quinta-feira, 16 de abril de 2015

Algumas lembranças da minha infância, na casa da rua Bambina - por Cecília Ottoni de Menezes



            Quando nasci, saindo da maternidade, no bairro do Humaitá no Rio de Janeiro, fui com meus pais para a nossa casa e de meus irmãos, que era também a de primos, amigos e empregadas queridas que lá passaram muito tempo. Era em Botafogo, à Rua Bambina número 160.
            No dia em que fiz seis anos, me lembro bem. Ganhei dois presentes bem importantes para mim, um dos quais a boneca Soneca. Eu pulava pela casa, toda feliz com ela e com Mariazinha, a nova arrumadeira, que era sensacional e que ficou conosco muitos e muitos anos, sendo um anjo na minha vida.
            Falando um pouco da casa. Era grande, com várias salas: a de visitas, a de jantar, a saleta e o bolário. A primeira, com portas de vidro e reservada às visitas de mais cerimônia, guardava objetos que meu pai trouxera de alguns países que visitara, como por exemplo um biombo chinês. Havia, igualmente, uma varanda na frente. A saleta recebeu o nome de Sala do Cascateio, dado por nosso irmão Cristiano. Um dia a inauguramos e foi ótimo! Juntou-se ali um monte de gente, primos, amigos, irmãos. Ele propôs que todos falassem juntos o que quisessem. E o amigo Ceará picou um monte de papeizinhos que foram jogados para o alto. Engraçado foi que cheguei nessa hora e, sem saber o que estava acontecendo, fiquei bastante admirada.
             Do bolário, onde se guardava bolas de vôlei; de futebol, novas e murchas, e suas respectivas bombas, tínhamos acesso ao campo de futebol, onde havia uma bela Mangueira. Quando as frutas amadureciam, meu irmão Álvaro, acordava cedinho e catava as dele, mas, quando eu lhe pedia, ele me dava uma com um largo sorriso.
           Até que um dia, como ele mesmo conta, acordou com um sapato novo Vulcabrás ao lado, preto, brilhante e a história de que, com ele, iria para um colégio interno.
           Puxa vida! Eu me lembro quando íamos visitá-lo, no colégio em Lorena, meus pais, meus irmãos Marcelo e Tereza, e eu. Voltávamos com o coração apertado, e chorávamos de saudades. Depois as cartas nos consolavam um pouco, porque, para nos alegrar, ele sempre contava algo pitoresco de lá, com carinho, arte e seu jeito característico com as palavras. E no campo de futebol da Bambina, ele era o mais craque.


