terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Ler o mundo

     Como diz Afonso Romano, “Quando a gente gosta de um livro (é a mesma coisa com um filme), fica cutucando as pessoas, ‘Você precisa ler’, ‘Eu adorei, leia, que vai curtir”.
                Não tenho o costume de usar esse último verbo, mas cutuco-os para saborearem Ler o mundo,  do qual pincei o seguinte:
Penso, logo leio – (tema de uma campanha francesa)
                “... Já se falou que o homem é um ser lúdico, enquanto outros afirmam que é um ser que pensa. Mas pode-se dizer também que o que nos caracteriza é sermos seres que narram sua própria história. Assim como na natureza há os roedores e os herbívoros, os humanos pertencem à espécie dos narradores. Narram oralmente, narram por escrito, narram pelo teatro, narram pelo cinema, narram por cores e volumes, narram fofocando por telefone e até por e-mail não fazem senão narrar.
                Cada texto
                         o seu contexto
                Cada letra
                         os arabescos

                Cada folha
                        outro dia
                        desfolhado
                        outra grafia

                Cada página
                        O branco do destino
                         com rasuras
                         desatinos
                Cada qual
                        com sua pena
                        moderna e antiga
                 Cada qual
                         com sua tinta
                         íntima
                         escorrida

                Cada escrita
                        uma roupa
                        na pele
                        da página
                        despida.

                A passagem do pictograma desenhado nas cavernas ao ideograma sobre o papel foi um avanço tecnológico significativo. No pictograma faz-se a representação direta da realidade. Por exemplo: uma montanha aparece desenhada como uma montanha, uma mulher representada como um triângulo que remete à imagem da região púbica e genital feminina. A passagem para o ideograma consistiu numa operação aparentemente simples, mas que levou séculos para ser realizada. Superpor uma montanha a um triângulo púbico passou a significar não mais uma montanha e uma mulher isoladamente, mas a mulher estrangeira, aquela que veio do outro lado da montanha. Surgia, então, de forma escrita, a metáfora, que é a concretização verbal de uma abstração.

                ... O que será a universidade do século XXI?
                Continuaremos a assistir a aulas expositivas? Continuaremos a copiar à mão algumas informações dos livros? Continuaremos a fazer xerox de livros? Os professores a levar para a casa quilos de papel pra corrigir? As teses continuarão a ser apresentadas em papel e serão defendidas como na Idade Média?”
                (Acho que não. Na sala do meu neto, quando um professor coloca matéria no quadro, espocam 30 celulares fotografando-a e os roteiros de estudo e notas de provas, os alunos  acessam-nos pelo site do colégio, sem falar no Tablet que substituirá os livros...)

                “Jean Racine lia escondido na floresta um livro proibido aos monges (pelo visto proibido a todos...). Descoberto pelo sacristão, o livro lhe foi tirado e queimado. Mas, Racine, dias depois, achou outro exemplar e levou-o para ler também ocultamente na floresta. Seu gesto também foi descoberto e o novo livro queimado. Quando ele achou um terceiro exemplar, decorou-o inteiramente e ele mesmo o entregou ao sacristão dizendo: “Agora podes queimar este também, como fizeste com os outros.
                Como diz o escritor Alberto Manguel, há algo que nos atinge a todos hoje. Compartilhamos nossa memória com o computador. Pior: conferimos a ele a nossa memória. E já que a nossa memória está eletronicamente fora de nos, confessa:: Trabalho com medo de perder um texto ‘memorizado’- medo que para meus ancestrais só vinha com as dilapidações da idade, mas que para mim está sempre presente: medo de uma falta de energia, de tocar na tecla errada e apagar tudo da minha memória, e para sempre.”

                No capítulo Aindaesperança, Affonso Romano nos conta que “A cidade, melhor dizendo, a cidadezinha tem 5.500 habitantes. E seu monumento principal reproduz uma pilha de livros com vários metros de altura. Não colocaram ali o busto de alguém, nenhum general a cavalo, nenhuma escultura abstrata. A cidade de Morro Reuter elegeu o livro como a coisa principal de sua vida.
                A cidadezinha, de colonização alemã, que tira seu sustento da indústria de calçados, está a uma hora de Porto Alegre. Não tem nem hotel. Por isso, hospedei-me em Novo Hamburgo, ao lado. Não tem hotel, mas tem cinco bibliotecas no município. É uma cidade nova. Tem treze anos de vida e há treze anos, desde que surgiu, Morro Reuter realiza sua Feira do Livro. Não estranha que tenha 98,4% de pessoas alfabetizadas. Pergunto, então, por aqueles pouquíssimos analfabetos, transformados aqui em peça rara. Explicam-me que são alguns doentes mentais,  pessoas velhas demais ou de paradeiro ignorado.
     Fui lá e constatei.
                E por aí afora, desde então, vivo dizendo que ainda há esperança. Se uma cidade elegeu o livro (a cultura) como seu projeto principal, nem tudo está perdido. Dentro dos tiroteios e incertezas, surge um caminho.”

                Em outro capítulo, Affonso Romano salienta que “ler é sair do espaço exterior para o tempo interior.”
                E a chave de ouro começa a surgir antes do término do livro, com a belíssima frase: “Numa sociedade sofisticada tecnologicamente, a leitura não é um luxo beletrista, mas uma tecnologia indispensável à sobrevivência pessoal e social.” E termina com a carta da página 226, onde comenta um estarrecedor episódio.
    
               Boa leitura a todos!

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