Quando nasci, saindo da
maternidade, no bairro do Humaitá no Rio de Janeiro, fui com meus pais para a
nossa casa e de meus irmãos, que era também a de primos, amigos e
empregadas queridas que lá passaram muito tempo. Era em Botafogo, à Rua Bambina
número 160.
No dia em que fiz seis anos, me
lembro bem. Ganhei dois presentes bem importantes para mim, um dos quais a
boneca Soneca. Eu pulava pela casa, toda feliz com ela e com Mariazinha, a nova
arrumadeira, que era sensacional e que ficou conosco muitos e muitos
anos, sendo um anjo na minha vida.
Falando
um pouco da casa. Era grande, com várias salas: a de visitas, a de jantar,
a saleta e o bolário. A primeira, com portas de vidro e reservada às visitas de mais cerimônia, guardava objetos que meu
pai trouxera de alguns países que visitara, como por exemplo um biombo chinês. Havia, igualmente, uma varanda na
frente. A saleta recebeu o nome de Sala do Cascateio, dado por nosso irmão
Cristiano. Um dia a inauguramos e foi ótimo! Juntou-se ali um monte de
gente, primos, amigos, irmãos. Ele propôs que todos falassem juntos o que
quisessem. E o amigo Ceará picou um monte de papeizinhos que foram jogados para
o alto. Engraçado foi que cheguei nessa hora e, sem saber o que estava
acontecendo, fiquei bastante admirada.
Do bolário, onde se guardava
bolas de vôlei; de futebol, novas e murchas, e suas respectivas bombas, tínhamos acesso ao campo de futebol, onde havia uma bela Mangueira. Quando as frutas amadureciam, meu irmão Álvaro, acordava cedinho e catava as dele, mas, quando eu lhe
pedia, ele me dava uma com um largo sorriso.
Até que um dia, como ele mesmo conta, acordou com um sapato novo Vulcabrás ao
lado, preto, brilhante e a história de que, com ele, iria para um colégio
interno.
Puxa vida! Eu me lembro quando íamos visitá-lo, no colégio em Lorena, meus
pais, meus irmãos Marcelo e Tereza, e eu. Voltávamos com o coração apertado, e chorávamos de saudades. Depois as cartas nos consolavam um pouco, porque, para nos alegrar, ele sempre contava algo pitoresco de lá, com carinho,
arte e seu jeito característico com as palavras. E no campo de futebol da
Bambina, ele era o mais craque.

Bebé e Tereza
Atrás
do campo havia uma área com a casinha da Bebé, que tinha sido babá da minha
mãe, tendo vindo morar conosco, acho que quando mamãe se casou. Ela era
proprietária de um ovo de Madeira e cerzia meias com ele. Era boníssima, mas gostava de controlar as empregadas quanto ao desperdício das
coisas. Um dia, pedi um suco de laranja para a Vanda, a cozinheira, e Bebé
disse que era ela quem iria fazê-lo, pois ela é que sabia espremer até o fim,
sem desperdiçar laranjas. Eu lhe respondi que queria que Vanda o fizesse, pois
ela fazia mais rápido e eu estava com pressa. Discutimos. E ela começou a ficar
brava. Veio atrás de mim,e eu subi a escada correndo com Bebé
furiosa atrás de mim. O problema era que ela sofria do coração, e, às vezes
tinha ataques, precisando-se chamar uma ambulância. Esse dia foi um deles e
ela foi para o hospital.
Fiquei preocupada, me sentindo culpada, até podermos nos abraçar de
novo e vermos que estava tudo bem.
Passando agora ao terraço do
terceiro andar, "vemos" mesa de pingue-pongue, totó, sinuca e tevê; local aonde
minha babá Petita, que também era uma querida, me levava para ver o repórter
Esso, porque era gamada pelo apresentador. Lá havia também um som e minhas
irmãs Tereza e Angela ficavam ouvindo as músicas românticas que
curtiam. Às vezes, assistíamos de lá de cima a campeonatos de vôlei e futebol,
que aconteciam no campo.
De vez em quando, Angela fazia uma fogueira nesse campo. E também passava
filmes em uma tela grande, lá colocada para a sua turma.
Cada quarto abrigava dois
irmãos. Tereza e eu gostávamos de curtir os sapatos e bolsas no quarto de
Regina e Angela. Quando queriam conversar algum segredo, começavam a falar
em Inglês. Nós não entendíamos e ficávamos furiosas. Regina gostava de ajudar a mamãe a nos educar. Matriculou-nos, a mim e a
Tereza, no tênis no Clube Naval Piraquê da Lagoa, assim como no balé.
Contratou uma empregada, a Lucimar, só para arrumar nosso quarto e nos levar
aonde precisávamos ir. Regina gostava também de trazer novas modas de cabelos e
roupas para nós, Angela também gostava de fazer penteados nos nossos cabelos. O
problema era que Regina queria sempre que vestíssemos o que ela queria, mesmo
quando nosso gosto era contrário. Quando Regina foi para os Estados Unidos,
sofremos muito de saudades. Ela mandava muitas cartinhas, lindas e cheirosas,
que eu amava, e quando voltou trouxe uma mala, grande, cheia de roupas e
chicletes. Foi uma festa a Regina de volta e aqueles presentes maravilhosos.
Uma vez, eu devia ter ainda seis
anos, uma amiga do colégio Jacobina levou uma boneca que andava. Foi um sucesso
na escola. Naquela época era uma novidade boneca que andava.
Regina nos mandara revistas dos Estados
Unidos e um dia
eu estava folheando-as, e que vejo! Uma propaganda da boneca igualzinha
aquela!! Recortei-a e lha enviei, comentando que gostaria muito de tê-la. A boneca
andava com pilhas e vinha com patim vermelho, bochechas rosinhas, e era
lourinha, linda e cheirosa!
