segunda-feira, 9 de abril de 2012




NÃO ME DIGA QUE AINDA NÃO É PÁSCOA

Alexandra Rodrigues


        Acordei hoje com um fiozinho de vontade de antecipar a Páscoa. Não aquela dos ovos pendurados no teto do supermercado em apetitosos cachos de chocolate. Nem tão pouco a do Cristo ensanguentado preso dentro das igrejas decoradas de lágrima e silêncio. Nada disso. O fio de ternura que escorre hoje dentro de mim pede-me um cântico de aleluia que corra solto pelos verdes campos da alma. Pede-me que desate o nó que prende o sectarismo ao preconceito religioso e que me entregue, sem rótulo, à transcendência. Que reverencie a vida ao conviver com o meu dessemelhante no altar do cotidiano.

       Esse fio de ternura que insiste em costurar o dia de hoje pede-me que desenjaule os deuses dos altares em que foram confinados. E que me ajoelhe diante do sagrado que é a vida à minha volta, feita de gente e de todas as coisas vivas. Pede-me que revisite as mitologias, que escute os mestres de todas as culturas, aqueles que se identificam com as forças do Cosmos. E que sopram sabedoria ao ouvido da nossa interioridade.Esses que, mais do que pastores, são barqueiros.

        Entre no barco - diz-me a voz da Ternura - deixe-se conduzir pela Vida sem medos ou ressentimentos. Não se deixe morrer de tantas mortes. Não se deixe morrer da morte do amor, da morte da confiança, da morte da sabedoria.

          O que verdadeiramente temo não é essa morte que encerra a nossa passagem, mas a que jaz dentro de nós enquanto estamos vivos. Aquela que nos rouba a anima. A que enterramos no cemitério do eu quando nos tornamos desconfiados, cínicos, distantes, previsíveis, quando a vida deixa de ser um passeio aventureiro de coração aberto e se torna uma excursão com roteiro fechado aos lugares de sempre.

        Sabe, o que eu queria mesmo era brincar de morrer e ressuscitar todos os dias como criança sapeca que se esconde e inesperadamente reaparece com uma risada,que brinca de vivo-morto, que vive a ressurreição como uma força tremendamente lúdica que restaura a vitalidade.

            - Veja, sou eu mesma, vá, ponha a sua mão no meu peito, sentiu? Essa é a cicatriz de quando brincamos de espada e a sua acertou em cheio no meu peito. Vamos brincar de novo? Eu caio no chão e finjo de morrer, depois você me dá a sua mão e cuida do meu machucado. E eu vivo de novo e continuamos o jogo de morrer-viver.

       É essa ressurreição que me move e comove. 

        Não me diga que pregaram nossas dores na cruz. Não me diga que derrubaram árvores para construir templos. Não me diga que é dentro deles que preciso rezar pela vida. Sabe, eu preciso mesmo é de reflorestamento interno, de me deixar penetrar pelo mistério das coisas, de escutar o coral das vozes do mundo cantando aleluia na vastidão do dia. 

         Por favor, não me diga que ainda não é Páscoa.

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