terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Beijos na alma - Angela Delgado

Meu pai faleceu há um ano e, quando li no livro do Mia Couto, Um rio chamado tempo, sobre a ausente permanência de quem morreu, concordei inteiramente com ele: “Morto amado nunca mais para de morrer.” A beleza do livro enche meu coração. Por isso, fecho-o e vou dormir com a frase:
“... em todo o lado, mesmo no invisível, há uma porta.”
No dia seguinte, repreendo um dos meus netos por algum excesso e ele, mudando o refrão “Vovó é malvadinha!”, retruca, todo charmoso: - Você não me ama mais..
Em minha caminhada, fui colocando, de casa em casa, o convite/participação/divulgação de meu novo livro. É tão gostoso "esperar pela festa", aliás, esta é a festa: deparar-me com as pessoas saindo para o trabalho, perguntar se elas gostam de ler; ouvir um "gosto muito" ou "sou formada em Letras" e, então, entregar o convite com um sorriso; receber outro e seguir adiante com meu Ipod e minha festa interior, ouvindo Bach, Offenbach, Cesaria Evora, Louis Armstrong, Oswaldo Montenegro, Paulo Conte etc.
Espero que a pessoa pense que pelo meu esforço em subir ladeiras mereço sua presença na Feira de Livros...

“Qual o melhor filme de terror?” Essa pergunta insistente de um Jornal (!) é, para mim, tão incongruente quanto seria a enquete “A qual nazista você concederia o prêmio Nobel da paz?”. Levei realmente um susto ao ver a palavra “melhor” associada ao terror. Mas, talvez o Jornal quisesse dizer “menos pior”, porém, como diz um dos meus irmãos, a minoria não deve gastar energia lutando contra a maioria. É frustrante, mas, de consciência limpa, vou tratar de coisas mais valiosas.
Ia, porque acabo de receber um e-mail do Jornal pedindo o meu endereço para que o
protesto seja encaminhado aos editores. Ai, em que fui me meter. Tomara que não apedrejem a minha casa...
E é nela que ao ler em um prefácio, que “crônica é tudo aquilo que for manchete na alma do cronista”, chego à conclusão de que meus livros são todos de crônicas.
A de hoje começa com a constatação de que, depois do maremoto na vida de Filha Mais Velha que a trouxe para minha casa com armas e bagagens, incluindo seus quatro filhos, começo a não me incomodar mais com uma boneca no chão, um casaco jogado na cama, um sapato no meio do caminho, uma mochila no sofá, uma sandália embaixo da mesa, um lego aqui, um lego lá, roupas emboladas, um boné perdido e um ioiô na sala. Isso após seis meses abaixando, levantando, guardando e colocando no lugar tudo o que sempre teima em ficar fora dele, como brinquedos, roupas e sapatos.
Tenho ou tinha a estranha mania de deixar sapatos unidos (sou romântica até nisso?) com solas para baixo... Estou curada dessa neurose e não ligo mais se estão um aqui outro lá, virados de lado ou de sola pra cima, confirmando a teoria de que a terceira idade é a da liberação.
Afinal de contas passei anos da minha vida dormindo com tudo no lugar e todos os lápis das crianças apontados. Tudo a seu tempo e como aconselha meu guru e irmão mais velho: devo me restringir agora aos prazeres, à leitura e à música, que são beijos em minha alma.
Um sério problema na cervical talvez tenha algo a ver com essa minha recente indiferença à bagunça generalizada.
Falando em indiferença ou ingratidão ou qualquer sentimento negativo, fui levada, por psiquiatras alheios, a achar que o grande vilão da humanidade é o Adão. Sim porque a culpa é sempre dos pais. Antes, porém, de serem considerados vilões, devem ser vistos como vítimas, já que tendo um dia sido filhos, não têm culpa de nada.
Ressalvando-se casos em que pais têm culpa no cartório, como aqueles que espancam seus filhos, a maioria tem boa-vontade e faz o que pode por sua prole.

6 comentários:

  1. Muito Bom. Parabéns pelo seu blog.

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  2. @PG Obrigada, PG, por ter trazido a sua filha, que tanto me ajudou!

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  3. Desejo a você sucesso em mais essa empreitada e que possamos, juntos, curtir muitas idéias e belezas.
    Parabéns pela iniciativa!

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  4. @Sueli Aos trancos e barrancos, vamos conseguindo algumas realizações... Obrigada pela visita e pelos votos!

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  5. Oi tia, parabéns pelo blog, muito inteligente e agradável de se ler. Quanto à música, não sei porque, mas não ouço aqui...testei as caixinhas de som e estão funcionando perfeitamente; tentei o fone de ouvido mas também não deu certo... mas com música ou sem, é maravilhoso ler suas crônicas, seu momentos... enfim... pequenos trechos de uma grande mulher. Beijos... Ligia

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  6. @Ligia Liginha querida, a música demora, às vezes, um pouquinho para entrar, mas, estou ouvindo-a neste momento. Espero que você também consiga, e que bom que está gostando do blog. Sinal de que estou atingindo meu objetivo. Obrigada pela visita e pelos elogios que retribuo. Quem não gosta deles?
    Volte sempre! Beijos.

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