sábado, 4 de junho de 2011

XXV

                          DOIS DEDOS DE PROSA, QUATRO DE POESIA

1h45 e o relógio não anda. Tanta coisa pra fazer amanhã, aliás, hoje...
Como se eu estivesse no volante, atrás de alguém dirigindo devagar, ou em um táxi, quando pedimos, intimamente ou não, ao motorista que acelere, quero combinar com o Tempo, que passe mais rápido, só até o dia clarear. A idéia é que nas horas mortas, em que o mundo dorme e o trânsito está livre, ele pise no acelerador. Com o nascer do dia, seu filho, ele não só pode como deve desacelerar, para não atropelar ninguém, muito menos as horas, suas filhas, apreciando-as na justa medida, possibilitando a todos aproveitar o dia a contento.
Minha dentista disse que sou diferente. Acho que comecei a ficar desse jeito, anos atrás, quando me acostumei a ver um jornal produzido por meus irmãos, colado na parede, ao longo da escada. E, agora de repente, estou  ansiosa para colocar o meu no corredor.
 Por isso quero negociar com o Tempo, senhor das eras: Passe mais rápido, durante à noite, e, com a chegada do sol e após reduzir a marcha, aprecie, com vagar, os afazeres, as produções, o burburinho de tanta gente que se apressa, que não para, que ri, ama, se arrepende, se exercita, trabalha, acontece, pensa, agita, compõe, computa dor, chora, influencia, permanece, canta, escreve, viaja e lê, apesar das palavras iconoclastas de Fernando Pessoa, que, em um poema, começa, inacreditavelmente, dizendo: "Ai, que prazer não cumprir um dever. Ter um livro para para ler e não o fazer! Ler é maçada, estudar é nada..." (sic!) E assim termina: " E mais do que isso é Jesus Cristo, que não sabia nada de finanças, nem consta que tivesse biblioteca." 
Ora, Gutenberg nasceu em 1400 ! Data venia aos inúmeros admiradores do célebre escritor, Fernando Pessoa morreu com 47 anos, portanto, não tinha idade para ter Alzheimer... E não estou procurando briga, apenas, dei de cara no jornal com a barbaridade acima. Data venia novamente, prefiro mil vezes Saramago.
No meu corredor atual, haverá desabafo consignado no Correio por um pai de família, que escreveu contra a legalização das drogas e contra a frase ”Só quem é burro não muda de opinião”, dizendo que prefere morrer burro a ver seus filhos vagando qual zumbis em busca de saciar o vício que lhes rouba a vida, transformando-os, aí sim, em idiotas que não têm sequer vontade própria.(sic)
Voltando ao mural, vai haver horizonte, fonte, a pedra do caminho, vai.
Vai haver notícia, sugestão, lembrança, afetos, e protestos outros, vai.
Vai haver dois dedos de prosa e quatro de poesia, vai.

Vou também viajar. Voltarei a escrever em Portugal, ao som de um Fado, com o coração desafogado como o tráfego noturno.
           E para não dizerem que não falei de poesia,
           "... O mundo para ele era um monte de pão e para mim um monte de idéias.
            Bárbaro tinha pão que sobrasse e meia dúzia de idéias.
            Eu tinha idéias que sobrassem e meia dúzia de pães.
            Era fatal nosso choque." Pio Ottoni Júnior em Ópera do Poeta e do Bárbaro

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