

Com seu forte badalar em meu peito,

E em um átimo invado o aposento

Desesperado em busca de vida,

Mas já não se ouve o canto,

Em um aterrador silêncio!

No fundo do aposento,

Uma quase extinta vela

Fracamente ilumina

O solo fértil do meu paço.

Com as rótulas a desabar

Ruidosamente sobre o chão,

Inclino-me sobre a planta seca

Da murcha flor Amarílis!

Pobre habitante

Do quarto escuro e esquecido,

Tão perdida em meio

Ao labirinto de salas

– nem mesmo eu lembrava

de sua existência e localização,

e para a antiga Rainha

passou despercebida!

Foi tarde demais:

O ranger da esperança

Abafou seu último suspiro!

Capítulo VIII - A Dama de Ouros.

Com o coração em degelo

Pelo fogo-fátuo da falsa esperança,

Rios escorrem e se juntam

Ao mar de agonia,

Inundando minha alma

E transbordando por suas janelas

Em cataratas a banharem o rosto

E a se precipitarem qual invernal

E lúgubre chuva salobra a regar

A planta postumamente

Em seu majestoso túmulo!

Instantes intermináveis

Em prantos ressoam

Solitários pelas paredes;

E quando finalmente consigo conter o sal,

Noto com surpresa e felicidade suprema

Que volta a florescer a Amarílis;

E me recordo que faz parte de sua natureza

Manter a vida em morte aparente

Nos tempos difíceis para depois

Ressuscitar e florescer no tempo certo

– arcanos da poderosa Magia das Estações!

Então percebo que a flama

– fraca, mas persistente –

Era um sinal de que havia ainda

Amor e vida em seu interior,

Crescendo no ventre da terra;

Um amor tão grande e forte

Que iluminava debilmente o recinto

E sobreviveu ao tempo,

À clausura e desamor,

Ao ostracismo e esquecimento!

Minhas lágrimas romperam o selo,

E agora um antigo amor

Passou a florescer em meu paço,

Um amor que nunca havia morrido – eterno?

Rompido o encantamento,

Agora a vejo transfigurada em ninfa,

Como nos idos de minha cândida alvorada,

Com todo o seu esplendor!

Sempre mantive fechada essa porta,

Trancada pela chave da fidelidade,

Que nem sempre é a mesma chave

Que abre as portas da felicidade,

Mas assim que rompi o selo

Me libertei e fiquei livre para amar:

A débil chama em archote se converteu

E com ele iluminei até a sala mais isolada

E oculta do meu Ser – finalmente retomei

o controle do meu preclaro paço!

Assim foi o fim do rigoroso Inverno

E o início da perfumada Primavera

– em todo o extenso Reino encantado

com a fugacidade de um idílico momento,

deu-se a celebração da equinocial festividade!

Agora pergunto se mesmo

De maneira doce e ingênua,

Podemos nos atrever a dizer:

 “E viveram felizes para sempre!”;

Nunca em um Conto para adultos!

FIM

Epílogo - A Coroação da Carta!

O coração é um labirinto de mistérios!

É um complexo de salas, passagens

E acessos que levam a lugares insólitos

E dimensões desconhecidas!

Se os olhos são as janelas da alma,

No coração está o seu portal de acesso,

O espelho mágico interdimensional

Que nos leva a planos elevados de consciência!

É um grande paço construído

Em variados planos e camadas

Onde se pode guardar alguém

Em uma de suas muitas salas

E em sua alcova amar a outrem!

Ela esteve longe da mente,

Longe do corpo e da alma,

Mas bem escondida

E abrigada no coração,

“Trancada a sete chaves”!

Ao trono que sempre lhe foi de direito a levei,

E passará a reinar sobre toda minha vida

– a antiga Rainha de Copas não passava

de usurpadora ardilosa nesse jogo de cartas

com tema surreal de Conto de Fadas

onde agora finalmente dou as cartas!