No dia da chegada da Regina, meus pais,
meus irmãos e eu fomos buscá-la no aeroporto. Estávamos esperando-a e olhando
através de um vidro. De repente, ela apareceu, logo colocando, a seu lado, a
boneca para andar! Igualzinha a que eu queria!! Foi muita alegria para mim! E
ela contou que a pusera para andar no corredor do avião e havia sido um sucesso.
Regina costumava fazer um
resumo do Jornal do dia e falava para Tereza e eu o estudarmos e depois nos
tomava a lição. A cada resposta certa, ela nos dava, digamos, o equivalente a
um real, para que ficássemos mais cultas.
O quarto do Cristiano emendava
com o do Jorge. O deste tinha uma janela que dava para uma escada que vinha
desde o primeiro andar e seguia até o terraço.
Eu gostava de me sentar na escada em frente à janela do Jorge, que geralmente
estava estudando física ou geometria. E pedia para ele fazer pra mim uns
bonequinhos de papel que ficavam em pé. Geralmente ele fazia. E eram esplêndidos!
Meu quarto, dividido com
Tereza, tinha uma janela que dava para aquela escada. E, lendo gibi, eu via
Álvaro e Marcelo subirem contentes com suas caixinhas de botões, para jogar
futebol de botão no terraço. O que me afligia, pois quase sempre, dali a uns quarenta
minutos, desciam os dois brigando, xingando cobras e lagartos. Foi gol! Não foi!
Eu que ganhei! Foi falta! Não foi! E demorava pra essa briga acabar.
No jantar, tudo parecia bem
com todos, mas eu ficava igualmente tensa, pois geralmente havia discussões sobre política. Um dia saiu uma briga tremenda e Bento, o noivo da
Regina, puxou a Tereza e a mim da mesa e nos levou para cima, pra não
assistirmos a briga.
Eu gostava de inúmeras coisas daquela casa,
como o fato de haver vários quartos com diversos ambientes e nove irmãos que, embora às vezes bravos
e tal, eram carinhosos e sensíveis em muitas situações. Sentia-me, porém, às vezes invadida e carente de um ambiente mais simples, com mais
atenção dos meus pais, que tinham que se dividir entre seus dez filhos. Papai
passava a semana toda em Brasília, onde trabalhou como Deputado Federal por 20 anos consecutivos, só indo para casa aos fins de semana.
Mamãe costumava ir ao centro
fazer compras ou ir ao dentista. E eu,frequentemente, ficava esperando-a na
sacada que havia em seu quarto e que dava para a rua. Ficava ali horas naquela
varandinha, morrendo de saudades. Muitas vezes me sentia perdida naquela casa
grande sem a mamãe. Quando esta chegava eu a abraçava e ficava atrás dela pela
casa. Gostava de chamar sua atenção, às vezes de forma meio lúdica,
colocando debaixo de seu travesseiro, um bonequinho de borracha, desses que a
gente apertava e fazia um barulhinho, finh fuinh. Assim, ao deitar a cabeça
para dormir, ela ouviria o apito, e se lembraria de mim.
A atenção da mamãe era muito
disputada na casa. Tinha a hora do aeiou. Às vezes queríamos falar com ela e
ela estava ao telefone. Geralmente demorava demais pra acabar! Ficava num eterno
aeiou!
- Ah!! EH?! Ih! Oh, Ulh!
Se estivéssemos com pressa era um tormento.
O quarto dos dois irmãos mais velhos,
Vianney e Luiz, era interessante. Em cima da mesa deles geralmente havia um
avião em construção, um aeromodelo, que faziam com ripas de madeira e papel
vegetal, e o colocavam para planar no Vale Florido, em Petrópolis, onde alugávamos uma casa de campo.

Eram muito habilidosos,
grandes engenheiros! No quarto deles havia uma janela que dava para um
corredor, e, ao fim deste, situava-se o banheiro deles, e o escritório do
papai.
Que quando estava em casa, quase sempre era ali que ficava, concentrado,
escrevendo suas palestras. Trabalho que amava fazer. Fez um programa na rádio Nacional durante quarenta anos, programa
este irradiado por cinco minutos todos os dias da semana, de manhã e, depois, pela manhã e à tarde. Eram palestras sobre variados assuntos, como
curiosidades científicas ou algo que ele tirava do cotidiano, com algum alento
construtivo e espirituoso. Lembro-me de uma que falava sobre uma descoberta de
que na nossa lágrima havia um efeito de antibiótico, algo assim, mas não era de
qualquer lagrima, só daquelas do cantinho do olho, naquela mais profundamente
sentida. Que interessante. Ele tinha muito talento para escrever; tinha poder
de síntese, fina e espirituosa sensibilidade. Uma grande e linda alma, o meu
pai Eurípides.
De vez em quando, estando ele no escritório, compenetrado em seu trabalho, eu
ia visitá-lo um pouquinho, e ele me dava atenção. Depois, falava que precisava
voltar ao trabalho, mas, sem deixar de expressar um suave e verdadeiro carinho.
Outras vezes, eu estava chateada com alguma coisa, e chegava lá reclamando, e
ele pedia:- Dê um sorriso!
Muitas
vezes eu não estava com vontade de sorrir. Ele insistia. Eu dava um sorriso sem graça, forçado, e acabávamos
achando graça de verdade do fato.
Há tantas coisas interessantes
para serem lembradas daquela casa, durante a minha infância! O "Alguém!" do
Vianney, por exemplo, era assim: De repente, ele chamava, bem alto: - ALGUÉEM!
E
poderia ser para nos dar algo interessante, que ele não queria mais ou para nos
pedir algum favor. Então, nos arriscávamos para ganhar algo, ou para ter que lhe
fazer um favor..
A família