 Bebé e Tereza


            Atrás do campo havia uma área com a casinha da Bebé, que tinha sido babá da minha mãe, tendo vindo morar conosco, acho que quando mamãe se casou. Ela era proprietária de um ovo de Madeira e cerzia meias com ele. Era boníssima, mas gostava de controlar as empregadas quanto ao desperdício das coisas. Um dia, pedi um suco de laranja para a Vanda, a cozinheira, e Bebé disse que era ela quem iria fazê-lo, pois ela é que sabia espremer até o fim, sem desperdiçar laranjas. Eu lhe respondi que queria que Vanda o fizesse, pois ela fazia mais rápido e eu estava com pressa. Discutimos. E ela começou a ficar brava. Veio atrás de mim,e eu subi a escada correndo com Bebé furiosa atrás de mim. O problema era que ela sofria do coração, e, às vezes tinha ataques, precisando-se chamar uma ambulância. Esse dia foi um deles e ela foi para o hospital.
           Fiquei preocupada, me sentindo culpada, até podermos nos abraçar de novo e vermos que estava tudo bem.
            Passando agora ao terraço do terceiro andar, "vemos" mesa de pingue-pongue, totó, sinuca e tevê; local aonde minha babá Petita, que também era uma querida, me levava para ver o repórter Esso, porque era gamada pelo apresentador. Lá havia também um som e minhas irmãs Tereza e Angela ficavam ouvindo as músicas românticas que curtiam. Às vezes, assistíamos de lá de cima a campeonatos de vôlei e futebol, que aconteciam no campo.
            De vez em quando, Angela fazia uma fogueira nesse campo. E também passava filmes em uma tela grande, lá colocada para a sua turma.
            Cada quarto abrigava dois irmãos. Tereza e eu gostávamos de curtir os sapatos e bolsas no quarto de Regina e Angela. Quando queriam conversar algum segredo, começavam a falar em Inglês. Nós não entendíamos e ficávamos furiosas. Regina gostava de ajudar a mamãe a nos educar. Matriculou-nos, a mim e a Tereza, no tênis no Clube Naval Piraquê da Lagoa, assim como no balé. Contratou uma empregada, a Lucimar, só para arrumar nosso quarto e nos levar aonde precisávamos ir. Regina gostava também de trazer novas modas de cabelos e roupas para nós, Angela também gostava de fazer penteados nos nossos cabelos. O problema era que Regina queria sempre que vestíssemos o que ela queria, mesmo quando nosso gosto era contrário. Quando Regina foi para os Estados Unidos, sofremos muito de saudades. Ela mandava muitas cartinhas, lindas e cheirosas, que eu amava, e quando voltou trouxe uma mala, grande, cheia de roupas e chicletes. Foi uma festa a Regina de volta e aqueles presentes maravilhosos.
            Uma vez, eu devia ter ainda seis anos, uma amiga do colégio Jacobina levou uma boneca que andava. Foi um sucesso na escola. Naquela época era uma novidade boneca que andava.
            Regina nos mandara revistas dos
Estados Unidos e um dia eu estava folheando-as, e que vejo! Uma propaganda da boneca igualzinha aquela!! Recortei-a e lha enviei, comentando que gostaria muito de tê-la. A boneca andava com pilhas e vinha com patim vermelho, bochechas rosinhas, e era lourinha, linda e cheirosa!
            No dia da chegada da Regina, meus pais, meus irmãos e eu fomos buscá-la no aeroporto. Estávamos esperando-a e olhando através de um vidro. De repente, ela apareceu, logo colocando, a seu lado, a boneca para andar! Igualzinha a que eu queria!! Foi muita alegria para mim! E ela contou que a pusera para andar no corredor do avião e havia sido um sucesso.
           Regina costumava fazer um resumo do Jornal do dia e falava para Tereza e eu o estudarmos e depois nos tomava a lição. A cada resposta certa, ela nos dava, digamos, o equivalente a um real, para que ficássemos mais cultas.
           O quarto do Cristiano emendava com o do Jorge. O deste tinha uma janela que dava para uma escada que vinha desde o primeiro andar e seguia até o terraço.
           Eu gostava de me sentar na escada em frente à janela do Jorge, que geralmente estava estudando física ou geometria. E pedia para ele fazer pra mim uns bonequinhos de papel que ficavam em pé. Geralmente ele fazia. E eram esplêndidos!
           Meu quarto, dividido com Tereza, tinha uma janela que dava para aquela escada. E, lendo gibi, eu via Álvaro e Marcelo subirem contentes com suas caixinhas de botões, para jogar futebol de botão no terraço. O que me afligia, pois quase sempre, dali a uns quarenta minutos, desciam os dois brigando, xingando cobras e lagartos. Foi gol! Não foi! Eu que ganhei! Foi falta! Não foi! E demorava pra essa briga acabar.
           No jantar, tudo parecia bem com todos, mas eu ficava igualmente tensa, pois geralmente havia discussões sobre política. Um dia saiu uma briga tremenda e Bento, o noivo da Regina, puxou a Tereza e a mim da mesa e nos levou para cima, pra não assistirmos a briga.
           Eu gostava de inúmeras coisas daquela casa, como o fato de haver vários quartos com diversos ambientes e nove irmãos que, embora às vezes bravos e tal, eram carinhosos e sensíveis em muitas situações. Sentia-me, porém, às vezes invadida e carente de um ambiente mais simples, com mais atenção dos meus pais, que tinham que se dividir entre seus dez filhos. Papai passava a semana toda em Brasília, onde trabalhou como Deputado Federal por 20 anos consecutivos, só indo para casa aos fins de semana.
            Mamãe costumava ir ao centro fazer compras ou ir ao dentista. E eu,frequentemente, ficava esperando-a na sacada que havia em seu quarto e que dava para a rua. Ficava ali horas naquela varandinha, morrendo de saudades. Muitas vezes me sentia perdida naquela casa grande sem a mamãe. Quando esta chegava eu a abraçava e ficava atrás dela pela casa. Gostava de chamar sua atenção, às vezes de forma meio lúdica, colocando debaixo de seu travesseiro, um bonequinho de borracha, desses que a gente apertava e fazia um barulhinho, finh fuinh. Assim, ao deitar a cabeça para dormir, ela ouviria o apito, e se lembraria de mim.
            A atenção da mamãe era muito disputada na casa. Tinha a hora do aeiou. Às vezes queríamos falar com ela e ela estava ao telefone. Geralmente demorava demais pra acabar! Ficava num eterno aeiou! 