Em cerimônia solene de coroação com flores

– símbolo singelo das virtudes da alma –

Dou à nova Rainha, a Dama de Ouros,

O tesouro mais valioso do meu egrégio paço:

A CHAVE MESTRA!

Jair F. da Silva Jr.

05/03/2013

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sexta-feira, 5 de abril de 2013

Arroz - Roberto Klotz


Para cozinhar, antes de tudo, são necessárias ousadia, coragem e fé.
Minha filha passou por aqui ontem e deixou-me um bilhete dizendo que viria almoçar em casa.
           Num rápido diálogo com os botões da minha camisa, resolvi que era hora de caminhar com os próprios pés e demonstrar que eu já sabia fazer outras coisas na cozinha além de esquentar pizzas, descongelar lasanha e cozinhar miojo. Em tempo algum imaginei competição com a mãe dela. Apenas gostaria de externar meu carinho e fazer uma comidinha saudável e caseira.
          Chegou o grande momento. Vou fazer arroz pela primeira vez.
          Nem preciso de receita, tenho ótima memória e me considero bastante criativo para sair de qualquer embaraço.
          A primeira coisa é abrir o pacote de arroz. Antigamente era necessário escolher arroz, hoje também. O preço é muito variável de um supermercado para outro.
          Seremos apenas nós dois, logo, basta uma porção para cada um. Não quero que minha filha julgue que eu seja sovina. Meço três copos caprichados de cristal Cica. O próximo passo é lavar o arroz. Ainda bem que eu me lembrei disso a tempo. Faço questão de ter o arroz mais bem lavado que minha filha já comeu. Coloco num pirex e deixo de molho com um pouquinho de detergente.
          Sempre questionei a linguagem da cozinheira: Deixar de molho? Será que tenho que temperar para deixar com cara de molho?
          Minha filha terá mais orgulho de mim, se eu fizer um arroz , tem de ser colorido e saboroso.
          Farei arroz à grega, é isso.
          Da geladeira, eu pego duas cenouras, uma para ela e outra para mim. Da dispensa, pego uma lata de ervilhas e outra de milho, uma para cada um.
          É importante temperar. Ouvi dizer que bastam cebola, alho e sal. Eu não gosto de alho. Alho é bom para a memória. A gente lembra o que comeu até o dia seguinte.
          Descasquei a cebola e cortei em rodelas. Declaro, a quem interessar possa, que não chorei. Macho não chora. Foi só uma lagrimazinha discreta e ninguém viu.
          Coloquei uma grande panela no fogo e coloquei uma colherzinha de óleo. Eu nunca sei o nome certo para os procedimentos culinários. Parece-me que agora o nome é refogar. Eu ainda acho que é fritar na panela. Pois bem, com o óleo bem quente, frito as fatias de cebola e lanço uma colher de sal. Jogo fora a água do arroz e das latas de ervilhas e milho. Frito tudo junto com as cebolas. Quase esqueço das cenouras cortadas em cubos pequenos como se fossem milho ou ervilhas.
          Para cozinhar o arroz, acrescento dois copos de água.
          Agora é só mexer um pouquinho e logo estará pronto.
          Mexe, mexe, mexe.
          E agora? Acho que eu deveria abaixar o fogo. As ervilhas derreteram. Isso aqui está muito quente. Acho que está faltando água. Da geladeira pego a garrafa d´água novinha da minha filha, meço mais três copos e acrescento ao arroz. Observo o resultado e concluo que o nome certo é afogar o arroz e não refogar. Mexo mais um pouquinho a maçaroca empapada gigante e entendo que meu arroz não sobreviverá
          Melhor comprar arroz pronto no chinês perto de casa.
          Retorno para casa, com uma quentinha de frango xadrez e outra de arroz.
          Minha filha chegou em seguida.
          Contei a minha aventura nos procedimentos do arroz. Ela não achou graça nenhuma. Insinuou que eu devia estar bêbado por fazer tanta coisa errada. Protestei. Ela ainda me perguntou quem havia bebido toda aquela vodca da garrafa novinha da geladeira.