domingo, 8 de julho de 2012

XLVII (último capítulo de "Beijos na Alma)"

Ao final da missa de sétimo dia parecíamos conformados com a “velinha” extinta. Fora melhor para ela – dizíamos – avançada em anos, não falava mais, quase não ouvia e totalmente dependente, até para andar.
Mas sua ausência sempre presente tornou o sofrimento elástico. Quanto mais o tempo se dilata, maior é a saudade, contrariando o ditado "longe dos olhos, longe do coração".
Ao final da missa de trigésimo dia, parecíamos contentes, abraçando irmãos, primos e amigos não vistos por muito tempo. Ficara surpreendida. Minha mãe se fora, e eu, que tinha certeza que desabaria quando isso acontecesse, estava firme como rocha!
Ignorava que a dor cravada lá no fundo, iria aflorar pouco a pouco, sempre e com toda a fúria, na mesma intensidade do punhal que,à medida que se retira,traz em sua lâmina carne viva, sangue e lágrimas.
De que adianta meu dom de achar o que se perde? Queria achar a minha mãe!
Ao que, com o intuito de me consolar, um amigo escreveu: Angela, você não vai encontrar sua mãe por um motivo muito simples: você não a perdeu.
Fiquei com os olhos cheio d'água, mas minha irmã Quérida disse que eu a tinha dentro de mim.
Realmente, no entanto não a sabia tão chorona...
E, entre lágrimas; arrumações cada vez mais esporádicas de prateleiras e gavetas (sempre que termino uma faxina, penso: agora sim, a casa estaria pronta para receber a minha irmã, que afinal não veio. O tempo passa, arrumações são novamente necessárias, no eterno trabalho doméstico nunca valorizado, mas reconhecido por quem o realizou e isso quase que basta) e o acompanhamento pelo Facebook da escalada do meu neto primogênito ao Pico da Bandeira, mergulho em "Se una notte d’inverno um viaggiatore", de Italo Calvino, em uma re-releitura, desta vez no original, para aprender uma língua nova,tentando afastar a doença de Alzheimer, de maneira pra lá de prazerosa.Delícia de livro. Acordo com todo o gás, louca para abri-lo.
Leio, agradecendo a quem me deu esse grande interesse e ocupação, mas de vez em quando, surge a vontade de emergir para compartilhar o meu fascínio. No entanto, me contenho, pois as pessoas vivem mundos diferentes e as diversas fases não coincidem. Quando estou pairando nas alturas de um enlevo literário, outras estão chegando a casa, cansadas, sem ânimo ou tempo para curtirem as páginas que me deixam feliz.
Comecei este e-book após a morte de meu pai e o termino hoje,sem ambos os pilares de minha estrutura, dia oito de julho, data em que minha mãe, muito amada, faria 96 anos,e,pela primeira vez,não podendo abraçá-la, deixo-lhe um grande beijo em sua alma, esteja ela onde estiver...

3 comentários:

  1. Ângela querida, que lindo relato emocionante e que me sacudiu as raízes!
    Em homenagem À Maricota, escrevi o poema que vou postar aqui para você em especial.
    Beijos e obrigada por compartilhar tantas emoções!

    RÉQUIEM PARA MARICOTA

    Vivemos um 8 de julho sem Maricota e seu azul!
    Tivemos de nos contentar com o gris!
    As tintas se espalham em desalinho.
    O frio se impõe sobre nós.
    Tornamo-nos mais pensativos.
    As lágrimas banham meus olhos
    Que se afogam na escuridão
    Porque reclamam a tua luz
    Sobreviver ao inverno glacial
    E o que faremos sem o teu perfume?
    A tua leveza não veste mais o presente.
    Recriamos o teu sol radiante
    Agradecemos pela dádiva
    De ter sido tocados pela tua beleza!

    Nathalia Leão Garcia

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    1. Obrigada, digo eu, Nathália, por esse Réquiem tão lindo. Estou emocionada. Ainda durmo chorando, caminho chorando,faço ginástica em lágrimas, ouço música em lágrimas, como chorando, enfim, faço tudo o que preciso fazer, mas sempre chorando, embora sem deixar que outros percebam, mas acho que serei como o papai que chorou a vida inteira a perda de seu pai...

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    2. Ola, Angie!!! Tenho um blog!!!!!!!!! com ajuda da Nathalia...depois volto beijo!!

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