quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Vila Velha (parte final ) - Angela Delgado

                          

     Kérida e Chérie foram almoçar com um casal amigo. Sendo ele um senhor inglês de uns setenta e poucos anos, Kérida me fizera trocar a blusa que eu vestia por outra mais “composta” e ainda reclamou do batom que, sob a luz do elevador, lhe parecera branco.
     A caminho do restaurante, comentando o que lera do indiano Deepak Chopra, conta que o livro sugere que a cada dia nos aferremos a um lema, e ela naquele dia, estava no da liberdade.
     - Que liberdade é essa, se tive que trocar de blusa e ouvir comentários sobre o batom?
     - A minha liberdade de falar, Chérie!                                                      
     - Ah, entendi!
     Hoje, as duas tomaram café em um restaurante bem aprazível, o “Mezanino”, antigo “Prima Villa” e de lá foram direto para a praia. Kérida, com batom de Chérie, redimido devido à incidência da luz solar. Ao lá chegarem, Kérida disse que esquecera a boia. Boia?! Sim, a que comprara para relaxar no mar. Volta então ao seu apartamento, enquanto Chérie fica à sua espera na areia. Os minutos passam e esta calcula: cinco para subir, cinco para, digamos, passar fio dental, mais cinco para se lembrar do que fora mesmo fazer lá, e outros cinco para se juntar a ela. Esse tempo já se esgotou e “Margarida” ainda não reapareceu. Se o lema dela hoje for o da “Perfeita organização” vai custar a chegar. 
       Então, como no excelente filme “La Belle verte”, Chérie tenta transmitir, com os pés na água do mar, pensamentos de amor e serenidade. O problema é que, pelo menos no filme, para que essas “ondas” sejam captadas, o destinatário precisa igualmente estar com os pés na água, nem que seja na do banho.
       Falando em água, dois dias depois da experiência traumática no “banana-boat” iam as duas irmãs pela beira do mar, quando Kérida se deteve à vista do novo esporte chamado “Stand up”, que consiste em remar em pé em cima de uma prancha.
      - Kérida, não vou deixar você fazer isso...
      Pouco tempo depois Chérie  estava na prancha. Aprendeu rapidinho e até ganhou uma salva de palmas da “arquibancada” na areia. Só não agradeceu acenando do mar, para não estragar tudo mergulhando involuntariamente.
       Kérida devia estar morta de vontade de fazer o mesmo. Que maldade! Amanhã, então, irão as duas remar, porém, sentadas em um caiaque.
     As Gatosas (gatas idosas) remaram; se exercitaram; se bronzearam e riram muito, pois Kérida, que anda pelo calçadão com uma boia a tiracolo, “causando” espanto, não admite que em seu trajeto rumo ao restaurante, Chérie abra o guarda-chuva para se proteger do sol cancerígeno. Ou seja, continua aferrada ao lema da liberdade, pessoal, mas já é alguma coisa.
     Falei em caminhada pelo calçadão, mas a da Kérida é sui generis,  pois quando enxerga um cachorrinho é como se estivesse diante de um sinal vermelho. A parada é automática. Como Chérie já a conhece de outros carnavais, antes que Kérida indague sobre a raça e os costumes do cãozinho, e conte boa parte de sua vida, ela está à meia légua de distância. Outra maldade?
     Depois da sauna da tarde, Chérie agradece por tudo o que a temporada lhe proporcionou. Com exceção do momento em que apreciando embevecida o lindo visual da Praia da Costa, vira aterrissar e correr pelo seu braço o inseto Kafkiano. Aquela cena de terror, destoante  do cenário, a fizera gritar a mais não poder, porque na imensidão de todo aquele ar livre, como fora possível aparecer uma barata e, ainda por cima, em vez de ao menos pousar em uma das barracas, vir parar justamente em cima dela? Mas, fora mulher suficiente para ir atrás da abominável que corria pela areia e matá-la com uma firme chinelada.
            Moral da história: o bem e o mal são siameses e não adianta espernear.

2 comentários:

  1. Angela, fiz um passeio muito agradável pelo seu blog. A música é o Concerto para uma voz? Suas aventuras no Espírito Santo foram divertidas. Ri muito da calcinha na praia e do surgimento da barata. Também achei interessante vc deixar seu livro no avião para que alguém o encontrasse. As crônicas são simpáticas e descontraídas, como a autora. Bj, Luci

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigada, Luci, pela visita e pelo comentário.
      A música, "Concerto pour une voix é do mesmo cd e também linda, mas a que coloquei é o "Prélude pour piano".
      Beijo.

      Excluir

Seu comentário aguardará moderação