domingo, 8 de janeiro de 2012

Outro dia de "Os Introcáveis II"

        

       Carlos Jorge Mota disse que gostará de analisar este “diário”. Eu, Angela, já lhe antecipo comentando que enquanto em Os Introcáveis as adolescentes de então eram verdadeiras e carinhosas umas com as outras (“A pateta da...” “Para o cúmulo da burrice...”, “A idiota da...”). Os Introcáveis II, tirando as rusguinhas superadas, é puro mel.

Com a palavra, Carlos Magno:

     Escritores, jornalistas, fotógrafos e amantes da Língua Portuguesa, todos nós, que integramos a delegação da “Viagem às Nascentes da Língua Portuguesa”, saímos de Brasília, no dia 7 de junho, para visitar Portugal. Levávamos no peito o forte sentimento de solidariedade com o País, que atravessa série crise econômica.
          Nossa delegação, composta de 22 pessoas, chegou a Lisboa e ainda havia sol. Lisboa.
Linda. Histórica. Contemporânea. Sisuda. Alegre. Conservadora. Moderna. Limpa. Limpa.
Absolutamente limpa.
Nem desfizemos as malas e já estávamos entrando no belo restaurante onde seríamos
recepcionados pelos membros da Academia do Bacalhau de Lisboa.Essa entidade existe em
Portugal e em todos os países em que haja comunidades formadas por portugueses. Foi-nos
dada a honra de assistir à premiação dos estudantes vencedores em um concurso literário.O
nosso trabalho como escritores serviu de referência para que se exaltassem os princípios da
Academia, entre eles o de “fomentar, e desenvolver relações de amizade, cooperação
e confraternização entre os associados, independentemente de sua etnia,posição social ou
grau de cultura”. Lá, fomos homenageados com salva de palmas, palavras de boas vindas e
com Certificado de Convidado de Honra. Tal honraria só é conferida depois de aprovada por
Assembléia Geral e proposta pelo Presidente da Academia.
                Na manhã seguinte, recebeu-nos na porta da Biblioteca Central de Lisboa seu próprio
Presidente. No Salão Nobre da Entidade, fomos apresentados nominalmente pelo editor Victor
Alegria, o responsável pela nossa aventura cultural e pela “Viagem às Nascentes de Língua
Portuguesa”. Oferecemos livros nossos, que se incorporarão ao acervo de três milhões de
livros da Biblioteca e que passarão a constar na relação oficial de títulos daquele importante
acervo que, por força de tratado,mantém intercâmbio com todas as bibliotecas da Europa.
Dei notícia da AVELA e ofereci à Biblioteca Central de Lisboa um exemplar do “Rio de Letras”,
dos nossos escritores valencianos. Li, com emoção, o nome de cada autor da antologia, para
que se fizesse naquela reunião , o registro da intelectualidade literária que habita e trabalha às
margens do Rio Uma, na Bahia.
                Nossa viagem estava apenas começando.

     Em Lisboa, visitei a Rua das Gáveas. Era ainda o sol claro e já se iam os ponteiros
do relógio às 20h30. Um intricado de ruelas espremidas por casarões centenários lembrou-me
Ouro Preto e Salvador. Algumas das ruelas são trafegadas somente por pedestres.
Por elas sobem ou descem ladeiras e há escadas. O calçamento é de pedras. Tudo é muito limpo.
Bem conservado.
                Com a chegada da noite, aquele recanto lisboeta se transformava sutilmente. As luzes
amareladas contribuíam para que detalhes de claridades e de sombras mostrassem a beleza
dos casarões com suas janelas e portais trabalhados com arte de fina carpintaria. O aroma de
azeite e temperos escapava dos inúmeros simpáticos restaurantes que fazem do lugar um dos
preferidos por quem sabe apreciar a culinária extraordinária que deita fama sobre a cozinha
portuguesa.Gente sentada nas mesinhas das calçadas estreitas degustava, comia, conversava e
ria. Taças de vinho sob os abajures e lampiões.
                Eu estava acompanhando o escritor e jornalista Manoel Mendes e sua Lúcia, vindos
de Brasília. Os dois, gentilmente me convidaram para visitarmos uma casa de fado. Talvez por
me verem como um dos poucos do grupo (éramos um grupo de escritores da caravana Viagem
às Nascentes da Língua Portuguesa) que estava desacompanhado, tenham-se condoído e me
incluíram no passeio que haviam programado fazer aquela noite. Aceitei de bom grado e tive
um dos bons momentos da viagem. Manoel me oferecera, ainda no hotel, o seu livro “Meu
testemunho de Brasília”. Um documento sobre o nascimento da Capital.
                A placa: “Caldo Verde casa de fado”. Entramos. Porta estreita. Pequeno salão.
Acanhado. Porém, muito receptivo.Decorado com motivos portugueses. À média luz. Quase
levitamos com o cheiro delicioso do azeite, sardinha frita, cebola e tantas outras nuances
que vinham da cozinha e que nossos narizes captavam para o deleite do nosso estômago e
aconchego de nossa alma.
                Crísea leitora, fulgente leitor, que engano é o prejulgamento. Pedimos bacalhau.
Em Lisboa chega a ser quase considerado crime o turista olvidar. Também foi-nos sugerido
carneiro ao vinho madeira. Abri a carta de vinhos, já que o casal fez questão, outorgando-me a
honra de escolher o que beberíamos.
                Sou um aventureiro. Um explorador do vasto mar que é o mar do vinho. Penso que é
necessário abrir velas e cortar âncoras para se navegar nas imensidões de certezas e incertezas
que nos vêm de cada garrafa e penso também: ao tomarmos uma garrafa, libertamo-nos
de uma obrigação à qual estamos ligados pelos nós do destino. Cada garrafa sorvida com os
amigos contribui para a leveza do nosso carma.
                Para experimentar o novo, escolhi um rótulo desconhecido para mim: ”Cabeça de
Burro”. Ora, beber um vinho com um nome desses! Ah, o prejulgamento! Quanto sangue não já
se esvaiu em guerras inúteis, porque alguém julgou prematuramente.
                Bom vinho. Aroma acentuado a amoras, cerejas, com notas especiais de canela.
Taninos maduros e fortes. Sua textura acetinada demonstra o equilíbrio entre álcool e acidez.
Vinho potente e de excelente expressão. Tantas qualidades fazem dos portugueses vinhos de
referência, de seriedade, de certeza e de grata satisfação para quem os degusta. O “Cabeça de
Burro” se harmonizou com a comida de tal forma que demos um interregno nas nossas
agradáveis conversas.
                O lamento do fado se encarregou de nos levar às nossas raízes lusitanas e chegamos
a sentir tal qual Cesário Verde declamou, cantando que em Lisboa, tão bela, quase desejava
sofrer.

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