terça-feira, 20 de setembro de 2016

CALA-TE, BOCA ! - por Luiz E. Ottoni de Menezes


Desta vez estava no alto de uma escada, na área de serviço, fazendo um furo no teto, quando percebi uma senhora no andar de cima me acenando.  Desliguei a máquina barulhenta e ouvi:
– Moço, depois que o senhor acabar aí, pode dar um pulinho aqui, no 401?
Perplexo, minha única reação foi acenar de volta, sem saber o que dizer.  Fiquei mergulhado num turbilhão de pensamentos.  “E agora?  Acho que ela entendeu meu gesto como um sinal de concordância e deve estar esperando que eu vá lá em cima daqui a pouco.  Há quanto tempo eu era observado?  Em que encrenca fui me meter?”  Cogitei até em ligar pelo interfone e pedir desculpas por não poder ir.  Liguei novamente a máquina e tentei esquecer do assunto.  Meia hora depois, beijei minha mãe e fui embora.
No hall, entretanto, parei por um segundo.
Subi.  A curiosidade havia me vencido.
Toquei a campainha.  Abriu-se a janelinha da porta.
– Bom dia.  A senhora me chamou?
– Ah, sim, o senhor poderia ir lá pela outra porta, por favor?
E lá vou eu para a porta dos fundos.  Isso está ficando interessante…
Era também um problema no secador de roupa.
– O meu marido, que é médico, colocou a rodinha lá em cima, mas acho que alguma coisa está errada, não está funcionando bem.
– Vamos dar uma olhada.  A senhora teria uma escada?
E fui me desincumbindo da tarefa, sob os olhares atentos do distinto casal e de uma empregada que assistia a tudo de longe, em silêncio, passando roupa.  Expliquei os motivos pelos quais eu estava corrigindo o que o marido havia feito.  Tive a certeza de que meu trabalho estava agradando quando, já no final, a senhora perguntou, toda gentil:
– Que outros serviços o senhor faz?
– Bem, na realidade (segue-se uma longa pausa), faço projetos de loteamentos, cálculo estrutural, também escrevo, quando tenho tempo, já fiz cerâmica…
Sou interrompido com uma expressão de perplexidade total:
– Oh, meu Deus!  Me desculpe!  Eu vi o senhor lá embaixo …
– Ora, não se preocupe …
Ela não sabia o que dizer.  O médico, paralisado, anestesiado.  A empregada, lá atrás, rindo…
– Eu vi o senhor lá, em cima da escada e pensei que …
– Sim, eu estava consertando o secador de roupas …
– Que mancada!  O senhor é ligado à família?
– Sim, meus pais moram no 301.
Seu rosto fica pálido.
– O senhor é filho da D. Maria?  Oh, meu Deus!  Me desculpe!  Que mancada!
– Não se preocupe, eu gosto de consertar essas coisas.
– Oh, meu Deus !
E o Santo Nome continuou sendo invocado muitas vezes.  Recusei água, cafezinho e suco:
– Não, obrigado, acabei de tomar um copo d’água ao sair de lá.  Só preciso lavar as mãos.
Fui levado para a área social da casa.
– Aqui, por favor.  Use este sabonete, que é melhor.  Veja a reforma que fizemos na casa, tiramos esta parede, fechamos aquela, incorporamos a varanda ao quarto, que tal, não acha que ficou boa?  Agora pretendemos fazer isto e aquilo, o senhor me desculpe!
O médico, recuperado, já se divertia com o episódio.  Mas a senhora, com certeza, não iria dormir naquela noite, de tão preocupada.
E continuava tentando se desculpar:
– É tão perigoso, hoje em dia, chamar uma pessoa em casa para fazer algum serviço, eu vi o senhor lá, imaginei que seria uma pessoa…
– de confiança.
– Sim, é claro!  Oh, meu Deus!  Que vexame!  Me desculpe!  O senhor não quer sentar-se, não quer conversar um pouquinho?
– Não, muito obrigado, me desculpe a pressa, mas estou com um projeto meio atrasado, tenho que entregá-lo depois de amanhã, preciso ir correndo …
– Oh, meu Deus, que mancada!
Saí pela porta da frente e desci as escadas lamentando:  “Mancada minha!  Por que não fiquei de boca fechada?  Poderia ter ganho umas vinte pratas!”

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