segunda-feira, 4 de março de 2013

Vade retro - Angela Delgado



         Vade retro, Inspiração. Volte amanhã em hora decente. Não olhou o relógio? 3h15 da madrugada. Hora em que os justos estão dormindo. Mas se deixar para amanhã, vai ser prosa inacabada, que o sol derrete os miolos. Pois que derreta, tenho uma aula a dar amanhã, pela manhã. Onde está a dificuldade em se começar hoje e acabar depois? Uma criança é feita em nove meses... Só que você não vai dormir mesmo, o cachorro não latiu. Pronto, olhe o gancho mnemônico, porque sendo a explicação do cão nesta história algo que não carece de inspiração, posso fechar os olhos tranqüilamente. Aí empacará no animal e tudo vai pro brejo. Não necessariamente. Pode ser algo como as Mil e uma noites, interrompendo quando bem entender, ou no ponto crucial do meu sono. Aliás, se eu fosse o sultão, mandaria decepar Shéhérazade logo na segunda noite, por tão escandalosamente horríveis serem suas histórias.

          Obrigada, meu Deus, por conduzir minha filha sã e salva de volta para casa. Já agradeço em vez de pedir, essa é a minha tática. Se estiver sonolenta, devido a algum vinho tomado, jogue água fria em seu rosto. Pode ser água benta mesmo.

E assim, abaixo as orelhas de cão perdigueiro, atenta aos ruídos que, nem sempre são os de minha filha chegando, mas os do quati, insone ou bêbado, derrubando coisas do sótão sobre minha cabeça, ou o do vidro do box estalando depois que um avião sobrevoa nosso telhado. Mas, posso relaxar. Os pensamentos se materializarão e o cão latirá pois minha filha chegará.
Se tivesse tomado um Lexotan, estaria dormindo em vez de ficar aqui escrevinhando, É, mas não me venha com humildade de anzol. Humildade de quê? Não venha com uma conversa de que estava com sono e coisa e tal, só para pescar elogios, Eu não, até que gostei do que escrevi. Depois de passar quase o dia inteiro lendo Clarice Lispector, tenho a ligeira suspeita de que ela não quis ir embora e me inspirou.

           O dia amanheceu e o gancho é que o cão que se “engatalfinha” com os gatos da vizinha, levando homéricas patadas, obviamente vê neles uma grande ameaça e, com a chegada de seus donos, acredita ser dever seu protegê-los, partindo furiosamente latindo para cima deles, não dos donos, mas dos gatos, denunciando, com seu estardalhaço a hora tardia do regresso de Filha Antropóloga ao lar.

          Abajur, você que está falhando, queime de vez e me deixe dormir!

Um comentário:

  1. Nunca perdi o sono por conta de inspiração. Também, tomo um Lexotan toda noite! Gostei da "humildade de anzol", não conhecia a expressão.
    Bjs

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