quinta-feira, 1 de novembro de 2012

A Caixa de Pandora - Genserico Júnior

Adaptação de um mito grego Prossegue a temporada jornalegórica dos mitos metafóricos, de sentido parabólico, incorporando estilos hiperbólico, onírico, telúrico, lúdico, idílico, etílico, elíptico, poético, caótico e diabólico, com sutil olhar político. Esse palavrório inicial serve tão somente para impressionar e confundir o pobre leitor. Exatamente para isso: não está aqui para esclarecer, mas para obnubilar ainda mais o panorama visto da ponte. Quem quiser que destrinche as chacrinhas, digo, as charadas. Não estamos em época de falar às claras, diante do respeito, e mesmo temor que tenho pelo dito senso comum, que atende também pelo nome de opinião pública, de um público mesmerizado pela não dita e maldita, porque parcial, opinião publicada da grande mídia nacional. Eis a nova história: Brasiliano mantinha no fundo dos seus guardados uma caixinha com aplicações de marchetaria, de estilo árabe, que lhe foi presenteada por um gênio mesopotâmico, quando naquela região babilônica esteve, no início da década dos anos setenta do já saudoso século passado. Caixa que foi bem preservada durante todo esse tempo, mas que lhe reservou incontáveis surpresas, como a seguir contarei, tal como um emocionante e aterrorizante jogo de futebol do meu time no brasileirão deste ano, perigando cair no caldeirão do mundo inferior da segundona. Desde que recebeu a caixinha, ela fora displicentemente colocada no chão, num canto esquecido do seu escritório, sob uma coluna de pastas contendo papéis antigos, e nunca foi aberta. A experiência o aconselhava a não abri-la jamais, dada a sua origem misteriosa. Ninguém sabe o que ali estaria guardado, principalmente por ser um regalo de um gênio (gênio mesmo, daqueles que saem das lâmpadas maravilhosas). Aliás, esse maravilhoso ser o advertira nesse sentido, pois em tal interior teriam sido depositados segredos milenares da oriental sabedoria. Foi a sua arrumadeira, a Jefinha, quem bisbilhotou o misterioso objeto, possivelmente em busca de alguma coisa valiosa: dinheiro, jóias, dólares, euros, para compensar a parca remuneração que recebia do seu patrão, um pensador politicamente correto, mas um mão de vaca dos mais renhidos, coitado, por ter-se transformado em um aposentado senil, desamparado também pela sociedade, especialmente pelo INSS e pelo SUS. Assim posto, era incompatível seu estado de penúria com as grandes expectativas de Jefinha quanto ao conteúdo do receptáculo (para não ficar repetindo caixinha, caixinha...). O fato é que o recipiente (sempre evitando a repetição) enfim foi violentado. De lá saiu o pecado que gera todos os males do mundo: corrupção em todas as suas formas e nuances, e, ainda, todas essas imundícies humanas que fazem parte do jogo dos viventes em seu exercício de convivência, de competição e de poder. Saiu muito mais do que um simples reforço na mesada que tanto interessava a faxineira. Foi então que essa vetusta e rotunda senhora, frustrada com a aparição de tantas desgraças, na esperança de encontrar o perdão ou se vingar do pão-duro de seu patrão, pegou o seu celular, ligou para o 190 e delatou os males que estavam ocorrendo na vizinhança que, segundo ela, teriam origem na abertura daquela caixa misteriosa. Instaurado, o devido inquérito superou em todos os sentidos o que foi denunciado. O assunto foi levado à consideração suprema de uma corte de sábios que analisou a fundo a procedência do acontecido, julgou e condenou Brasiliano e Jefinha às miasmas do cativeiro por um longo período de tempo. Eles ainda penam por lá, não se sabe quando sairão. Mas a desgraça era tanta que transbordou da culpa do Brasiliano e de sua serviçal. A população atônita viu-se surpreendida com tanta sorte de torpeza e impureza que dali continuou saindo. Se possível voltar atrás, talvez fosse melhor nunca ter dado à luz tamanha porcariada, estancando a fonte de todas essas mazelas, pensou Jefinha. Manteria tudo por baixo da tapeçaria. Mas não se pode voltar no tempo. É para frente que se anda. O julgamento das imundícies foi exemplar. Espera-se que os ânimos delituosos se arrefeçam daqui para frente. Contudo, como deveria ser, o exemplo repercutiu para além (ou seria aquém?), do que foi julgado pelos zeuses. A caça às bruxas retrocedeu no tempo e foram julgados, culpados e condenados todos os responsáveis por terríveis delitos cometidos pratrasmente. E assim aconteceu: foi uma enxurrada de desgraças que assomou à superfície do pântano, o que deixou ainda, por muito tempo, a população estupefata, principalmente pelo cheiro que exalava. Mas assim é que deve ser, desde a prática da medicina antiga, quando se recorria às sangrias para extirpar o mal de certas doenças do organismo infectado, até o ápice da psicanálise freudiana que procura o afloramento e a consequente conscientização daquilo que está guardado nos escaninhos escabrosos da mente humana, para se chegar à saúde plena. Se não tanto, minimizar os males das doenças. Assim é também a vida das pessoas, que só melhora quando se perscruta o que vai além das aparências. Muitos são de opinião que se deve tampar a caixa tenebrosa de Pandora do Brasiliano, para se evitarem maiores tumultos. Outros, como eu, consideram ser bem melhor mantê-la aberta, deixando escorrer o sangue ruim ou, alternativamente, deitarmo-nos todos no divã do mestre austríaco. Para tornar exemplar o julgamento, faz-se mister deixar sair toda a podridão contida e chegar às últimas consequências da exumação, porque, caso contrário estaríamos vivendo no vergonhoso reino da indignação seletiva. No dia a dia da convivência entre as pessoas em nossas sociedades atuais, já não se pode mais apelar para a justiça de Zeus, no seu Olimpo, há muito alheio às nossas vicissitudes, para que nos livre de nossos males, amém. Só com a abertura da realidade, evitando-se os exibicionismos gratuitos e distorções mal intencionadas, se consegue um mínimo de correção dessas nossas distorcidas alminhas humanas que, pela observação milenar da espécie, se encontra em pleno processo de transformação, mas ainda muito longe do dia em que iremos galgar o Olimpo, e nos transformarmos também em semideuses, substituindo os zeuses decaídos. Isso jamais acontecerá. Palavra de contador de causos mitológicos revisitados. Afinal, os mitos originais foram criados há milhares de anos e ainda se prestam a adaptações atualizadíssimas. Nada de muito novo acontece que não tenha acontecido desde que o mundo é mundo. O conteúdo é sempre o mesmo, a forma é que muda. Itapoã, Vila Velha (ES). jornalego@terra.com.br www.ecen.com/jornalego

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