domingo, 15 de abril de 2012

O mato dos cachorros

 
Não sou acostumada a caminhadas. Deveria, porque sou gorda. Mas desde que era magra (once upon a time...) nunca gostei de caminhar. Bom, houve uma época em que eu, subitamente, me animei a dar um passo atrás do outro, durante uma hora ou mais. Fiz isso por quase um ano, mas descobri, mais tarde, que havia um motivo para tanta animação. Um motivo que tinha nome, endereço e uma careca charmosíssima. Perdeu a graça. Detesto quando tomo consciência de que estou fazendo as coisas por motivação externa. Acho o cúmulo querer emagrecer, ou cortar o cabelo, ou fazer as unhas, ou me matar na massagem para agradar alguém que não seja eu mesma.
Mas essa rebeldia custou-me a silhueta. Virei gorda por vários motivos e, dentre eles, pelo fato de não aceitar imposições pessoais, sociais, ou seja lá de que “ais”. Quando eu “tenho” que fazer, não faço. Faço quando quero, quando gosto e porque tenho vontade. Mesmo que, no caso do exercício, essa vontade seja rara, rara.
No entanto, um mês atrás, adotei um cachorrinho. Eu tinha dois, mas o mais velho morreu e o mais novo entrou em depressão. Nunca pensei que cachorro tivesse depressão, mas tem. Igual à de gente. Resultado? Adotei o Lucas. Já veio com nome, dois anos e meio e... e com o hábito bem arraigado de só fazer as suas necessidades no matinho. Resultado? É preciso descer com ele três vezes por dia e caminhar — sim, caminhar! — até que ele encontre o mato perfeito, o tufo de grama que pisca pra ele e diz: “Oi, fique à vontade!”.
Uma das três vezes por dia sou eu que desço com ele. Aliás, que desço com os dois, Lucas e Dude, porque aonde vai um rabo-abanante, vai o outro. E não adianta tentar ficar parada no lugar, ao lado do gramado. Eles me puxam e correm e lá vou atrás deles, parecendo uma pipa sem rabiola. Enfim, pelo menos por 15 ou 20 minutos eu agora ando, todos os dias. E ainda tem o “abaixa e cata” com o saquinho, a única parte da brincadeira que me causa dor, porque a hérnia de disco e a artrose beliscam na mesma hora (que assunto, hein?). O fato é que, mesmo sem querer, acabo por obrigar meu corpo a esse exercício engraçado.
Toda essa história comprida pra falar das árvores que descobri ao lado do meu prédio. Por causa do Lucas. E do Dude.
São árvores de tamanho médio, que formam uma espécie de círculo, abraçando um pequeno jardim improvisado por um morador. É que, sendo um dos lugares prediletos dos cachorros, para lá eles me puxaram, uns dias atrás, fazendo com que eu me deparasse com uma paisagem inusitada.
Visto de fora, o grupo de poucas árvores passa despercebido ao olhar rotineiro. Mas, por dentro, a gente parece estar num daqueles jardins particulares cheios de vento cheiroso, de vozes sussurradas, de segredos invisíveis. A cor do céu, que passa entremeio às árvores, é diferente. O ruído externo chega mais abafado aos ouvidos e o cheiro de Dama da Noite começando a se abrir em início de noite ainda não é forte demais. Ali, a gente se torna invisível, isolado, e tudo é possível. Possível enxergar os ninhos de quatro ou cinco passarinhos de cauda comprida que voam rasteiros perguntando: ”Ei, quem é você?”; descobrir as pequenas frutas que amadurecem na impassibilidade de alguns galhos; observar os raios que se infiltram por entre as árvores, ora de sol, ora de lua (quando o passeio é noturno), ou mesmo sentir os pingos de chuva mais grossos que se empenham em atravessar a barreira de folhas.
Nada que eu tivesse visto antes. Nada que eu soubesse estar ali, apesar do tanto de anos que moro neste mesmo lugar. Nada que existisse no meu dia antes da chegada do Lucas, cão, dois anos e meio, que me obriga a caminhar ao menos uma vez por dia e que me puxa, feliz, para o centro desse agora "nosso" pequeno mundo secreto.
É só mais um mato, que sempre esteve ali, ao lado da janela da minha sala, virando cotidiano a cada amanhecer. O mato dos cachorros. Meu mato.

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