          - Ah!! EH?! Ih! Oh, Ulh!
            Se estivéssemos com pressa era um tormento.
            O quarto dos dois irmãos mais velhos, Vianney e Luiz, era interessante. Em cima da mesa deles geralmente havia um avião em construção, um aeromodelo, que faziam com ripas de madeira e papel vegetal, e o colocavam para planar no Vale Florido, em Petrópolis, onde alugávamos uma casa de campo.





            Eram muito habilidosos, grandes engenheiros! No quarto deles havia uma janela que dava para um corredor, e, ao fim deste, situava-se o banheiro deles, e o escritório do papai.
            Que quando estava em casa, quase sempre era ali que ficava, concentrado, escrevendo suas palestras. Trabalho que amava fazer. Fez um programa na rádio Nacional durante quarenta anos, programa este irradiado por cinco minutos todos os dias da semana, de manhã e, depois, pela manhã e à tarde. Eram palestras sobre variados assuntos, como curiosidades científicas ou algo que ele tirava do cotidiano, com algum alento construtivo e espirituoso. Lembro-me de uma que falava sobre uma descoberta de que na nossa lágrima havia um efeito de antibiótico, algo assim, mas não era de qualquer lagrima, só daquelas do cantinho do olho, naquela mais profundamente sentida. Que interessante. Ele tinha muito talento para escrever; tinha poder de síntese, fina e espirituosa sensibilidade. Uma grande e linda alma, o meu pai Eurípides.
            De vez em quando, estando ele no escritório, compenetrado em seu trabalho, eu ia visitá-lo um pouquinho, e ele me dava atenção. Depois, falava que precisava voltar ao trabalho, mas, sem deixar de expressar um suave e verdadeiro carinho. Outras vezes, eu estava chateada com alguma coisa, e chegava lá reclamando, e ele pedia:- Dê um sorriso!

            Muitas vezes eu não estava com vontade de sorrir. Ele insistia. Eu dava  um sorriso sem graça, forçado, e acabávamos achando graça de verdade do fato.
            Há tantas coisas interessantes para serem lembradas daquela casa, durante a minha infância!               O "Alguém!" do Vianney, por exemplo, era assim: De repente, ele chamava, bem alto:                        - ALGUÉEM! 
            E poderia ser para nos dar algo interessante, que ele não queria mais ou para nos pedir algum favor. Então, nos arriscávamos para ganhar algo, ou para ter que lhe fazer um favor..


                                                             A família











2 comentários:

  1. Que delicia de relato, Ângela. Consegui "ver" a todos. Você nasceu aqui ao lado de casa (casa de Saúde São José não foi?) e de lá foi a rua Bambina. Pois, pasme. Exatamente meu trajeto anos antes. Aqui nasci e fui para casa de meu avô Miguel Pereira na rua Bambina. Era um casarão enorme. E também tive uma Babá que entrou para casa de meus avós quando Mamãe tinha 12 anos e chegou até a "babasar" meus filhos. Adorei, li e reli.

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  2. Que coincidência, Anna, mas, apesar de também ter nascido na Casa de Saúde São José, quem escreveu esse texto foi minha irmã caçula Cecília.
    Obrigada pela visita sempre bem-vinda!
    Um beijo pra você!

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